
� muito pouco prov�vel que no Brasil de hoje haja quem nunca tenha ouvido falar de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atualmente presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em elei��es fortemente polarizadas como nunca antes vistas na hist�ria do pa�s, o paulistano Moraes, de 53 anos, tornou-se alvo principalmente dos apoiadores do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reelei��o — eles criticam fortemente as decis�es do magistrado e o acusam de favorecer o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT).
O pr�prio Bolsonaro j� chamou Moraes de "patife", "moleque", "canalha", "vagabundo" e "ditador".
O mais recente cap�tulo dessa pol�mica envolveu uma acusa��o do ministro das Comunica��es, Fabio Faria, de que Bolsonaro teve 154 mil inser��es de r�dio a menos que Lula, a maioria das quais na Bahia, Estado que deu vit�ria ao petista. Moraes deu um prazo de 24 horas, terminado nesta quarta-feira, para mostrar provas dessa suposta fraude. O ministro acabou negando a a��o da campanha de Bolsonaro.
Segundo Moraes, a a��o de Bolsonaro n�o tem provas e se baseia em levantamento de empresa "n�o especializada em auditoria". Tamb�m apontou poss�vel "cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito em sua �ltima semana" e mandou o caso para ser avaliado dentro do inqu�rito das "mil�cias digitais", do qual ele mesmo � relator no STF.Encaminhou ainda a decis�o � Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) e ao corregedor-geral do TSE. "Para instaura��o de procedimento administrativo e apura��o de responsabilidade, em eventual desvio de finalidade na utiliza��o de recursos do fundo partid�rio dos autores."
Bolsonaro, por sua vez, prometeu recorrer at� o fim e disse que seu partido deve contratar uma terceira empresa de consultoria para analisar os casos.
"Com toda a certeza, nosso jur�dico deve entrar com recurso, j� que foi para o Supremo Tribunal Federal. Da nossa parte, iremos �s �ltimas consequ�ncias, dentro das quatro linhas da Constitui��o, para fazer valer aquilo que as nossas auditorias constataram, que h� realmente um enorme desequil�brio no tocante �s inser��es. Isso obviamente interfere na quantidade de votos no final da linha", afirmou Bolsonaro.
O presidente tamb�m convocou ministros e os tr�s comandantes de For�as Armadas para uma reuni�o no Pal�cio da Alvorada antes de se pronunciar. Saiu sem responder a perguntas de jornalistas.
Nas redes sociais, grupos bolsonaristas refor�aram o argumento de fraude eleitoral e pediram o impeachment de Moraes.
Mas, embora o ministro tenha se tornado hoje o principal alvo da milit�ncia bolsonarista, o pr�prio PT j� chamou o magistrado de "despreparado" e "parcial", quando ele foi empossado como ministro do STF, em 2017 (ler abaixo).

'Abuso de autoridade'
As principais cr�ticas a Moraes envolvem o que seus opositores chamam de "abuso de autoridade".
E entre eles n�o est�o apenas apoiadores de Bolsonaro, mas tamb�m juristas.
A preocupa��o gira em torno das decis�es de Moraes que chamam de "arbitr�rias", especialmente em rela��o ao inqu�rito das fake news, da qual � relator, e de sua atua��o como presidente do TSE.
J� parte dos juristas e ministros do Supremo argumentam que diante do alto volume de not�cias falsas que circulam nessas elei��es, Supremo e TSE precisaram dar agilidade � sua atua��o e impedir a circula��o de amea�as e desinforma��o.
Inqu�rito das fake news
Recentemente, o inqu�rito das fake news voltou ao notici�rio ap�s a decis�o de Moraes de voltar a prender o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), que reagiu disparando contra policiais e atirando granadas na dire��o deles. O inqu�rito investiga uma suposta organiza��o criminosa digital que atua para desestabilizar a democracia divulgando mentiras e atacando ministros do Supremo e as institui��es do pa�s.
No seu despacho, o magistrado afirmou que decretou a pris�o ap�s Jefferson violar os termos de sua pris�o domiciliar, mas nas rede sociais bolsonaristas lembraram que a pris�o do ex-deputado, em agosto de 2021, por Moraes havia sido "ilegal".
Em pronunciamento, o pr�prio Bolsonaro, embora tenha chamado Jefferson de "bandido" e tentado se desvincular do aliado, repetiu o argumento de que a pris�o de Jefferson n�o teve, em sua origem, "nenhum respaldo na Constitui��o" e decorreu "sem atua��o do MP".
"Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a Ministra Carmen L�cia e sua a��o armada contra agentes da PF, bem como a exist�ncia de inqu�ritos sem nenhum respaldo na Constitui��o e sem a atua��o do MP", escreveu Bolsonaro no Twitter.
Isso se deve ao fato de que, quando Moraes acolheu pedido da Pol�cia Federal (PF) para prender o ex-deputado, sua decis�o prescindiu da manifesta��o da Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR). Segundo ele, porque o MP n�o havia se pronunciado sobre o pedido dentro do prazo.
Na ocasi�o, a PGR negou a afirma��o de Moraes e, em nota, o procurador-geral da Rep�blica, Augusto Aras, afirmou que "houve, sim manifesta��o da PGR, no tempo oportuno" e que "em respeito ao sigilo legal, n�o ser�o disponibilizados detalhes do parecer, que foi contr�rio � medida cautelar".
Aras tamb�m descreveu a pris�o de Jefferson como "uma censura pr�via � liberdade de express�o".
"O entendimento da PGR � que a pris�o representaria uma censura pr�via � liberdade de express�o, o que � vedado pela Constitui��o Federal", acrescentou Aras no comunicado.
Outra decis�o de Moraes que repercutiu negativamente entre bolsonaristas foi a pris�o do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), em mar�o deste ano, motivada por v�deo divulgado pelo parlamentar.
Na decis�o, o ministro do STJ afirmou ser "imprescind�veis medidas en�rgicas para impedir a perpetua��o da atua��o criminosa de parlamentar visando lesar ou expor a perigo de les�o a independ�ncia dos Poderes institu�dos e ao Estado Democr�tico de Direito".
Naquela ocasi�o, tamb�m destacou que a Constitui��o n�o permite a propaga��o de ideias contr�rias � ordem constitucional e ao Estado Democr�tico nem tampouco a realiza��o de manifesta��es nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito.
Bolsonaristas, contudo, afirmaram se tratar de 'censura' e cerceamento da liberdade de express�o.

Atua��o no TSE
J� sobre sua atua��o no TSE, Moraes tamb�m vem recebendo cr�ticas de aliados de Bolsonaro.
Em agosto deste ano, pouco depois de ser empossado como presidente da corte, Moraes gerou revolta no meio bolsonarista ao autorizar uma a��o da Pol�cia Federal contra empres�rios que teriam manifestado apoio a um eventual golpe de Estado caso Lula ven�a a elei��o presidencial.
Na ocasi�o, houve tamb�m questionamentos de juristas que n�o apoiam Bolsonaro, mas viram poss�veis excessos e ilegalidades na decis�o que autorizou a apreens�o de celulares e o bloqueio de contas banc�rias e de perfis dos empres�rios nas redes sociais.
Em 16 de agosto, quando foi empossado, Moraes havia prometido, em seu discurso, interven��o "m�nima, mas implac�vel" contra abusos.
Na semana passada, outro ponto de tens�o: foi aprovada uma pol�mica resolu��o afirmando que, em casos de fake news que j� tenham sido consideradas irregulares pelos integrantes do tribunal, em decis�o colegiada, a determina��o de retirada do ar vale tamb�m para conte�dos id�nticos que sejam replicados na internet.
Ou seja, se uma fake news id�ntica a uma j� julgada pelo TSE come�ar a circular, o presidente do tribunal pode ordenar que ela saia do ar sem a necessidade de uma nova a��o de partidos, do Minist�rio P�blico ou uma decis�o judicial pedindo isso.
O TSE tamb�m deu direitos de resposta a Lula em raz�o de falas ofensivas feitas por comentaristas da Jovem Pan contra o petista. O canal paulista, que dedica boa parte de sua programa��o di�ria a cr�ticas ao ex-presidente, disse que foi censurado e orientou que n�o sejam ditos no ar termos como "ex-presidi�rio" e "ladr�o" em refer�ncia a Lula.
Outra decis�o que provocou discuss�o se refere a uma frase do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aur�lio Mello que seria usada em uma pe�a eleitoral do presidente e candidato do PL Jair Bolsonaro e foi suprimida.
Apesar das cr�ticas dos bolsonaristas, desde o in�cio da corrida presidencial, Moraes deu, proporcionalmente, mais decis�es favor�veis a Bolsonaro do que Lula.
At� 14 de outubro, o PT teve 55% das a��es contra not�cias falsas atendidas no tribunal, enquanto a campanha de Bolsonaro, 85%.
Vale lembrar que, mais recentemente, Moraes deu nova decis�o favor�vel a Bolsonaro, ao determinar a remo��o dos v�deos divulgados pela campanha de Lula reproduzindo falas do atual presidente sobre meninas venezuelanas.
No trecho da entrevista reproduzido pela campanha de Lula , Bolsonaro aparece dizendo que, durante um passeio de moto pela comunidade de S�o Sebasti�o, nas proximidades de Bras�lia, avistou meninas de 14 e 15 anos e que "pintou um clima" .
Na decis�o, o principal argumento de Moraes foi a prote��o � liberdade de express�o.
Segundo o ministro, a liberdade de express�o n�o representa um salvo-conduto para a propaga��o de discursos "sabidamente inver�dicos", "agressivos" e "preconceituosos".
"Liberdade de express�o n�o � Liberdade de agress�o! Liberdade de express�o n�o � Liberdade de destrui��o da Democracia, das Institui��es e da dignidade e honra alheias. Liberdade de express�o n�o � Liberdade de propaga��o de discursos mentirosos, agressivos, de �dio e preconceituosos!", diz trecho da decis�o de Moraes
Nesta semana, o senador Lasier Martins (Podemos-RS) voltou a pedir o impeachment de Moraes por "reiterados abusos expressos em crimes de responsabilidade".

Cr�tica do PT
Embora hoje tenha sua imagem associada ao PT e � esquerda por apoiadores de Bolsonaro, a nomea��o de Moraes ao STF, em mar�o de 2017, foi duramente criticada pela Executiva do partido, que a descreveu como "um profundo desrespeito � consci�ncia jur�dica do pa�s".
Segundo a nota publicada na ocasi�o, a CEN PT (Comiss�o Executiva Nacional do PT) afirmou que "a nomea��o e a trajet�ria de Moraes, ent�o ministro da Justi�a do governo ileg�timo tornaram evidente seu despreparo, seu desprezo pelas institui��es e sua parcialidade".
Natural da cidade de S�o Paulo, Moraes nasceu no dia 13 de dezembro de 1968. Ele foi nomeado para o Supremo pelo ex-presidente Michel Temer ap�s a morte do ministro Teori Zavascki em um acidente a�reo. Zavascki havia sido indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2012 para o lugar de Cezar Peluso, que se aposentara ao atingir a idade limite, ent�o de 70 anos. Na ocasi�o, o Senado aprovou a indica��o de Moraes por 55 votos a favor e 13 contra. Aos 48 anos, ele passou, ent�o, a integrar a corte.
Moraes era, na �poca, ministro da Justi�a de Temer. Ele chegou ao Supremo com apoio do PSDB e era tido como um perfil mais conservador para a corte. Na �poca, se manifestou, por exemplo, contra a legaliza��o do aborto e da eutan�sia, por considerar que essas pr�ticas violavam o direito � vida. Tamb�m se posicionou contra a redu��o da maioridade penal, mas defendeu puni��es mais duras para menores de 18 anos em caso de crimes graves.
O desejo de Moraes de integrar o STF era not�rio no meio jur�dico, mas parecia improv�vel no curto prazo, j� que em 2015 o Congresso elevou a idade m�xima para aposentadoria compuls�ria dos ministros de 70 para 75 anos.
Enquanto o sonho estava em suspenso, falava-se nos bastidores de Bras�lia que seu desejo seria concorrer ao governo de S�o Paulo pelo PSDB em 2018.
Em meio � grave crise pol�tica pela qual passava o pa�s, sob o impacto da opera��o Lava Jato, sua indica��o foi alvo de cr�ticas por sua suposta falta de imparcialidade. Para os opositores da sua nomea��o, Moraes foi indicado ao Supremo para barrar as investiga��es contra membros do governo Temer e sua base no Congresso.
Moraes negou veementemente essas acusa��es nas quase 11 horas de sabatina com senadores e destacou n�o ser o primeiro indicado ao STF com hist�rico de atividade pol�tica. Na ocasi�o, salientou tamb�m que os coordenadores da Lava Jato elogiaram sua indica��o publicamente.
Em sua fala inicial, chegou a dizer que atuaria no Supremo "com imparcialidade, coragem, dedica��o e sincero amor � causa p�blica".
Depois, ao responder pergunta sobre sua tese de doutorado, em que defende que presidentes n�o deveriam poder indicar integrantes do governo para a Corte, prometeu: "Jamais atuarei entendendo que minha indica��o ou eventual aprova��o por vossas excel�ncias tenha qualquer liga��o de agradecimento ou favor pol�tico", afirmou.

Carreira em S�o Paulo
Em 15 anos, Alexandre de Moraes saiu do Minist�rio P�blico e deu in�cio a uma trajet�ria que incluiu cargos de destaque na prefeitura e no governo de S�o Paulo.
Foi promotor de Justi�a da Cidadania e assessor do procurador-geral do Estado entre 1991 e 2002, quando, aos 33 anos, se tornou o mais novo secret�rio de Justi�a e Defesa da Cidadania do Estado, escolhido por Geraldo Alckmin (PSDB), com quem voltaria a trabalhar anos depois.
Em 2005, foi escolhido para integrar a primeira composi��o do CNJ (Conselho Nacional de Justi�a), ocupando a vaga reservada para um representante da C�mara dos Deputados.
Ap�s a passagem pelo CNJ, entre 2005 e 2007, trabalhou na gest�o de Gilberto Kassab (PSD) na Prefeitura de S�o Paulo entre 2007 e 2010. No per�odo, acumulou os cargos de presidente da Companhia de Engenharia de Tr�fego (CET), da S�o Paulo Transporte (SPTrans) e de secret�rio de Servi�os e de Transportes, o que o transformava numa esp�cie de supersecret�rio.
Em 2015, voltou a participar de uma gest�o de Alckmin, desta vez como secret�rio da Seguran�a P�blica. Mas embora tenha constru�do uma carreira acad�mica focada nos direitos humanos, passou a ser visto com grande rejei��o por movimentos sociais, que viram uma atua��o "truculenta" por parte da pol�cia durante sua gest�o.
Pr�ximo de Temer, conquistou sua confian�a ao conduzir com absoluta descri��o e efici�ncia uma investiga��o que prendeu o hacker que invadiu o celular da primeira-dama Marcela e tentou extorqui-la.
Acabou nomeado como ministro da Justi�a logo ap�s a destitui��o de Dilma, em maio de 2016. Acumulou desgastes nos meses em que ficou no cargo, mas resistiu a editorais de grandes ve�culos de m�dia brasileiros que pediam sua cabe�a.
Em um desses epis�dios, o ministro precisou se explicar ap�s supostamente antecipar uma fase da opera��o Lava Jato.
"Teve a semana passada, e esta semana vai ter mais, podem ficar tranquilos. Quando voc�s virem esta semana, v�o se lembrar de mim", disse ele a um grupo de pessoas durante campanha eleitoral de prefeito no interior de S�o Paulo, em setembro passado.
No dia seguinte, ele negou que tivesse adiantando a��es da Pol�cia Federal — alegou que a afirma��o ocorreu porque houve opera��es desde que ele havia assumido o cargo de ministro da Justi�a.
Jurista experiente
Al�m da vida pol�tica que o projetou nacionalmente, Moraes � um jurista experiente, reconhecido no meio acad�mico.
Formado em 1990 pela prestigiada Faculdade de Direito da USP, Alexandre de Moraes obteve o t�tulo de livre-docente em direito constitucional na mesma universidade 11 anos depois.
Al�m de dar aulas na mesma USP e na Universidade Mackenzie, escreveu diversos livros jur�dicos que se tornaram refer�ncia em direito constitucional, direitos humanos, ag�ncias reguladoras e legisla��o penal especial.
Apesar do sucesso como autor, enfrentou desgaste diante das acusa��es de pl�gio em suas obras.
Em 13 de maio de 2004, ganhou a honraria mais alta do Tribunal de Justi�a de S�o Paulo, o Colar do M�rito. Foi o jurista mais jovem a receber a homenagem, aos 35 anos.
Atuou tamb�m como advogado. Em 2014, defendeu o ex-presidente da C�mara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB), preso pela Lava Jato, de uma acusa��o de uso de documento falso — ele acabou absolvido.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63386608