
Durante mais de uma hora, enquanto esperavam o presidente Jair Bolsonaro finalmente falar pela primeira vez ap�s sua derrota nas urnas, grupos bolsonaristas nas redes fervilhavam com mensagens.
Muitos diziam que os bloqueios nas estradas deveriam continuar a qualquer custo.
"Mesmo que o presidente se pronuncie, ele n�o pode falar para o povo continuar nas ruas, se n�o vira golpe de estado. Ent�o independente do que ele falar, precisamos nos manter firmes como resist�ncia", escreveu um usu�rio em um grupo de WhatsApp.
"Temos que continuar nas ruas", afirmou outro usu�rio.
Bolsonaristas est�o bloqueando diversas rodovias no pa�s protestando contra o resultado leg�timo das elei��es presidenciais, vencidas de forma democr�tica pelo ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva.
Muitos pedem por um golpe de Estado. Como mostrou reportagem da BBC News Brasil, os bloqueios j� afetam o setor de carnes, leite e o abastecimento de supermercados, al�m de outras �reas vitais como insumos hospitalares.
Bolsonaro fez um discurso na tarde desta ter�a (1º) dizendo que os bloqueios est�o acontecendo por "indigna��o e sentimento de injusti�a de como se deu o processo eleitoral".Sem condenar a pauta dos protestos, condenou os m�todos, dizendo que "n�o podem ser os da esquerda".
Ele ent�o citou "invas�o de propriedades, destrui��o de patrim�nio e cerceamento de ir e vir".
Mas seu discurso n�o foi exatamente lido como uma condena��o aos bloqueios.
Algumas mensagens que foram enviadas em grupos bolsonaristas mostram isso: "Foi n�tido e claro: temos que manter as ruas", "n�o vamos parar", "para bom entendedor, meia palavra basta" e "foi neutro, isso significa que n�o jogou a toalha".
Outros entenderam como um recado para fazer protestos pac�ficos. "Vamos fazer protesto sem viol�ncia para n�o sermos acusados de viol�ncia", escreveu uma pessoa em um grupo de Telegram.
A mensagem seguinte: "Ele n�o pediu pra parar, ele pediu pra fazer de maneira constitucional, para n�o se igualar aos esquerdistas."
No Twitter, o comentarista Rodrigo Constantino disse que � "hora da ficha cair" e que o presidente "deixou claro que nossos m�todos s�o diferentes".
Vejo muita gente apostando (ainda) num xadrez 4D, como se sempre houvesse uma carta na manga. Gente, o presidente deixou claro que nossos m�todos s�o diferentes, e Ciro Nogueira prepara a transi��o do governo. � hora da ficha cair. Vamos fortalecer as trincheiras vi�veis!
— Rodrigo Constantino (@Rconstantino) November 1, 2022Muitos bolsonaristas que est�o nas ruas acreditam que houve fraude nas elei��es. Apesar de n�o ter afirmado isso agora, Bolsonaro construiu a narrativa de fraude ao longo de quatro anos, atacando o sistema eleitoral mais de cem vezes. O sistema eleitoral brasileiro � considerado pela maioria dos especialistas como seguro e transparente.
Novas estrat�gias
Nos �ltimos dias, apoiadores de Bolsonaro t�m falado em n�o associ�-lo aos bloqueios. Seu medo � que o presidente seja responsabilizado pelo movimento que est� atrapalhando o abastecimento e o deslocamento pelo pa�s.
Por isso, h� cartilhas com novas estrat�gias de apoiadores de Bolsonaro circulando em grupos de WhatsApp e Telegram.
"N�o fale o nome de Bolsonaro", pede uma usu�ria em um grupo de Telegram.

Camiseta com a foto de Bolsonaro ou o n�mero 22 tamb�m n�o pode, assim como m�sicas oficiais da campanha.
"Conversei com uma advogada, que tem contatos militares, e ela nos orientou a nesse momento ir para os quart�is com camisa do Brasil ou amarela ou verde - SEM ABSOLUTAMENTE NADA QUE REMETA A BOLSONARO OU 22 - cantar o hino do Brasil e rezar. Para os militares, a popula��o estar em massa na frente dos quart�is significa que est�o pedindo ajuda", diz uma das mensagens virais em grupos de Telegram.
Os usu�rios tamb�m temem que grupos que falam explicitamente em interven��o militar sejam investigados ou fechados a mando do Supremo Tribunal Federal. Ali�s, h� pedidos para que usu�rios n�o fa�am men��es ao STF
Desde a tarde desta segunda (31), pipocaram diversos grupos com nome "resist�ncia civil". E aqueles cujo nome inicial era "interven��o militar" tamb�m esconderam sua voca��o golpista, trocando seu nome para "resist�ncia civil" ou "for�a civil".
Diversos desses grupos de suposta "resist�ncia" se desmembram em grupos menores, separados por Estado, para organizar mais facilmente as manifesta��es.
"Quando Lula venceu, eles se revoltaram, come�ando a contemplar possibilidade de interven��o e se inspirando em 1964", diz Emillie de Keulenaar, pesquisadora da Universidade de Groningen que monitora grupos bolsonaristas.
O sil�ncio de Bolsonaro foi lido como uma "carta branca" para seguir em frente.
Mas, aos poucos, a linguagem precisou ser modificada - tanto por medo pelo destino de Bolsonaro, tanto para sua pr�pria prote��o.
"Eles sabem que esses grupos est�o sendo monitorados pelo Supremo Tribunal Federal e que h� muitos infiltrados, olhando mensagens e tentando troll�-los, ent�o eles tentam ofuscar a linguagem que pode descredit�-los ou coloc�-los em algum perigo", afirma Keulenaar.
Para Fabr�cio Benevenuto, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais que tamb�m monitora grupos pol�ticos no WhatsApp e Telegram, h� grande semelhan�a com o que aconteceu nos Estados Unidos.
O ex-presidente Donald Trump se recusou a aceitar os resultados das elei��es que perdeu, o que culminou em uma invas�o ao Capit�lio que deixou mortos.
Benevenuto menciona o QAnon, movimento conspirat�rio da extrema-direita que alega haver um grupo secreto de satanistas, ped�filos e canibais que conspirou diretamente contra Trump.
"Eles acham que h� um plano a ser executado e esse plano est� seguindo � risca pelo presidente. E o presidente n�o comete nenhum crime ao n�o se pronunciar nem a favor nem contra, e ao mesmo tempo alimenta essas teorias de que tudo faz parte de um plano", afirma.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63480237
