
Em um v�deo com mais de 300 mil visualiza��es no Instagram, a ministra evang�lica Valnice Milhomens instiga os fi�is a n�o votarem em candidatos � Presid�ncia que apresentam "um programa contr�rio ao reino de Deus".
Toda vestida de verde, amarelo e azul, ela afirma que cada fiel "vai responder diante de Deus pelo seu voto".
Milhomens tem 320 mil seguidores no Instagram e 137 mil inscritos em seu canal no YouTube. Ela � uma das muitas l�deres religiosas evang�licas que t�m feito campanha pelo presidente e candidato � reelei��o Jair Bolsonaro (PL).
Milhomens ainda tem promovido um movimento de ora��o e jejum nos dias que antecedem o segundo turno das elei��es presidenciais. Em um guia divulgado no site do Conselho Apost�lico Brasileira (CAB), os fi�is podem seguir um roteiro de ora��es, entre as quais h� uma com o nome de Jair Bolsonaro.
O programa de 21 dias vai at� 29 de outubro e tem sido divulgado nas redes sociais por diversos pastores de diferentes denomina��es.
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J� o pastor Andr� Valad�o � muito mais direto em seus pronunciamentos. "Vamos para cima! A vit�ria do Bolsonaro nesse segundo turno tem que ser grande!", diz em um dos v�deos postados em seu Instagram, onde acumula 5,3 milh�es de seguidores.
"Tem que votar certo, se n�o voc� n�o � crente n�o", afirmou tamb�m em um v�deo gravado ao lado do atual presidente, usando o bord�o que se popularizou em suas redes sociais.

Valad�o � fundador da Lagoinha Orlando Church, na Fl�rida, nos Estados Unidos, e cantor gospel. Em suas redes, responde com frequ�ncia perguntas de fi�is e seguidores sobre religi�o e pol�tica.
E t�o comum quanto as postagens que exaltam Bolsonaro, s�o as que criticam a esquerda e, em especial, o ex-presidente e candidato Luiz In�cio Lula da Silva (PT).
Em uma postagem do dia 4 de outubro, pouco ap�s o primeiro turno das elei��es, uma usu�ria mandou o seguinte coment�rio para o perfil do pastor: "Sou crist� e n�o votei no Bolsonaro #forabolsonaro".
Valad�o respondeu: "Voc� pode at� ser crist�, mas � desinformada. Ou talvez escolhe caminhar na ignor�ncia, sem entender que tudo o que a esquerda oferece � tudo que � fora dos valores crist�os".
Em rea��o a outra pergunta, o religioso escreveu que crente que vota em Lula � "um absurdo".
Puni��o a membros de esquerda
O discurso pol�tico combativo se repete entre outros pastores que possuem uma ampla gama de seguidores, algumas vezes at� com amea�as contra os fi�is que se recusam a seguir a orienta��o de voto.
Um v�deo em que um pastor da Assembleia de Deus afirma que os evang�licos que declararem voto em Lula ser�o proibidos de tomar a Santa Ceia circulou nas redes sociais em agosto.
"Eu ou�o crentes dizendo: vou votar no Lula. Voc� n�o merece tomar a ceia do Senhor se voc� continuar com esse sistema", diz o pastor R�ben Oliveira Lima, da Assembl�ia de Deus em Botucatu, interior de S�o Paulo.
Em outro momento do v�deo, ele afirma, se referindo ao ex-presidente Lula: "Se eu souber de um crente membro dessa igreja que votou nesse infeliz, eu vou disciplinar". Ele n�o deixa claro o que quer dizer com disciplinar.
Um documento discutido em plen�rio durante uma assembleia em 4 de outubro da Conven��o Fraternal das Assembleias de Deus do Estado de S�o Paulo (Confradesp), um dos bra�os mais fortes da Assembleia de Deus, fala de "aplica��o de medidas disciplinares" contra membros que adotem filosofias que, segundo eles, entram em choque com os princ�pios crist�os.

O texto a que a BBC News Brasil teve acesso afirma que a Conven��o n�o aceitar� em seus quadros ministros que defendam, pratiquem ou apoiem, por quaisquer meios, ideologias contr�rias aos princ�pios morais e �ticos defendidos por ela. O documento cita um posicionamento contr�rio � "Desconstru��o da Fam�lia Tradicional, Erotiza��o das Crian�as, Ampla Libera��o do Aborto" e outros.
"Os Ministros que comprovadamente defenderem pautas de esquerda, dentro da cosmovis�o marxista, ser�o pass�veis de representa��o perante o Conselho de �tica e Disciplina, assegurado o contradit�rio e a ampla defesa", diz a carta.
A resolu��o foi aprovada pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro participar de um culto para os fi�is presentes � assembleia, na Assembleia de Deus Minist�rio do Bel�m, na zona leste de S�o Paulo.
Durante esse mesmo culto, diversos l�deres religiosos falaram a favor do presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro cobrou das igrejas evang�licas um posicionamento no segundo turno das elei��es de 2022.
"A gente queria vit�ria, sim, no primeiro turno. Mas a gente entendeu, irm�os, que se a gente tivesse recebido a vit�ria no primeiro turno, talvez a igreja n�o estivesse preparada para isso. A gente precisa se voltar ao Senhor. A igreja precisa se posicionar, a igreja precisa aprender", disse ela.

A Confradesp � liderada por Jos� Wellington Bezerra da Costa, um dos pastores mais influentes do Brasil. Seu filho, o tamb�m pastor e l�der da Conven��o Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) Jos� Wellington Costa Junior, disse em um culto no in�cio de maio que o ex-presidente Lula n�o deve ser recebido nas igrejas que ele comanda.
"O inferno n�o tem como entrar em lugar santo. Aqui � lugar santo", disse, em refer�ncia ao PT e a Lula. "� bom que nos conscientizemos disso. Voc�, pastor, vai ser procurado sorrateiramente [por petistas], dizendo que � s� uma visita. � um la�o do Diabo!".
'N�o vamos impor nossa vontade a ningu�m'
Outro l�der religioso que declarou seu apoio � candidatura de Bolsonaro foi o ap�stolo Estevam Hernandes, pastor da Renascer em Cristo e idealizador da Marcha para Jesus. Ele � hoje um dos principais cabos eleitorais do atual presidente.
O ap�stolo, que � dono do canal de televis�o Rede Gospel e apresenta um programa de r�dio e televis�o na emissora, utiliza frequentemente as cores verde e amarelo durante cultos e nas fotos e v�deos que posta nas redes sociais.
Em sua p�gina no Instagram, que tem 1 milh�o de seguidores, o l�der religioso utiliza uma foto de perfil em que aparece ao lado de Bolsonaro. Ele tamb�m compartilha com frequ�ncia cliques ao lado de outros candidatos, entre eles o aspirante a governador de S�o Paulo, Tarc�sio de Freitas (Republicanos).

Em suas participa��es na televis�o, o ap�stolo n�o cita nominalmente nenhum candidato, mas fala de temas como a "destrui��o da fam�lia" e o "apoia ao aborto". Ele tamb�m costuma divulgar eventos com a participa��o de outras lideran�as religiosas em que se discute pol�tica e o apoio a Bolsonaro.
� BBC News Brasil, Hernandes afirmou que ele e sua igreja defendem "os valores crist�os, mas n�o vamos impor nossa vontade a ningu�m". "Acredito que ele defende os mesmos valores que n�s crist�os, da import�ncia da fam�lia, e contra o aborto, por exemplo", disse sobre o atual presidente.
"Eu acredito que temos o direito de defender os candidatos que representam os valores e demandas da igreja, mas de maneira nenhuma fazemos disso uma imposi��o. Da mesma forma, tenho o direito de me posicionar em minhas redes sociais sobre o que acredito. Mas n�o estamos impondo nada a ningu�m e nem usando o p�lpito para isso", afirmou o fundador e l�der da Igreja Renascer em Cristo em respostas enviadas por escrito � reportagem.
Assim como a ministra Valnice Milhomens, o ap�stolo tem divulgado o programa de jejum e ora��o para o per�odo que antecede o segundo turno das elei��es. O l�der religioso afirma que sua igreja realiza jejuns com frequ�ncia desde a sua funda��o.
"O objetivo do jejum � ter um per�odo especial de consagra��o em que buscamos orar e estar ainda mais pr�ximos de Deus. Neste jejum, em especial, estaremos orando tamb�m pelo pa�s e pelas pr�ximas elei��es, mas, como falei, jejuamos sempre."
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'Falso crist�o'
Bolsonaro n�o � o �nico que recebeu apoio de lideran�as religiosas. O ex-presidente Lula tamb�m tenta reunir votos do eleitorado crist�o por meio de pastores e padres. O petista tamb�m vem tentando refor�ar sua imagem como crist�os em suas campanhas e redes sociais, rebatendo algumas das cr�ticas e acusa��es feitas contra ele.
Mas enquanto o atual presidente recebeu apoio de grandes igrejas e denomina��es e de pastores midi�ticos com uma ampla rede de seguidores, Lula � apoiado principalmente por quadros dissidentes e igrejas menores.
O petista tem ao seu lado, por exemplo, Paulo Marcelo Schallenberger, que se identifica em suas m�dias como "o pastor solit�rio de Lula".
O religioso faz parte da Assembleia de Deus, mas afirma ter sido afastado dos cultos formais na igreja por conta de seus posicionamentos. Hoje se dedica principalmente a palestras em outras igrejas. "Passei a me posicionar primeiro contra o governo Bolsonaro, s� depois me aliei publicamente ao Lula. Mas sempre votei nele e na ex-presidente Dilma [Rousseff]", disse � BBC Brasil.
Al�m de pastor, Schallenberger concorreu a deputado federal neste ano pelo Solidariedade, mas n�o foi eleito.
Ele afirma guardar as discuss�es de pol�ticas e suas opini�es pessoais para discuss�es ap�s o culto ou fora da igreja. "H� um exagero na discuss�o de pol�tica dentro das igrejas, especialmente entre aqueles que cultivam uma certa idolatria em rela��o ao Bolsonaro."

O pastor tamb�m usa as redes sociais com frequ�ncia para falar da corrida eleitoral. Em uma postagem compartilhada no Instagram ap�s o primeiro turno das elei��es, Bolsonaro � classificado como "falso crist�o". O post cita a rela��o do atual presidente com a Ar�bia Saudita e o pr�ncipe Mohammad bin Salman.
"Um crist�o n�o pode se comportar da forma que ele se comporta, seja na forma de falar ou na vida", diz. "N�o tem como se dizer crist�o e n�o sentir empatia, se solidarizar ou derramar uma l�grima sequer por quem morreu na pandemia."
H� cerca de duas semanas, o pastor tamb�m publicou em suas redes sociais um v�deo adulterado em que o atual presidente afirma que a primeira-dama cumpriu tr�s anos de pris�o por tr�fico de drogas. Trata-se de um �udio falso, manipulado a partir de uma declara��o dada em 2019. Na realidade, Bolsonaro comentava sobre a av� de sua esposa.
Questionado pela reportagem sobre o post, o l�der religioso afirmou que n�o sabia que se tratava de uma fake news quando postou, mas que foi avisado posteriormente. "J� apaguei do meu Twitter, mas algu�m da minha equipe deve ter esquecido de deletar do Instagram. Vou verificar", disse. O v�deo foi apagado posteriormente.
Outra lideran�a religiosa que declarou seu voto em Lula foi o bispo Romualdo Panceiro, ex-n�mero 2 da Universal e atual l�der da Igreja das Na��es do Reino de Deus.
A Alian�a de Batistas do Brasil, uma organiza��o que prega a "livre interpreta��o da B�blia", a "liberdade congregacional" e a "liberdade religiosa" para todas as pessoas, tamb�m se posicionou a favor do petista, afirmando ser contra o "governo perverso e mau que est� no poder".
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Lei pro�be propaganda eleitoral em igrejas
Segundo a lei eleitoral, � proibido veicular propaganda eleitoral de qualquer natureza em templos religiosos. Esses espa�os s�o definidos como "bens de uso comum", assim como clubes, lojas, gin�sios e est�dios.
"Falar bem de um determinado candidato n�o � propaganda eleitoral, mas comparar dois nomes e dizer, por exemplo, que um representa o bem e o outro o mal, pode ser considerado propaganda", explica o advogado eleitoral Alberto Rollo.
A Lei das Elei��es, de 1997, estabelece como propaganda eleitoral n�o apenas declara��es, mas tamb�m exposi��o de placas, faixas, cavaletes, pinturas ou picha��es. O mesmo vale para ataques a outros candidatos - a chamada campanha negativa.
O descumprimento da lei pode gerar multa de R$ 2 mil a R$ 8 mil. "A multa � aplicada para quem fez a propaganda ou para o candidato beneficiado", diz Rollo.
O especialista explica ainda que igrejas s�o consideradas pessoas jur�dicas e, pela lei, nenhum candidato pode ser financiado por empresas. Transgress�es s�o consideradas abuso de poder econ�mico e podem levar ao cancelamento do registro da candidatura ou � perda do cargo.
Ve�culos ou meios de comunica��o social, incluindo os religiosos, tamb�m n�o podem atuar em benef�cio de candidato ou de partido pol�tico.
Segundo Rollo, por�m, declara��es feitas nas redes sociais pessoais de l�deres religiosos n�o se enquadram na regra. "Os pastores s�o cidad�os e pessoas f�sicas, n�o jur�dicas, portanto aquilo que dizem em suas redes sociais pessoais n�o est� sujeito a essa lei. Mas essas declara��es n�o podem acontecer nas redes sociais da pr�pria igreja, por exemplo."
H� tamb�m, no C�digo Eleitoral, um artigo que pro�be o uso de amea�as para coagir algu�m a votar, ou n�o votar, em determinado candidato ou partido, sob pena de reclus�o de at� quatro anos e pagamento de multa.
'N�o vamos votar no novo papa'
Pastores moderados e lideran�as religiosas criticam o uso da religi�o e do palanque de igrejas para fazer campanha e coagir fi�is a darem seus votos para determinados candidatos.
A pastora Romi Bencke, secret�ria-geral do Conselho Nacional de Igrejas Crist�s do Brasil (Conic), ressalta que para al�m de qualquer proibi��o da lei eleitoral brasileira, fazer uso da posi��o de autoridade, de celebra��es ou de canais de televis�o religiosos para esse fim n�o � �tico.
"N�o creio que seja correto que lideran�as religiosas se utilizem de sua autoridade perante os fi�is para estimular votos em candidatos espec�ficos", diz. "As lideran�as religiosas s�o respeitadas, escutadas e t�m uma legitimidade em suas comunidades."
Para Valdinei Ferreira, professor de teologia e pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de S�o Paulo, h� uma linha muito t�nue que separa as convic��es pessoais de pastores e outros religiosos de seu papel p�blico. "Mas devemos evitar cruzar essa linha e usar a autoridade religiosa para respaldar ou legitimar nossa op��o pol�tico partid�ria", afirma.
"Eu me sinto tentado a me pronunciar em alguns momentos, mas resisto a fazer isso na condi��o de pastor e mais ainda usando o p�lpito e o culto."
Ferreira critica ainda o uso de discursos camuflados para apoiar determinadas ideologias pol�ticas a partir de preceitos religiosos. "H� valores tanto da direita quanto da esquerda que s�o compat�veis com o evangelho. Dizer que crist�o n�o vota em candidatos de uma determinada ideologia � manipula��o", afirma.
"No dia 30 de outubro [dia do segundo turno], n�o vamos votar no presidente de uma igreja ou no novo papa, mas no presidente do Brasil. As mobiliza��es precisam ser laicas, at� porque a pessoa eleita vai governar ao longo de quatro anos um Brasil que � plural em termos de religi�o", completa Romi Bencke.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63209750