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Estado de Minas ELEI��ES 2022

'Pauta moral � o voto de cabresto religioso', diz diretor de pol�tica da CNBB

Diretor de um centro de F� e Pol�tica da Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Paulo Adolfo Sim�es acompanha o fen�meno %u2014 que, segundo ele, foi ati�ado artificialmente pelo presidente e candidato � reelei��o Jair Bolsonaro e sua base de seguidores fan�ticos.


19/10/2022 11:01 - atualizado 19/10/2022 12:45


Cruz disposta em cima de Bíblia
(foto: Getty Images)

A religi�o tornou-se um dos pontos centrais do debate pol�tico nacional no segundo turno das elei��es brasileiras, com grande pol�mica em torno de pautas sobre moralidade.

O padre Paulo Adolfo Sim�es acompanha atentamente o fen�meno. Diretor do Centro Nacional de F� e Pol�tica Dom Helder C�mara (Cefep), organismo da Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ele afirma que o uso pol�tico das pautas religiosas se tornou uma esp�cie de "voto de cabresto religioso" — em refer�ncia � pr�tica de abuso de poder econ�mico de agentes (como coron�is ou fazendeiros) para obrigar eleitores a votarem nos seus candidatos.

No caso da religi�o, essa coers�o se daria por meio de l�deres religiosos, que utilizam o discurso da moralidade para influenciar o voto de seus seguidores.

"Surge esse novo perfil de religiosos, que foi constru�do tamb�m com algumas inten��es. Eles trazem para o debate a pauta moral, que � para capturar os votos desses rebanhos. � o voto de cabresto religioso. Os fi�is de determinada igreja (...) v�o todos para aquele candidato", afirma.

De seu escrit�rio em Bras�lia, Sim�es atendeu � reportagem da BBC News Brasil nesta ter�a-feira (18/10), em uma conversa de quase duas horas por videoconfer�ncia onde fez cr�ticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputa a reelei��o contra Luiz In�cio Lula da Silva (PT).

"Ele se diz cat�lico, mas � tudo ao mesmo tempo. A pauta dele n�o � dos cat�licos, n�o e dos evang�licos. A pauta dele � dele, � da extrema-direita. E onde d� voto, ele vai", comenta Sim�es, que disse apoiar Lula, por ele apresentar "uma proposta que tem mais a ver com o evangelho".


Mãos ao alto
"Ele se diz cat�lico, mas � tudo ao mesmo tempo", diz padre Paulo Adolfo Sim�es sobre Bolsonaro (foto: Getty Images)

O padre comenta tamb�m diferentes epis�dios de acirramento dos �nimos por conta de discuss�es relogiosas — como a visita de Bolsonaro � Aparecida no dia 12; um padre que teve a missa interrompida no Paran�; e o ass�dio virtual ao cardeal arcebispo de S�o Paulo, dom Odilo Pedro Scherer, por conta de suas vestes vermelhas, cores lit�rgicas correspondentes ao seu posto.

"� muito f�cil chamar todo mundo de comunista. Sobrou at� para o cardeal dom Odilo, que, ali�s, se defendeu muito bem. Achei a fala dele muito boa, alertando para o crescimento do nazifascismo no Brasil", afirma o diretor do Cefep.

O padre lembra que a CNBB, que acaba de completar 70 anos de hist�ria, nunca se furtou a posicionar-se politicamente. O organismo foi ativo na oposi��o a ditadura militar que comandou o pa�s de 1964 a 1985, defendeu o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, e tem publicado diversos posicionamentos contra atos do governo Bolsonaro, especialmente quando afetam pol�ticas p�blicas de amparo social ou de prote��o a minorias.

Al�m disso, anualmente, a institui��o promove a Campanha da Fraternidade, que de forma recorrente debate temas sociais e pol�ticos.


Padre Paulo Adolfo Simões
Padre Paulo Adolfo Sim�es � diretor desde mar�o de 2019 do Centro Nacional de F� e Pol�tica Dom Helder C�mara (Cefep) (foto: BBC)

A seguir, os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - Muitos cat�licos, de certa forma para se proteger, est�o optando por n�o falar em pol�tica, n�o se manifestar politicamente. Como � ser pol�tico dentro da Igreja?

Padre Paulo Adolfo Sim�es - N�o tem nada mais pol�tico do que se dizer apol�tico. Quem fica em cima do muro toma uma posi��o. Constru�mos um projeto [de conscientiza��o] com foco nas elei��es, mas � mais amplo: o projeto Encantar a Pol�tica. O ponto de partida � exatamente isso: existe uma no��o de que pol�tica � s� milit�ncia partid�ria, eleitoral. E outra ideia de que pol�tica � coisa muito suja, que n�o dialoga com religi�o.

Qual a percep��o que a gente tem? Que as duas ideias n�o s�o espont�neas, s�o uma constru��o de quem est� no poder. Sempre para que o povo n�o participe das decis�es que afetam sua vida, � como se deix�ssemos nas m�os da mesma elite que vem desde o Brasil colonial definindo os destinos do pa�s ou, em outra leitura, uma certa elite de iluminados que goste mais de pol�tica. Entendemos que a milit�ncia partid�ria e, sobretudo, eleitoral, � fundamental.

� importante o crist�o e a crist� que se sente chamado assumir isso com todo o �nus que isso traz. Mas n�o � a �nica forma de fazer pol�tica. Voc� faz pol�tica de muitas formas, como nos sindicatos, nas associa��es, nos conselhos de direitos e at� no ato de ir � igreja, de n�o ir, de participar de um evento social, de pronunciar-se ou se calar diante de alguma quest�o. S�o atos pol�ticos.

A grande pergunta que a gente tem de fazer � a seguinte: minha milit�ncia pol�tica � em favor de quem? A� � a pergunta de Paulo Freire [educador brasileiro que viveu entre 1921 e 1997]: � a favor dos opressores ou dos oprimidos? Estou a favor da maioria empobrecida ou a favor de manter o status quo? E �s vezes isso se mistura um pouco. Na pr�tica, de repente, voc� est� defendendo a causa dos pobres e mantendo um grupo no poder. Ou, de repente, voc� est� ajudando a manter um grupo no poder e, de alguma forma, tamb�m beneficiando os pobres. As coisas s�o muito complexas, mas o importante � isso. N�o d� para separar f� de pol�tica.

O Frei Betto [frade dominicano e escritor] tem uma frase muito interessante. Ele fala que n�s somos seguidores de um preso pol�tico, que � Jesus. Jesus Morreu por uma condena��o pol�tica, e n�o religiosa. Jesus n�o morreu atropelado por um camelo nas ruas de Jerusal�m, nem de gripe na cama. Ele morreu por uma condena��o pol�tica. Ele n�o morreu condenado religiosamente, morreu por uma quest�o pol�tica. Isso n�o nos permite sermos omissos. Podemos at� errar nas op��es, mas precisamos faz�-las.


Cristo na cruz
"Tanto a Igreja Cat�lica quanto os campos progressistas, acho que ainda n�o conseguimos falar com o pov�o de forma direta, sobretudo usando as m�dias sociais. E a extrema-direita faz isso muito bem", diz Sim�es (foto: Getty Images)

BBC News Brasil - Por falar em op��es, como o senhor v� a polariza��o atual da pol�tica brasileira?

Sim�es - A gente tem falado que a polariza��o em si n�o � t�o ruim, pois atrav�s de dois polos voc� pode fazer uma s�ntese. E sempre tivemos no Brasil uma polariza��o.

O problema � essa polariza��o violenta, que faz com que alguns at� deixem de se posicionar por medo de alguma rea��o, risco at� de viol�ncia f�sica ou de contaminar o ambiente familiar, de trabalho. Essa � uma quest�o muito s�ria. A percep��o internacional � que essa polariza��o � uma forma da extrema-direita dar um cala-boca em quem pensa diferente, criando justamente isso de que as pessoas, em nome da boa conviv�ncia, evitem falar em pol�tica, evitem se posicionar.

No Brasil, eu percebo que, politicamente, n�o temos uma polariza��o. Temos uma extrema-direita, violenta e tal, mas n�o temos uma extrema-esquerda, ao menos n�o uma extrema-esquerda que seja representativa. N�o temos ningu�m defendendo a invas�o de terras, ningu�m defendendo a estatiza��o de bancos, nada disso. Temos um campo representado pelo candidato Lula [Luiz In�cio Lula da Silva], pelo PT, que congrega outros partidos e inclui hoje muitos que defendem pol�ticas liberais, que s�o mais de centro. S�o pol�ticas de centro. N�o temos uma extrema-esquerda militante, ent�o a polariza��o � complicada de ser analisada.

Percebo que � mais uma tentativa de inviabilizar o discurso pol�tico e propiciar uma ascens�o da extrema-direita, que �, inclusive como [o cardeal arcebispo de S�o Paulo] Odilo Scherer alerta, o surgimento, o crescimento do nazifascismo no Brasil. Uma coisa muito s�ria, muito grave.

BBC News Brasil - � esta gravidade que fez com que houvesse uni�o em torno do Lula, em sua opini�o?

Sim�es - O [ex-presidente] Fernando Henrique ao lado de Lula � muito simb�lico. At� o [fundador do partido novo, Jo�o] Amo�do, quando manifesta o voto em Lula. A quest�o que une todo esse grupo � a defesa da democracia, que � um bem maior, que est� acima das ideologias e do modelo econ�mico. Porque num sistema democr�tico voc� pode discutir o modelo de pa�s.

Se n�o tem o sistema democr�tico, n�o sabemos se vai poder discutir alguma coisa. Esta � a grande quest�o. […] O crescimento desta extrema-direita, inclusive cat�lica e religiosa, indica que o brasileiro, em geral, � conservador. E at� os governos populares, com alguns avan�os, acabaram ferindo o pensamento dessas pessoas que agora querem se manifestar. […] O momento � importante par a gente enfrentar e mostrar para essa extrema-direita, sobretudo crist�os cat�licos que est�o se posicionando nesse espectro, que h� outro pensamento, outra possibilidade. Que n�o podemos cair no extremismo. E as pessoas precisam entender o que � fascismo.

BBC News Brasil - Mas esse discurso chega � popula��o?

Sim�es - N�o sei muito se esse discurso de democracia e fascismo interessa � popula��o em geral, que quer ter comida na mesa. O pessoal est� preocupado se tem alguma coisa na geladeira, se sobra um dinheirinho no fim de semana, se vai dar para tirar f�rias. Se isso vem da democracia ou de uma ditadura, para o povo, pouco importa. A� vem um fator interessante, preocupa��o da Cefep: a falta de discuss�o pol�tica que n�s temos.

Precisamos trabalhar mais, as pessoas n�o s� n�o querem atuar politicamente como n�o querem discutir pol�tica, fogem disso. Precisamos formar o nosso povo, trabalhar para que as pessoas percebam que, num sistema democr�tico, com um governo mais progressista, a comida chega na mesa para todos e para todas. E os direitos est�o garantidos para as minorias. No outro sistema a gente n�o sabe se um dia vai chegar [a comida]. Mas tanto a Igreja Cat�lica quanto os campos progressistas, acho que ainda n�o conseguimos falar com o pov�o de forma direta, sobretudo usando as m�dias sociais. E a extrema-direita faz isso muito bem.


Mãos de mulher com crucifixo nas mãos
C�digo de Direito Can�nico pro�be padres e bispos de manifestarem apoio a candidatos (foto: Getty Images)

BBC News Brasil - Grupos de WhatsApp de cat�licos, mesmo aqueles criados com o objetivo de promover rezas comunit�rias e confraterniza��es entre pessoas da mesma par�quia, est�o dominados por posts em defesa de Bolsonaro e com cr�ticas a um suposto comunismo. H� at� v�deos, que viralizam, de padres fazendo novenas e pedindo ora��es a favor da reelei��o do atual presidente, citando-o nominalmente. H� alguma orienta��o da Igreja para que padres n�o se posicionem dessa forma?

Sim�es - Sim. Tem inclusive uma posi��o do pr�prio [C�digo de] Direito Can�nico que diz que padres e bispos n�o devem manifestar apoio a candidatos. O papel da Igreja � orientar a consci�ncia do crist�o, dar informa��o para que as pessoas possam tomar a sua posi��o. O que temos no Brasil de hoje � que enquanto sempre se tomou muito cuidado com quem se posiciona a favor de alguma proposta pol�tica de esquerda, n�o se toma cuidado com quem se posiciona a favor da direita. N�o se tem nenhum cuidado com quem se posiciona a favor do candidato Bolsonaro.

A� ficamos numa situa��o complicada. Parece que somos muito ing�nuos ainda com rela��o a isso, embora tenha essa orienta��o, a extrema-direita j� trouxe essa quest�o para o centro do debate. E, nesse momento eleitoral, seria muito ingenuidade n�o nos posicionarmos. Isto [este sil�ncio] est� contribuindo para que os cat�licos pensem que todos os padres, bispos e religiosos est�o com Bolsonaro.

BBC News Brasil - Mas se est� previsto no Direito Can�nico, esses padres podem ser punidos?

Sim�es - O bispo [da diocese onde ele atua] pode tomar posi��o com rela��o a eles. Mas at� agora n�o foi tomada nenhuma posi��o, ent�o parece que os bispos ou est�o temerosos, ou est�o a favor [desse tipo de manifesta��o bolsonarista].

BBC News Brasil - O bispo pode suspender ou apenas advertir?

Sim�es - Seria uma advert�ncia. Tenho not�cia de que alguma diocese, depois que padres bolsonaristas se posicionaram, outros tomaram posi��o tamb�m [a favor de Lula]. O bispo tentou conversar com todo mundo. […] A� houve um acordo entre eles e aceitaram a orienta��o do bispo.


Mulher reza com crucifixo em mãos sobre a Bíblia
Segundo Sim�es, cat�lico em geral "escuta o que diz o padre, o bispo, mas vota de acordo com sua consci�ncia" (foto: Getty Images)

BBC News Brasil - Por que nestas elei��es a religi�o assumiu papel t�o importante?

Sim�es - S�o v�rios fatores que se entrela�am. Um deles � que esta extrema-direita sabe que o eleitor evang�lico segue um determinado pastor. E o eleitor cat�lico que pertence a um grupo tradicionalista, normalmente ligado � Renova��o Carism�tica [movimento ultraconservador do catolicismo], esse eleitor � muito fiel a seu chefe. Ele vota em quem manda o padre, o pastor, o guru. Diferentemente do cat�lico em geral que escuta o que diz o padre, o bispo, mas vota de acordo com sua consci�ncia, que � aquilo que a teologia moral ensina: o cat�lico tem de seguir sua consci�ncia.

Ent�o surge esse novo perfil de religiosos, que foi constru�do tamb�m com algumas inten��es.

Eles trazem para o debate a pauta moral, que � para capturar os votos desses rebanhos. � o voto de cabresto religioso. Os fi�is de determinada igreja, de determinado coletivo de cat�licos v�o todos para aquele candidato. E ent�o entra o populismo: o pol�tico percebe qual a �ndole do seu eleitorado e passa a assumir o discurso daquele grupo. Nem sempre ele acredita nisso.

O Bolsonaro, por exemplo, � contra o aborto, mas j� defendeu a liberdade do casal de abortar. […] Enfim, [os pol�ticos] n�o acreditam nessas pautas. Essa � uma quest�o. � um eleitorado f�cil de ser comprado, isso se percebe claramente. Esse eleitorado � composto por grupos normalmente com baixa forma��o crist� no sentido cr�tico. � uma forma��o que vai mais na linha de um treinamento para repetir alguns chav�es.

At� usam, por exemplo, a Doutrina Social da Igreja [conjunto de orienta��es sociais do magist�rio cat�lico] para dizer que a Igreja condenou o comunismo, mas tamb�m n�o definem o que � o comunismo. Repetem � exaust�o uma fala do papa Pio 11 [que comandou a Igreja de 1922 a 1939], uma fala muito espec�fica e [ignoram que] depois esse pensamento evoluiu.

Isso � muito claro: � um grupo muito f�cil de ser manipulado.

BBC News Brasil - E a pauta de costumes parece "colar"…

Sim�es - Eleitoralmente � o principal. Quando voc� traz a pauta de costumes, fala que um candidato � a favor do aborto, fala que um candidato vai colocar banheiro unissex nas escolas, fala essa bobeira toda, essas fake news de grupos de WhatsApp, voc� n�o discute as grandes quest�es do pa�s.

N�o se discute a fome, a pobreza, o desmonte das pol�ticas p�blicas, o desmonte e o descr�dito das institui��es que � o mais s�rio que essa extrema-direita faz. Isso � muito grave. A pauta de costumes � a cortina de fuma�a para que n�o se pautem quest�es s�rias e, mais ainda, n�o se apresentem programas de governo.

Para mim, � discurso para enganar bobo. Voc� pode ser contra tudo isso, mas nenhuma lei vai obrigar tudo isso. � uma democracia. A gente depende da democracia, uma lei que possibilita que quem quer, fa�a, mas que dentro da Igreja, da comunidade, eu possa ser contra, orientar meus fi�is. Mas politicamente � tudo irrelevante. A gente n�o est� discutindo de fato o que leva a morte das pessoas, que � a pobreza, que � a economia.

BBC News Brasil - Afinal, a Igreja tem alguma orienta��o no sentido de que os fi�is n�o votem em candidatos que defendam quest�es que v�o contra a doutrina da pr�pria Igreja? Um cat�lico deve escolher o pol�tico conforme o catecismo?

Sim�es - Papa Francisco, quando veio ao Brasil [em 2013], na entrevista ocorrida no avi�o um jornalista perguntou para ele se ele n�o ia falar contra o aborto. Ele respondeu que todo mundo j� sabe que a Igreja � contra o aborto e n�o precisamos repetir isso � exaust�o. Todos os assuntos s�o muito complexos. A Igreja � contr�ria a essas pautas, mas se voc� vai votar ou n�o em candidato que defende essas pautas, � outra quest�o.

Tem muito padre dizendo que cat�lico n�o pode participar de partido de esquerda. Mas o crist�o, em geral, � chamado a ser mission�rio, a viver o evangelho. O mission�rio est� em todo lugar que possibilite a fala. Muitos crist�os v�m conversar e se manifestar dizendo que pela fala de alguns padres, cat�licos n�o podem participar de partidos de esquerdas porque estes s�o comunistas.

Primeiro precisa definir o que � comunismo e o que s�o comunistas. Porque se voc� pega os Atos dos Ap�stolos [livro do Novo Testamento, que narra os acontecimentos vividos pelos primeiros seguidores de Jesus logo ap�s a morte dele], a proposta da B�blia � comunista. At� mais radical. Por exemplo, Maria no Magnificat [c�ntico cuja autoria � atribu�da � m�e de Jesus, conforme cita��o no Evangelho de Lucas] fala n�o s� para colocar comida nas mesas dos pobres como para despedir os ricos de m�os vazias.

O comunismo n�o chegou a isso. Ent�o Maria era mais comunista do que eles. O crist�o cat�lico — e a doutrina da Igreja vai nesta linha — � sobretudo um mission�rio. O mission�rio fala em todos os espa�os em que � permitida a fala. Ele s� n�o deve estar nos espa�os onde a fala � tolhida. E a� temos bons crist�os cat�licos e de outras denomina��es religiosas, de outras igrejas, que militam tanto em partidos de esquerda quanto em partidos de direita. N�o sei se os de extrema-direita s�o crist�os de verdade, mas de direita a gente conhece.


Bancos de uma igreja
"Quando voc� traz a pauta de costumes, fala que um candidato � a favor do aborto, fala que um candidato vai colocar banheiro unissex nas escolas, fala essa bobeira toda, essas fake news de grupos de WhatsApp, voc� n�o discute as grandes quest�es do pa�s", diz Sim�es (foto: Getty Images)

BBC News Brasil - Ou seja: para ter liberdade de fala, � preciso democracia…

Sim�es - Vejo como pauta fundamental a quest�o da democracia versus autoritarismo, inclusive dentro dos partidos. Porque uma coisa � voc� militar ou votar para candidatos ou partidos que t�m uma pauta que n�o contempla as propostas da Igreja Cat�lica, mas que l� dentro � um partido democr�tico, permite a discuss�o, a conversa, vai ouvir a sociedade. Outra coisa � voc� estar em um partido que tamb�m defende pautas contra a Igreja Cat�lica, ou n�o defende pauta nenhuma, e que imp�e um modelo, n�o permite a discuss�o. Onde � poss�vel conversar, discutir, � fundamental que o crist�o cat�lico esteja presente e leve sua contribui��o.

BBC News Brasil - E o aborto, padre?

Sim�es - Quando a gente fala da pauta de aborto, a gente tem uma sensa��o que os movimentos chamados pr�-vida foram captados por uma extrema-direita. Por qu�? Eles se contentam em dizer que s�o pr�-vida s� defendendo que as pessoas nas�am, mas eles n�o defendem a vida dos que j� nasceram. E o papa Francisco, em uma exorta��o apost�lica sobre a santidade, ele fala que os crist�os devem defender de forma clara e apaixonada a vida dos nascituros, mas tamb�m defender com a mesma �nfase a vida de todos os que j� nasceram e que se debatem na pobreza. Ent�o ser crist�o pr�-vida n�o � s� ser contra o aborto. Mas a gente n�o pode ser ing�nuo de entrar nessa quest�o porque muitas vezes essas pautas s�o cortina de fuma�a para desviar o assunto do que � essencial.


Bancos em igreja
Sim�es: "Nenhum ser humano tem o direito de pensar na hip�tese de tirar a vida do outro. Questiono a humanidade dessas pessoas" (foto: Getty Images)

BBC News Brasil - Podemos dizer ent�o que � mais interessante para o crist�o estar em um lado pol�tico em que haja debate do que estar em um campo que simplesmente vete o que for contr�rio � doutrina cat�lica?

Sim�es - Exato. Podendo expor seu ponto de vista, debater, conversar, ouvir o contradit�rio, a ci�ncia. A grande defesa que o evangelho faz � a defesa da vida, sempre. E �s vezes tem discurso que pode parecer pr�-vida mas, na verdade, n�o redunda na vida. Tudo isso � importante de ser ouvido. Por isso o debate � importante. � a hist�ria: Jesus debateu com todo mundo, conversou com fariseus, pecadores, com todos. […] � uma mesa na qual cabe todo mundo.

BBC News Brasil - E o que justifica um crist�o defender o armamentismo, o porte de armas? N�o � contra o evangelho?

Sim�es - Eu diria, e esta � uma posi��o minha, que defender porte de armas � um absurdo do ponto de vista humano. Nenhum ser humano tem o direito de pensar na hip�tese de tirar a vida do outro. Questiono a humanidade dessas pessoas. Quem defende o porte de armas est� se desumanizando. Esta � a primeira quest�o. Se a gente vai falar com gente conservadora que defende o porte de armas, � preciso lembrar o quinto mandamento: n�o matar. Olha, voc� vai matar outra pessoa para defender sua propriedade? Voc� mata e vai para o inferno em seguida, isso � muito tranquilo para mim, n�o tenho d�vidas.


Ilustração de pensamento envolto em arame farpado
"No futuro, a diverg�ncia entre os crist�os n�o seria mais entre evang�licos e cat�licos, mas entre fundamentalistas e progressistas dos dois campos", opina Sim�es (foto: Getty Images)

BBC News Brasil -Bolsonaro tem origem cat�lica e se diz cat�lico, mas frequenta cultos evang�licos e, em geral, aparece muito mais ao lado de pastores evang�licos do que no meio cat�lico. A pauta dele � evang�lica ou cat�lica? Tem diferen�a?

Sim�es - A pauta dele � dele. Da extrema-direita. Onde d� voto ele vai.

BBC News Brasil - Essa postura dele e de seus seguidores tem acirrado a rivalidade entre cat�licos e evang�licos no Brasil?

Sim�es - Li em 2019, n�o me lembro quem falou, que no futuro a diverg�ncia entre os crist�os n�o seria mais entre evang�licos e cat�licos, mas entre fundamentalistas e progressistas dos dois campos. Claro que acaba existindo esse discurso contra evang�licos, que a gente faz at� meio sem querer, mas, por outro lado, estamos muito pr�ximos dos campos evang�licos progressistas, embora eles sejam minoria. Nas pr�prias igrejas, se um pastor se posiciona contra Bolsonaro, muitas vezes ele � tirado do minist�rio. Enfim, s�o minoria e sofrem muita retalia��o. Quando falamos em campo evang�lico no Brasil, a gente tem de tomar cuidado. N�o � homog�neo. […] E todos esses pastores midi�ticos que est�o com Bolsonaro, eles estiveram com Lula e com Dilma.

BBC News Brasil - T�m uma rela��o fisiol�gica com o poder?

Sim�es - Exato. Bolsonaro tem o projeto dele. E essas igrejas t�m o projeto delas. Isso � muito s�rio. Mas a discuss�o � a diverg�ncia entre progressistas e fundamentalistas.

BBC News Brasil - At� dentro da Igreja Cat�lica?

Sim�es - Claramente.


Crucifixo em cima de uma mala
"� muito f�cil chamar todo mundo de comunista. Sobrou at� para o cardeal dom Odilo, que, ali�s se defendeu muito bem. Achei a fala dele muito boa, alertando para o crescimento do nazifascismo no Brasil" (foto: Getty Images)

BBC News Brasil - Nos �ltimos 10 dias, houve uma nota cr�tica da CNBB ao uso pol�tico da religi�o, a confus�o da visita de Bolsonaro e seus apoiadores � Bas�lica de Aparecida, um padre no Paran� que teve a missa interrompida por um bolsonarista e o cardeal de S�o Paulo atacado nas redes sociais por conta da cor vermelha de suas vestes lit�rgicas. Como se manifestar sem ser taxado de partid�rio? Qual a orienta��o da CNBB neste contexto?

Sim�es - Historicamente, a religi�o crist� como um todo sempre se pautou por uma m�stica. Ent�o aquilo que fortalece o crist�o militante, que clareia suas posi��es, � ter uma m�stica. Vai muito al�m de ter momentos de ora��o e de reflex�o, mas inclui tamb�m isso.

� conhecer o evangelho, ter familiaridade com isso, dar espa�o para a palavra de Deus, a medita��o, a participa��o da comunidade na sua vida. Nos seus posicionamentos, neste momento de segundo turno, est� necessariamente o apoio n�o a um dos dois candidatos e projetos, mas �s causas de suas propostas.

Eu n�o defendo o Lula pelo Lula. N�o defendo o PT pelo PT. Defendo porque, a meu ver, neste momento, ele apresenta uma proposta que tem mais a ver com o evangelho. � mais coerente do que o outro candidato, que � cat�lico, mas � tudo ao mesmo tempo e tem uma incoer�ncia muito grande, por exemplo, quando fala da fam�lia tradicional. Ele pode representar a fam�lia tradicional de qualquer um, menos a minha, que e tradicional. Eu n�o tenho aquele perfil de fam�lia.

E s�o muitas contradi��es. O essencial do evangelho � o pobre. Nossa defesa � dos pobres, dos empobrecidos. E tamb�m as pautas em rela��o a minorias. Mas a defesa do pobre, em geral, porque os pobres s�o o centro do reino de Deus. E volto para o Magnificat, "derrubou dos seus tronos os poderosos, exaltou os humildes, saciou de bens os famintos, despediu os ricos de m�os vazias". � muito f�cil chamar todo mundo de comunista. Sobrou at� para o cardeal dom Odilo, que, ali�s se defendeu muito bem. Achei a fala dele muito boa, alertando para o crescimento do nazifascismo no Brasil. Este � o modus operandi, essa viol�ncia extremista.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63292458


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