Entender o conceito de ideologia de forma mais clara e tornar acess�vel a an�lise de como esse significado interfere em nossa vida � o cerne do novo livro da jurista, apresentadora e escritora Gabriela Prioli, intitulado “Ideologias”.
Nas p�ginas, Prioli faz uma viagem no tempo para explicar correntes como o liberalismo, conservadorismo e socialismo, fazendo o leitor refletir em qual campo ele se encontra, al�m de provoc�-lo a entender as outras ideologias, com as quais ele, num primeiro momento, n�o concorda.
Ao Estado de Minas, a escritora afirmou que, ao ler o livro, � poss�vel entender que conceitos do passado podem n�o ser os mais assertivos para analisar o presente e construir o futuro – que � preciso refletir como, dentro do contexto atual, as ideologias podem funcionar.
Confira alguns pontos da entrevista com Gabriela Prioli. A �ntegra pode ser conferida no canal do Portal Uai no YouTube.
Queria que a senhora respondesse a um questionamento que est� na primeira p�gina do seu livro: “Ideologia, a gente realmente precisa de uma pra viver?”
A gente tem, invariavelmente, uma para viver. � claro que o termo ideologia n�o tem s� um significado, ent�o eu come�o o livro falando sobre isso, sobre como os termos podem ter significados distintos em autores distintos e eu explico qual � o significado que a gente vai usar para construir a ideia desse livro, do “Ideologias”. E o significado que a gente usa, o nosso significado de ideologia, � uma forma de enxergar o mundo e pensar pol�ticas p�blicas, que � partilhada por muitas pessoas. Ent�o, pensando assim, todo mundo tem uma forma de pensar o mundo e pensar pol�ticas p�blicas, ent�o todo mundo tem uma ideologia, n�o tem por que a gente ter medo desse termo. N�o tem por que a gente usar os r�tulos ideol�gicos s� para facilitar quem � amigo e inimigo, perdendo a oportunidade de se aprofundar um pouco mais, entender nuances, de pensar e expressar as nossas ideias com um pouquinho mais de alicerce para que a gente possa incentivar e alimentar o debate p�blico, que � fundamental para a gente construir os caminhos que o Brasil precisa.
As pessoas conseguem entender o que � ideologia ou esse conceito ficou um pouco desgastado?
Acho que elas conseguem. Acho que capacidade todo mundo tem para entender. Acho que o conceito foi instrumentalizado para fins nefastos, no sentido dessa divis�o entre amigo e inimigo, que � uma divis�o ruim para a democracia. Podemos ter advers�rios na democracia, mas n�o podemos ter inimigos. E, muitas vezes, mesmo a pessoa tendo capacidade de entender, �s vezes, a forma como o assunto � comunicado, que n�o chega em tanta gente. Nem sempre a gente compreende um vocabul�rio diferente do nosso. Da� a op��o pelo livro; minha op��o � sempre por uma linguagem mais clara, mais acess�vel.
A pessoa que l� o seu livro consegue identificar com qual corrente ideol�gica ela se identifica hoje?
Acho que sim. Falo que no livro eu gosto de provocar alguns n�s na cabe�a para depois a gente ir desatando esses n�s. E por que provocar esses n�s? Porque quando a gente simplifica demais esses conceitos, quando a gente esvazia os r�tulos, muitas vezes a gente afirma o que � pela nega��o do outro. Ent�o, voc� pensa: “Eu n�o sou isso, ent�o automaticamente eu sou essa coisa”. Mas a� se algu�m te pergunta por que voc� � essa coisa, a� fica mais dif�cil voc� justificar aquilo, porque lhe falta repert�rio. Com o “Ideologias” voc� n�o s� vai conseguir se encontrar nas correntes que integram o liberalismo, o conservadorismo e o socialismo, mas voc� tamb�m vai perceber que para alguns assuntos as solu��es propostas no passado n�o servem mais. Ent�o, a gente tem outros desafios, outras perguntas que v�o precisar de novas reflex�es. Isso � muito importante. Entender ideologia � entender o contexto em que os pensamentos v�o se formando. As ideologias se formam a partir de respostas �s perguntas vivenciadas pelas pessoas em determinadas �pocas.
Baseado nas defini��es que se encontram em seu livro, Bolsonaro conseguiu criar uma nova ideologia?
Acho que ele tem caracter�sticas pr�prias do nosso tempo, mas ele tem muito de reacionarismo. Apesar de se apresentar como conservador, e a� j� tem uma provoca��o, quem fizer uma leitura atenta do livro vai ver que o conservadorismo nasce como uma rea��o ao �mpeto de mudan�a da Revolu��o Francesa, e uma rea��o, portanto, a essa mudan�a acelerada que n�o preserva a tradi��o, que n�o preserva o que j� tem constru�do. E, de repente, surge algu�m que se apresenta como conservador, mas quer mudar tudo que est� a�. N�o combina. Ent�o, tem muito de reacionarismo, mas tem muito de um reacionarismo com tra�os do nosso tempo. Manipula��o de not�cias falsas com grande difus�o pelas redes sociais, instrumentaliza��o de um descontentamento causado por uma crise econ�mica que j� dura algum tempo, uma sensa��o de vertigem decorrente de um mundo cuja a efemeridade est� cada vez mais presente e gera em n�s esse sentimento de medo e inseguran�a em rela��o ao futuro. Eu n�o diria que ele criou uma ideologia pr�pria n�o, porque a� seria equiparar esse pensamento a pensamentos muito mais substanciais na hist�ria da humanidade.
Um dos cap�tulos do seu livro se chama “Tem muitas esquerdas dentro da esquerda”. � poss�vel ver e analisar atualmente a fragmenta��o da esquerda e, creio que em 2018, isso ficou muito claro. Mas como entender essas muitas esquerdas dentro da esquerda?
Apesar de esse cap�tulo se chamar “Existem muitas esquerdas dentro da esquerda”, a gente poderia ter muitos outros cap�tulos tamb�m chamados “existem muitos conservadorismos dentro do conservadorismo”, “existem muitos liberalismos dentro do liberalismo”. Porque todas as macroideologias t�m muitas nuances. � um grande guarda-chuva que vai embarcar v�rias correntes distintas, muitas vezes muito distantes uma da outra. Quando eu falo das muitas esquerdas dentro da esquerda, a gente precisa pensar que em todo campo pol�tico vai haver disputa. Disputa entre os atores e as lideran�as por quem � o verdadeiro representante daquele espectro pol�tico. E, muitas vezes, as pessoas que se veem como integrantes do espectro pol�tico e s�o jogadas para fora dele por outras pessoas que pensam diferente, ainda dentro desse lugar, n�o entendem muito bem o porqu�. Ent�o, a gente entender que dentro da esquerda tem uma esquerda revolucion�ria, uma esquerda que come�a a pensar o ideal socialista a partir da via democr�tica, mas ainda n�o abandona a via socialista. Depois voc� passa a ter um pensamento de esquerda, que se v� como de esquerda, mas que n�o quer a supera��o do capitalismo, mas sim um capitalismo mais humanizado. Se a gente pensar nas elei��es deste ano, por exemplo, quando Lula apresenta a sua candidatura e defende um voto �til no primeiro turno, uma parte da esquerda mais � esquerda se posiciona em sentido contr�rio, defendendo um voto de convic��o em candidaturas mais representativas, fazendo uma cr�tica a Geraldo Alckmin como vice. Ent�o, (Temos) uma parcela da esquerda criticando uma candidatura vista como de esquerda, porque para essa parcela da esquerda ela foi para a direita demais.
Como � poss�vel conversarmos sobre outras ideologias sem entrar em um embate ofensivo?
Nem todo debate � interessante. Ent�o, tem alguns debates que a gente pode passar. Quando eu falo sobre debater com pessoas diferentes, as pessoas entendem isso como um chamado para que eu me engaje em toda discuss�o. N�o funciona assim. �s vezes, a pessoa s� quer visibilidade �s suas custas. �s vezes, a pessoa s� quer se exibir para a plateia do momento. �s vezes, ela n�o quer se engajar num debate propositivo. Mas se voc� encontrar pessoas que est�o trocando com voc� num tom ameno e divergem de voc� em quest�es importantes, at�, o que eu acho interessante que n�s fa�amos, � olhar para o outro como algu�m bem-intencionado, que quer tamb�m um mundo melhor. Mas que v� como caminho para um mundo melhor uma rota diferente do que a gente pensa. E a� � um passo de humildade. � voc� compreender que voc� n�o tem todas as respostas e n�o necessariamente est� certo. � abrir a possibilidade de mudar de ideia. Quando a gente troca com algu�m que pensa diferente, a gente pode ou mudar de ideia porque descobriu uma coisa nova ou refor�ar ainda mais o nosso ponto de vista, melhorar a nossa argumenta��o a partir da compreens�o da forma como o outro raciocina. � sempre bom, mas n�o s�o todas as discuss�es em que a gente consegue manter um grau elevado. Um exemplo disso foi que em determinado momento eu falei que n�o faria mais parte de um programa de debate, porque eu sentia que a minha participa��o naquele quadro equiparava duas coisas inequipar�veis. Um argumento, um ponto de vista com alicerce, com fundamenta��o, contraposto a algo sem nenhum alicerce, a um achismo, a uma informa��o n�o fundamentada, e ao fazer essa equipara��o eu colaborava para que uma coisa que n�o tem nenhum lastro fosse vista como um argumento. E eu considerava que isso era ruim. Ent�o, decido me abster desse debate. Mas eu debato muito com pessoas que pensam diferentemente de mim e acho essa experi�ncia riqu�ssima.
Lula e Bolsonaro s�o os representantes da esquerda e da direita no Brasil hoje?
Isso � uma constata��o. Foi o resultado que a gente viu nas elei��es. As pessoas se organizaram, os campos e os espectros pol�ticos se organizaram em torno de duas candidaturas para a Presid�ncia da Rep�blica, Jair Bolsonaro e o presidente eleito, Lula. Mas, dizer que essas s�o as duas �nicas lideran�as, que Bolsonaro e Lula representam em seus respectivos campos, gerando uma identifica��o absoluta entre quem est� na esquerda e na direita com um ou outro, isso n�o � verdade. Existe muita gente que votou no Bolsonaro sem querer votar nele, mas que fez uma op��o que considerou ser a menos pior, e teve gente que votou no Lula do mesmo jeito. Eu acredito, inclusive, que a gente vai ver muita disputa, j� que o Lula j� declarou que n�o vai disputar a reelei��o, ent�o ter� a disputa pela sucess�o do Lula. E tamb�m pela lideran�a dessa direita e eu imagino que v� surgir uma tens�o poss�vel entre o Tarc�sio de Freitas, governador eleito de S�o Paulo, o Romeu Zema, governador de Minas Gerais, porque s�o duas lideran�as que se apresentam como duas lideran�as fortes da direita, e Bolsonaro, sem cargo p�blico. N�o sei se eles v�o continuar amigos at� 2026.
receba nossa newsletter
Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor