“Apesar de eu ser uma pessoa trans e carregar a bandeira da identidade trans no pr�prio corpo, o nosso mandato n�o se limita � pauta da diversidade, ou seja, a temas ligados �s quest�es identit�rias e LGBT. N�s estamos discutindo pol�tica p�blica no campo da economia, no campo do meio ambiente, no campo da educa��o, at� porque eu sou uma professora e reconhe�o a educa��o como engrenagem fundamental para transformar a sociedade”, declarou Duda.
Em 2020, ela foi eleita a vereadora mais bem votada da hist�ria de Belo Horizonte, com 37 mil votos, e tamb�m trabalhou para ser muito bem votada na disputa para a C�mara dos Deputados. “N�o basta s� eleger. Temos que ser bem votadas para chegar com capital pol�tico que nos d� possibilidade de pautar nossos projetos com maior chance de aprova��o”, afirmou.
Antes de ser vereadora, Duda atuou por por 20 anos na educa��o, sendo 15 deles como professora de literatura no Col�gio Bernoulli. A entrada na pol�tica ocorreu em 2016. “Decidi entrar na pol�tica depois do golpe contra a presidente Dilma Rousseff. Entendi que haveria a partir da cis�o democr�tica um esvaziamento do campo democr�tico e seria necess�rio estar na pol�tica contra a classe trabalhadora que viria”, avaliou. Confira os principais trechos da entrevista, gravada em 29 de novembro.
A partir de fevereiro, a senhora vai trocar a C�mara Municipal pela C�mara dos Deputados. Quais as expectativas e os desafios?
Depois que assumimos como vereadora, o nosso mandato sempre teve um contorno muito maior que o municipal. N�s entendemos que fomos eleitas para ser uma vereadora de Belo Horizonte, no entanto, tanto os moradores da cidade como dos munic�pios ao redor, traziam demandas nacionais para que n�s pud�ssemos pautar. Sempre fomos um mandato de opini�o, ent�o acabou que fizemos todo o debate municipal, que � exigido, mas transbordamos tamb�m e projetamos essa pol�tica para a esfera nacional, que � o que a pr�pria cidade pedia. Tanto que quando eu ventilei a possibilidade de me candidatar para deputada federal, tive um apoio muito grande dos meus eleitores aqui de BH porque eles j� esperavam essa participa��o porque eu j� executava a partir do primeiro dia em que fui eleita.
Neste cen�rio de crise, urge a gente superar e penso que um dos ingredientes fundamentais da supera��o da crise � o respeito e o reconhecimento da diversidade
Duda Salabert
A senhora � uma das quatro deputadas trans eleitas em 2022 e vai ter ao seu lado na C�mara Erika Hilton. Qual a import�ncia dessa representatividade nas casas legislativas?
Ainda dentro do campo da diversidade, quais projetos a senhora pretende levar para o Congresso Nacional?
H� dois pontos que t�m centralidade na nossa leitura pol�tica. Primeiro, em rela��o � empregabilidade. � vergonhoso morar em um pa�s em que 90% das travestis e transexuais est�o na prostitui��o. Independentemente do seu ponto de vista pol�tico e ideol�gico, ningu�m concorda com 90% de um grupo estar na prostitui��o. Ent�o, h� que se construir pol�ticas de empregabilidade para esta comunidade. Al�m disso, n�s somos um pa�s que h� 14 anos consecutivos lideramos o ranking de pa�s que mais mata pessoas LGBT no planeta, o que mostra que a viol�ncia contra a nossa comunidade � gritante, hist�rica, e coloca o nosso pa�s em um local que nunca deveria estar, que � de topo da viol�ncia. N�s vamos pensar em muitas pol�ticas ligadas � seguran�a p�blica e tamb�m � empregabilidade. Isso traz a reboque o debate estruturante que h� no pa�s de um novo modelo de seguran�a p�blica, pautado na investiga��o, e, al�m disso, tirar o Brasil deste cen�rio em que n�s estamos, de crise econ�mica, que est� ligado ao desemprego tamb�m.
� criminoso discutir o avan�o da atividade miner�ria no patrim�nio que est� em processo de tombamento em um contexto de emerg�ncia clim�tica e crise h�drica
Duda Salabert
A senhora foi indicada para a equipe de transi��o do governo Lula, dentro do grupo t�cnico de direitos humanos. Como recebeu esse convite?
Fiquei muito feliz, porque para al�m de ser um convite � um reconhecimento do que n�s j� faz�amos aqui na nossa luta em Belo Horizonte, Minas Gerais e no pa�s. Fui convidada para o grupo de direitos humanos, que abarca diversas quest�es, como a quest�o ambiental que a gente trabalha, e queremos discutir alguns pontos fundamentais, entre eles o sistema prisional no Brasil. N�s temos a terceira maior popula��o prisional do mundo e, ao mesmo tempo, urge fazer uma reforma neste sistema, em que 40% das pessoas que comp�em ele poderiam ter penas alternativas para o esvaziamento deste espa�o e tamb�m pensar em uma ressocializa��o. Resumindo, n�s temos um espa�o que � caro, corrupto e em momento algum reeduca as pessoas para o espa�o social.
A senhora � professora e ao longo dos �ltimos anos vimos muitos cortes na educa��o. Quais os desafios para reestruturar esta �rea?
O pr�ximo ano vai ser um ano bastante complexo do ponto de vista fiscal, j� que n�s vamos trabalhar com um or�amento feito ainda na gest�o Bolsonaro, que foi caracterizado por in�meros cortes e o esfacelamento de pol�ticas p�blicas e pol�ticas educacionais. Para al�m disso, h� uma preocupa��o de a gente superar esta cultura de persegui��o a professores, que foi fossilizada nos �ltimos anos, e, inclusive, endossada pelo pr�prio governo de Jair Bolsonaro. Ent�o, a gente reconhece que o que vai tornar o Brasil mais rico n�o � moer suas montanhas, nem transformar nossos biomas em pastos para a agropecu�ria. O que de fato vai fazer o Brasil crescer e se tornar soberano � ci�ncia, tecnologia e inova��o. Isso passa por um investimento robusto nas universidades p�blicas, entendendo o papel delas como engrenagem central para a soberania nacional. Mas isso n�o quer dizer que n�o vamos olhar para a quest�o b�sica da educa��o. Infelizmente, o Brasil ainda n�o superou o analfabetismo, que ainda � uma marca da popula��o brasileira. H� n�meros que mostram que cerca de 30% da popula��o do nosso pa�s carrega um grau de analfabetismo, ent�o n�s temos que pensar primeiro o b�sico. Fazer uma pol�tica de analfabetismo zero, mas junto com isso aporte financeiro maior nas universidades como elemento para o crescimento do pa�s.
� vergonhoso morar em um pa�s que 90% das travestis e transexuais est�o na prostitui��o
Duda Salabert
Depois de uma elei��o t�o polarizada, como a senhora imagina que ser� o trabalho na C�mara para aprovar projetos mais progressistas em uma Casa com tantos parlamentares conservadores?
Infelizmente, uma marca da pol�tica brasileira � o fisiologismo. Ou seja, parlamentares que colocam o interesse particular acima do interesse coletivo p�blico. E grande parte dos deputados eleitos, infelizmente, s�o fisiol�gicos. Eles est�o onde o poder est�. Ent�o, acredito que mesmo sendo uma bancada, que tem um verniz conservador, eles estar�o onde o poder vai estar e devem seguir o rumo e a diretriz que o governo Lula vai pautar no Brasil. Aqui na C�mara Municipal, quando eu fui eleita, dizia-se que era a mais conservadora da hist�ria de BH. Dos 41, 30 s�o da chamada bancada da “B�blia”. E mesmo assim n�s conseguimos aprovar projetos importantes. O conservadorismo n�o foi um obst�culo para a aprova��o das nossas pol�ticas p�blicas estruturais, como, por exemplo, o projeto de dignidade menstrual, que vai distribuir gratuitamente absorventes para as pessoas que menstruam no munic�pio. Tamb�m conseguimos aprovar no campo do meio ambiente, dos direitos humanos e a maioria deles foram aprovados com a unanimidade do Parlamento. O que mostra que esse conservadorismo � um ponto negativo ao que se refere a temas ligados � comunidade LGBT, a�, sim, � um problema, a�, sim, � um empecilho, mas mesmo assim consegue construir pol�tica p�blica com o Executivo. Por exemplo, aqui em Belo Horizonte, inauguramos neste m�s a primeira casa de acolhimento de pessoas LGBT em situa��o de rua. E nosso mandato atual diretamente na constru��o dessa casa. Ent�o, mesmo temas que n�o t�m espa�o para aprova��o no Congresso a gente pode construir junto com o Executivo. Existem outras ferramentas.
Como a senhora v� a quest�o do tombamento da Serra do Curral, que � alvo de projetos de minera��o, e o setor como um todo em Minas?
H� que se discutir primeiro de que a Serra do Curral est� em um processo de tombamento. E se est� em um processo de tombamento, tombado est�. Ent�o, primeiro tem que se discutir o tombamento dela. Se n�o vai ser tombada, a�, sim, vamos discutir o avan�o da minera��o ali. Mas � criminoso discutir o avan�o da atividade miner�ria no patrim�nio que est� em processo de tombamento em um contexto de emerg�ncia clim�tica e crise h�drica. Reconhecendo que a Serra do Curral tem aqu�feros fundamentais para a seguran�a h�drica n�o s� de Belo Horizonte como da regi�o metropolitana. Ent�o, nosso objetivo � lutar em defesa da Serra do Curral e tamb�m das serras de Minas Gerais, propondo outro modelo econ�mico para superar a chamada “min�rio depend�ncia” ou “min�rio imposi��o”. Se a minera��o de fato trouxesse riqueza para Minas , n�s ser�amos o estado mais rico do Brasil. O pr�prio IBGE mostra que a minera��o aumenta as desigualdades sociais e econ�micas dos munic�pios porque depois que a mina seca e vai embora, deixa uma grande cratera, crise h�drica, desemprego e desigualdade social. Por isso vou levar para o Congresso a necessidade da cria��o de um fundo nacional de diversifica��o econ�mica para poder ajudar os munic�pios a superar a depend�ncia da minera��o para que possam diversificar a sua economia e distribuir essa riqueza entre os pr�prios moradores.
