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Estado de Minas ENTREVISTA//S�RGIO ABRANCHES

An�lise: "Bolsonaro colocou uma por��o de minas no caminho do Lula"

Soci�logo S�rgio Abranches avalia fim do governo Bolsonaro e desafios pol�ticos de Lula em seu terceiro mandato


31/12/2022 04:00 - atualizado 30/12/2022 16:57

O cientista político e sociólogo Sérgio Abranches
O cientista pol�tico e soci�logo S�rgio Abranches (foto: Rafaela Cassiano/Divulga��o)

 

Faltando poucas horas da posse de Luiz In�cio Lula da Silva (PT) e do fim oficial do mandato de Jair Bolsonaro (PL) no Pal�cio do Planalto, o cen�rio da pol�tica brasileira passa por um momento t�pico das transi��es de poder: a an�lise da gest�o que sai de cena e o que o futuro prepara para quem assume a lideran�a. No caso do Brasil, o retorno de um governo petista chega depois de um mandato marcado, desde a elei��o, por uma disrup��o do contexto tradicional do jogo pol�tico do pa�s, como explica o soci�logo e cientista pol�tico S�rgio Abranches. Em entrevista ao Estado de Minas, Abranches avaliou o governo que se encerra e os percal�os j� encontrados por Lula durante a transi��o da gest�o em Bras�lia. Autor, entre outras obras, do livro “O tempo dos governantes incidentais” (Companhia das Letras, 2020), ele avalia a ascens�o, queda e chance de retorno de nomes como Bolsonaro e o ex- presidente norte-americano Donald Trump, e como o Brasil pode trilhar um caminho para uma democracia consolidada diante de um cen�rio de crise global.

Em "O tempo dos governantes incidentais" o senhor fala de Bolsonaro como um presidente que foge da l�gica de coaliz�o e busca sempre o conflito. Em seus momentos finais na Presid�ncia, ele se aproximou do Congresso e at� destacou a elei��o de grande bancada do PL como ponto positivo durante a campanha de 2º turno. Como avalia essa situa��o?

Ele mudou a rela��o dele com o Congresso, mas ele mudou a rela��o dele com o Congresso de uma forma completamente disfuncional, porque fez o seguinte: permitiu que o Arthur Lira criasse o or�amento secreto, que � um canal aberto para corrup��o e para fraude, e que transfere todo o poder de aloca��o de recursos p�blicos nas m�os do relator do Or�amento e do presidente da C�mara, principalmente, porque o (Rodrigo, presidente do Senado) Pacheco tem uma bordinha desse poder. E a� o que o Bolsonaro fez? Ficou governando por decreto. O Bolsonaro � o cara que mais fez decretos do presidencialismo brasileiro desde o Fernando Henrique.

Ele fez decreto para desmontar a Funai, fez decreto para desmontar o ICMBio, o Ibama, para aumentar o acesso �s armas. Ent�o, ele abdicou do governo propriamente dito e passou a fazer uma coisa muito focada na sua pequena agenda, que � uma agenda totalmente negativa, antirrepublicana e antidemocr�tica. Ele sempre ter� essa possibilidade de dizer que seria diferente depois com o PL. Ele nunca teve partido, esse � o problema. O PL n�o � o partido dele, � o partido do Valdemar Costa Neto que, ao fazer o jogo do Bolsonaro, sobretudo na quest�o do processo no TSE, pelo qual ele t� com uma multa pesada que n�o consegue pagar, ele est� perdendo o controle. O partido dele na C�mara dos Deputados est� negociando com o Lula, querendo aderir ao governo. Ent�o, ele vai sair fraco e desacreditado do governo. Se ele for revigorado por algu�m, por alguma coisa, vai ser por um eventual fracasso do governo Lula.

 

O car�ter ef�mero dos governantes incidentais tamb�m � tratado no livro. Como podemos entender a queda de Trump e Bolsonaro ap�s um mandato?

O car�ter ef�mero, tanto do Trump quanto do Bolsonaro, tem a ver com o fato de que eles n�o conseguem cumprir as promessas que eles fazem, porque o que eles prometem � um passado inexistente, imagin�rio e idealizado. Essa � a primeira raz�o de n�o durarem. Eles se valem dos sentimentos que s�o criados pela decep��o, pelo desgosto e pelo ressentimento com as mudan�as sociais que est�o rebaixando socialmente as pessoas. Gente de classe m�dia que est� sendo, como o (Theodor) Adorno chama, desclassificado, saindo da sua classe.

 No Brasil e nos Estados Unidos, a classe m�dia � muito movida pelo status: o carro que dirige, a vizinhan�a onde mora. � um conjunto de fatores que, com a crise, com a automa��o do trabalho, a mudan�a nos modelos de neg�cio por conta da mudan�a estrutural global que est� acontecendo, essas pessoas ficam muito ressentidas. Por isso o decl�nio da social democracia em todo mundo. Porque as pessoas frustradas com as suas perdas olham e falam: "Voc�s nos prometeram bem-estar, e a gente n�o est� tendo mais". 

A�, cria-se um cen�rio para os demagogos da extrema-direita explorarem esses sentimentos e constru�rem uma narrativa que � completamente falsa a respeito de porque que essas coisas est�o acontecendo. A segunda raz�o � porque eles n�o tiveram for�a suficiente para mudar as regras do jogo e virar uma autocracia. N�o conseguiram a tempo destruir a democracia por dentro, porque as institui��es resistiram. Nos Estados Unidos, elas resistiram. Aqui, elas quase todas foram dominadas, menos o Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Por que a extrema-direita cresce nesse ambiente de crise?

Ela lida melhor porque ela explora esses sentimentos muito bem. Voc� tem uma popula��o ressentida, enraivecida, decepcionada, desgostosa com o que est� acontecendo e um discurso demag�gico de culpabilizar, de construir uma v�tima. Eles sabem fazer isso muito bem, inclusive sabem fazer isso melhor do que a esquerda, porque o discurso da esquerda envelheceu e ela ainda n�o atualizou o discurso. Uma segunda coisa � que a extrema-direita aprendeu a usar as redes digitais mais r�pido.

Exatamente porque eles n�o tinham voz no sistema tradicional de debate pol�tico de representa��o e disputa, eles migraram para a internet rapidamente e nas redes digitais e constru�ram um imp�rio da mentira, da disputa de que eles chamam de 'narrativas', um termo que acabou sendo consagrado e at� a literatura especializada hoje o usa para caracterizar aquilo que est� sendo disputado. 

 

Existe, ent�o, um contexto que favorece o retorno de Bolsonaro?

No Brasil, o bolsonarismo na verdade � um movimento prec�rio, por ter um l�der muito despreparado, desqualificado. O que a gente pode considerar como bolsonaristas mesmo s�o os fan�ticos que est�o acampados na nas portas dos quart�is e os seus financiadores, porque os caras n�o est�o l� com banheiro qu�mico, log�stica, alimenta��o, sal�rio, porque ningu�m pode ficar semanas sem trabalhar, s� pedindo golpe. O Bolsonaro n�o tem um partido, por exemplo.

O PL j� est� migrando para o centr�o de novo para fazer negocia��es com o governo Lula. Um problema que o Brasil pode enfrentar para evitar o retorno de Bolsonaro � a falta absoluta de novas lideran�as em todos os partidos, e o fato de que em 2018 houve a ruptura do modelo que formava tanto governo, quanto oposi��o no Brasil. Uma estrutura sui generis, em que tinha uma disputa bipartid�ria no eixo presidencial com PT e PSDB e uma disputa muito competitiva, no eixo multipartid�rio, pelas bancadas na C�mara e no Senado. Esse modelo se quebrou, ele teve uma ruptura com a dissolu��o do PSDB e a derrota do PT para um partido que n�o era contra quem disputava historicamente.

Ent�o hoje voc� tem uma disputa entre v�rios partidos que est�o olhando e pensando que talvez consigam, agora, realizar uma voca��o presidencial, porque n�o tem mais o PSDB. Eu acho que quem est� melhor posicionado para fazer isso no momento � o PSD de (Gilberto) Kassab e Rodrigo Pacheco. Essa mistura tem que ser arrumada daqui at� a pr�xima elei��o presidencial para que haja de fato uma alternativa que tenha credibilidade, que seja competitiva para frear esse retorno do ressentimento e, tamb�m, depende de sabermos se o Lula vai ser capaz de, minimamente, interromper esse processo de crise social que a gente est� vivendo.

 

Quais s�o as miss�es de Lula para evitar uma derrota para a direita na pr�xima elei��o?

O Lula tem que ser capaz de cumprir as promessas, as promessas b�sicas: ele vai ter que reduzir drasticamente a fome e a mis�ria, para poder produzir satisfa��o no lugar de insatisfa��o. � medida que ele faz isso, a popularidade dele sobe e o poder dele sobre o Congresso aumenta. Ele precisa melhorar a situa��o do emprego e da renda em geral, para todos os assalariados. N�o � uma tarefa f�cil, porque hoje o mundo todo lida com dois n�veis diferentes de crise.

Cada pa�s vive a sua crise � sua maneira, mas tem a crise estrutural, que tem a ver com as mudan�as no sistema e na organiza��o do trabalho, como j� falei, e a crise que decorre da dos abalos ainda da pandemia. Por muito tempo, as empresas fecharam por causa dos lockdowns. Ent�o voc� tem uma crise estrutural e uma crise conjuntural.

� muito complicado voc� conseguir separar e ser capaz de explicar para a popula��o a diferen�a entre os efeitos de cada uma delas. Quem est� desempregado n�o quer saber se ele foi desempregado por um rob� ou porque a empresa dele quebrou. Lula tem que resolver pelo menos parte dessa crise para gerar uma quantidade de satisfa��o suficiente nas classes m�dias e numa parte do setor empresarial para conseguir manter-se com legitimidade no poder e, a�, conseguir que a pr�xima elei��o n�o seja uma elei��o de revanche e de ressentimento. Quer dizer, novamente, um espa�o f�rtil para um candidato antipetista, anti-establishment, outro aventureiro, que pode at� n�o ser o Bolsonaro, se aproveite.

 

E quais os principais desafios do pr�ximo governo nesse sentido?

Acho que o Lula est� passando por uma situa��o in�dita, porque nenhum presidente da Rep�blica da hist�ria do Brasil teve que montar uma maioria antes de tomar posse e em um Congresso que vai desaparecer. S�o 192 deputados que n�o v�o voltar para a C�mara dos Deputados e Lula est� gastando uma enorme quantidade de capital pol�tico com a negocia��o pela PEC da Transi��o. � uma armadilha. O Bolsonaro colocou uma por��o de minas no caminho do Lula.

 

Ele j� sofre, antes de assumir, com cr�ticas por conta de sua pol�tica or�ament�ria. Como isso afeta a percep��o do governo Lula?

Acho que o problema n�o � nem tanto a cr�tica, mas mais as concess�es que ele est� tendo que fazer. Eu vejo o seguinte: o Lula fez uma promessa de que n�o seria um governo do PT, seria um governo da frente ampla e que teria um minist�rio plural e diverso com mulheres, negros, ind�genas. A� ele come�a sempre a fazer essa negocia��o in�dita antes de tomar posse, e a� tem que fazer concess�es. Ao mesmo tempo, quando ele vai vendo o grau de resist�ncia que est� enfrentando no Congresso, ele come�a a ser defensivo, ent�o ele come�a a se cercar das pessoas que ele confia. Voc� v� que, at� a aprova��o da PEC da Transi��o, todos os nomeados eram petistas ou fortemente simpatizantes ao partido.

Quando ele come�a a negociar concess�es ministeriais para aprovar a PEC da Transi��o, ele come�a a colocar nos minist�rios mais homens brancos, porque o Centr�o, esse n�cleo oportunista do Congresso, s� tem homem branco. Ap�s a aprova��o da PEC, a nomea��o de ministros como N�sia Trindade para a Sa�de, Anielle Franco para a Igualdade Racial e Silvio Almeida para os Direitos Humanos come�a a dar uma face nova ao governo.

 

O senhor tamb�m faz alguns alertas sobre a judicializa��o da pol�tica. Mas, no Brasil, o Judici�rio teve papel importante para frear arroubos antidemocr�ticos, principalmente nos �ltimos meses?

Eu acho que at� mais do que � importante, foi inevit�vel. Diante da captura da Procuradoria-Geral da Rep�blica e da C�mara dos Deputados, sobretudo a partir do or�amento secreto, praticamente todos os sistemas de pesos e contrapesos da democracia foram desativados. Sobraram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem um escopo de a��o limitado, e o Supremo Tribunal Federal (STF) – esse sim, que tem uma amplitude at� disfuncional.

No julgamento do or�amento secreto, por exemplo, o ministro Lu�s Roberto Barroso estava falando que o Supremo julga desde quest�es comezinhas at� grandes quest�es constitucionais. A nossa Constitui��o regula coisas que t�m a ver com pol�ticas p�blicas, inclusive ef�meras. A gente precisa desconstitucionalizar muita coisa. O primeiro movimento importante nesse sentido foi essa proposta do Lula, que est� sendo muito bem recebida de uma nova �ncora fiscal fora da Constitui��o, para que o debate de controle macroecon�mico n�o se torne um debate constitucional, que vai ser judicializado. Ent�o, tem uma amplitude disfuncional da judicializa��o no Brasil, mas ela n�o tem a ver, digamos, com um desejo de expans�o do poder do Judici�rio.

Ela tem a ver, basicamente, com um excesso de constitucionaliza��o da rotina do cotidiano brasileiro. Agora, por outro lado, � medida que todas as barreiras de defesa da democracia foram sendo derrubadas, o Supremo ficou sendo um foco de resist�ncia, a aldeia gaulesa do Asterix, os �nicos que resistem ao poder romano. Mas a judicializa��o efetiva tem uma contrapartida inevit�vel, que � a politiza��o do Judici�rio. Na primeira inst�ncia, inacredit�vel, voc� tem ju�zes e ju�zas na primeira inst�ncia que s�o bolsonaristas e que julgam de acordo com a cartilha de fake news e de teorias conspirat�rias. O que � um absurdo.

Essas pessoas devem ser afastadas pelo Conselho Nacional de Justi�a. Tem ju�zes  proibindo, por exemplo, que mulheres estupradas n�o possam interromper a gravidez, indo contra o que a lei permite por puro fanatismo e radicalismo extremista. No Supremo, a gente tamb�m tem sintomas da politiza��o. A atitude, por exemplo, do ministro Andr� Mendon�a, o "terrivelmente evang�lico" que o Bolsonaro nomeou. Ele � campe�o de pedir vistas. Ele est� segurando  quase 40 processos, interrompidos para desativar o exame do Supremo e beneficiar os interesses dos grupos ligados ao Bolsonaro e aos evang�licos.


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