
A pouco mais de duas semanas do primeiro turno das elei��es brasileiras, os principais institutos de pesquisa v�m convergindo em alguns cen�rios. Tanto o Instituto Datafolha quanto o Ipec (ex-Ibope) mostram o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) a frente do presidente Jair Bolsonaro (PL) na corrida pelo Pal�cio do Planalto. Um dos pontos em que os dados tamb�m convergem � sobre como o eleitorado cat�lico e evang�lico vem se dividindo nestas elei��es.
O levantamento mais recente do Ipec mostra que Bolsonaro Lula tem 52% entre cat�licos contra 26% de Bolsonaro. J� no p�blico evang�lico, o cen�rio se inverte. Bolsonaro lidera com 48% enquanto Lula aparece com 31%. A tend�ncia � parecida � indicada pelo Datafolha. Entre cat�licos, Lula lidera com 54% contra 27% de Bolsonaro. No eleitorado evang�lico, o atual presidente lidera com 51% contra 28% de Lula.
Diante dos dados, a pergunta inevit�vel �: por que, segundo os institutos de pesquisa, cat�licos preferem Lula enquanto evang�licos preferem Bolsonaro?
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Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam fatores como a diferen�a na frequ�ncia aos templos religiosos, ativismo de lideran�as evang�licas, diferen�as econ�micas e o peso que a pauta de costumes tem para cat�licos e evang�licos.
Tamanho do bolo
A aten��o dada pelas principais campanhas presidenciais ao fator religi�o n�o � nova na pol�tica brasileira e parece ter raz�es num�ricas. Dados de 2020 do Datafolha mostram que cat�licos representam 50% da popula��o brasileira, enquanto evang�licos (em suas diversas denomina��es) somariam 31%. Juntos, totalizam 81% da popula��o do pa�s.A import�ncia do eleitorado religioso passou a ganhar ainda mais destaque ap�s as elei��es de 2018, quando o presidente Jair Bolsonaro se elegeu com um forte apoio do eleitorado evang�lico.
Uma pesquisa do Datafolha �s v�speras do segundo turno indicou que 59% dos eleitores evang�licos disseram que votariam em Bolsonaro contra 26% no ent�o candidato do PT Fernando Haddad. A mesma pesquisa mostrou que 44% dos cat�licos votariam em Bolsonaro contra 43% em Haddad. Bolsonaro venceu as elei��es com 55,13% dos votos contra 44,87% do petista.
N�o � toa, tanto as campanhas de Lula quanto de Bolsonaro v�m apostando na conquista do eleitorado religioso para se manterem competitivas. Na semana passada, por exemplo, Lula se reuniu com lideran�as evang�licas no Rio de Janeiro. Em seu discurso, ele fez quest�o de se apresentar como algu�m ligado a Deus. "Eu n�o teria chegado aonde cheguei se n�o fosse a m�o de Deus dirigindo os meus passos", disse.
Bolsonaro n�o ficou atr�s. Na segunda-feira (12/9), ele participou de uma entrevista com um grupo de influenciadores digitais evang�licos. Em seu discurso no ato organizado no dia 7 de setembro, ele tamb�m se apresentou como algu�m temente a Deus.
"Hoje voc�s t�m um presidente que acredita em Deus", disse.

Diferen�as entre voto cat�lico e evang�lico
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que para entender o que tem levado cat�licos a preferir Lula e evang�licos a preferir Bolsonaro � preciso compreender que a defini��o do voto tende a acontecer de forma diferente nesses dois segmentos.
Um dos principais fatores que explica essa diferen�a � o fato de que evang�licos, na m�dia, v�o mais aos seus templos do que os cat�licos v�o � igreja, de acordo com os especialistas. Pesquisa do Datafolha divulgada em junho deste ano mostra que 53% dos evang�licos afirmam ir aos seus templos mais de uma vez por semana. Entre cat�licos, esse n�mero � de 17%.
O resultado, segundo eles, � que, para o cat�lico m�dio, a defini��o do seu voto seria menos influenciada por sua viv�ncia religiosa que no caso do eleitor evang�lico.
"Os cat�licos v�o menos � Igreja e v�o estabelecer uma rela��o mais distante com as suas lideran�as. Ele n�o vai votar a partir de uma conversa, de um di�logo com o companheiro de igreja como o evang�lico faz", explicou a professora de Sociologia da Universidade de Bras�lia (UnB) e pesquisadora do Instituto Ser Religi�o (ISER), Jaqueline Moraes Teixeira.
"Para os evang�licos, a rede da igreja � a principal. Ent�o, para eles, � importante que esse voto, que essa decis�o passe de alguma maneira por essa rede", afirmou a pesquisadora.
A cientista pol�tica e pesquisadora do ISER Car� Evangelista afirma que essa diferen�a nas inten��es de voto entre cat�licos e evang�licos � um fen�meno observado em outros pa�ses latino-americanos h� alguns anos. Ela aponta um outro fator que ajuda a explicar a diferen�a no engajamento pol�tico entre os eleitorados evang�lico e cat�lico: o ativismo pol�tico das lideran�as religiosas evang�licas.
Segundo ela, nos �ltimos anos, pastores e pastoras com grande n�mero de fi�is passaram a militar politicamente, inclusive lan�ando candidaturas e apoiando, oficialmente, determinados candidatos.
Por outro lado, a Igreja Cat�lica, nas �ltimas d�cadas, tem se mostrado mais comedida em endossar candidatos e tem regras que restringem o lan�amento de candidaturas de seus sacerdotes.
"As pesquisas t�m mostrado uma maior participa��o de representantes do sistema pol�tico dentro de espa�os religiosos no universo evang�lico. Isso tem influ�ncia sobre esse eleitorado. Nos espa�os evang�licos tem muito mais presen�a da pol�tica do que nos espa�os cat�licos", disse a pesquisadora.
Outra diferen�a apontada pelas especialistas � a diferen�a no padr�o s�cio-econ�mico entre cat�licos e evang�licos.
Segundo Jaqueline Teixeira, apesar de haver um grande contingente de fi�is de baixa renda entre os cat�licos, no segmento evang�lico as pessoas pobres, especialmente mulheres, s�o a maioria. Essa "desassist�ncia", segundo ela, aumenta a vincula��o dos fieis �s redes comunit�rias em torno da igreja, aumentando assim, a eventual influ�ncia dela sobre o voto.
"(Eleitor cat�lico) � uma popula��o que tem um pouquinho mais de acesso a determinadas coisas como equipamentos p�blicos e urbanos e que n�o tem a mesma rela��o comunit�ria com a Igreja que a popula��o evang�lica tem", explica.
Cat�licos de um lado
Os especialistas apontam, tamb�m, que o papel de determinados temas e hist�ricos � importante para explicar o que tem levado cat�licos a preferirem Lula e evang�licos a preferirem Bolsonaro.
O soci�logo e pesquisador do ISER Clemir Fernandes, que � pastor, aponta tr�s motivos que ajudam a explicar por que os cat�licos demonstram maior inten��o de voto em Lula.
O primeiro � a constante identifica��o de Bolsonaro com o universo evang�lico. Apesar de ser cat�lico, o presidente acena frequentemente ao eleitorado protestante.
Um dos s�mbolos mais marcantes desse processo de identifica��o foi esse eleitorado foi o seu batismo nas �guas do rio Jord�o, em Israel. Para Clemir, quanto mais Bolsonaro se aproxima dos evang�licos, mais resist�ncia ele tem entre cat�licos.
"Essa aproxima��o dele (Bolsonaro) com a gram�tica e a liturgia evang�lica causam um certo mal-estar e um distanciamento do cat�lico-m�dio, que � a identidade religiosa brasileira mais forte", afirmou.
O segundo motivo, de acordo com ele, � a liga��o hist�rica de parte da Igreja Cat�lica com movimentos sociais de esquerda no Brasil.
Essa conex�o ficou mais intensa a partir dos �ltimos anos da ditadura militar influenciada pela chamada Teologia da Liberta��o, uma corrente filos�fica dentro do catolicismo associada � esquerda.
Foi nesse per�odo que se deu a forma��o das comunidades eclesiais de base, que tiveram forte influ�ncia na cria��o de movimentos sociais e do PT.
"Esse bra�o da Igreja Cat�lica baseado na Teologia da Liberta��o formou muitos padres e bispos e ainda t�m influ�ncia na Igreja Cat�lica. H� uma identidade cat�lica que tem a ver tamb�m com a forma��o do pr�prio PT", explicou Clemir.
"Exceto pelo tema do aborto, isso (a pauta de costumes) n�o tem o peso que tem para os evang�licos. Por isso que eles podem votar em Lula mesmo quando ele diz alguma coisa que possa aproximar a defesa dessas pautas", disse o pesquisador.
O terceiro fator, segundo ele, � o fato de que o cat�lico-m�dio daria um peso menor, na compara��o com o evang�lico, � chamada agenda de costumes, termo normalmente usado para representar quest�es como os direitos da comunidade LGBTQIA+ e descriminaliza��o das drogas.

Evang�licos de outro
J� entre os evang�licos, a prefer�ncia por Bolsonaro pode ser explicada, segundo os especialistas, a partir da identifica��o desse segmento com pautas defendidas pelo presidente como o anticomunismo, a defesa da pauta de costumes e da liberdade religiosa.
Nas �ltimas semanas, lideran�as do PT se mobilizaram para desmentir um boato de que o partido iria fechar templos evang�licos caso vencesse as elei��es.
Ao jornal Folha de S. Paulo, o deputado federal e pastor Marco Feliciano (PL-SP), que � aliado de Bolsonaro, admitiu que disseminou o boato.
"A ideia de que os evang�licos est�o sendo perseguidos � muito forte nesse segmento. No Brasil, durante muitos anos, eles n�o puderem enterrar seus mortos. H� uma mem�ria coletiva que vem sendo ativada", explica a coordenadora do Laborat�rio de Estudos em Pol�tica, Arte e Religi�o na UFF (Universidade Federal Fluminense), Christina Vital.
"A liberdade religiosa e a garantia de que as igrejas evang�licas n�o v�o ser perseguidas � algo muito importante para esse eleitorado, especialmente para as mulheres", disse Jaqueline Teixeira, do ISER.
Clemir Fernandes aponta que a associa��o das igrejas evang�licas, principalmente pentecostais e neopentecostais, ao chamado "anticomunismo" tamb�m ajuda a explicar a prefer�ncia de parte desse eleitorado por Bolsonaro. O presidente frequentemente defende a ditadura militar no Brasil como uma rea��o a uma suposta tentativa de implantar o comunismo no Brasil.
"Essa ideia do anticomunismo ficou muito popular nos anos 1950, nos Estados Unidos, e foi importada para o Brasil. Hoje, muitas lideran�as evang�licas fazem uso dessa pauta com fins eleitorais", disse Fernandes.
O pesquisador diz ainda a defesa feita por Bolsonaro da chamada pauta de costumes aproxima esse eleitorado do presidente.

"Uma parte importante desse apoio � resultado das pautas morais que Bolsonaro adota. Lula n�o trata disso por esse vi�s. Pelo contr�rio, o governo Lula deu espa�o para o reconhecimento de identidade �tnica, de negritude e de direitos LGBT e isso gerou uma rea��o virulenta nas igrejas evang�licas", afirmou Fernandes.
Alinhamento n�o � autom�tico
Apesar das diferen�as apontadas pelas pesquisas entre as prefer�ncias de cat�licos e evang�licos, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil alertam que a defini��o do voto n�o se d� somente com base na religi�o.
"A din�mica do voto � muito vari�vel e engloba muitos fatores. Quando a gente vai analisar a escolha do voto, a gente precisa sempre combinar a vari�vel religiosa com outros fatores como classe social e escolaridade, por exemplo", afirmou Christina Vital.
"Essa escolha n�o se d� de forma cega e autom�tica. Apesar de haver um peso importante do papel da religi�o, essa defini��o � parte de um processo reflexivo", disse Jaqueline Teixeira.
"Tanto � assim que hoje, na compara��o com 2018, vemos um engajamento menor de evang�licos em torno de Bolsonaro e maior de cat�licos em torno do candidato do PT", afirmou a pesquisadora.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62896472
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