Heran�a do bolsonarismo est� em jogo ap�s ataques em Bras�lia
Cientistas pol�ticos tentam decifrar como ser� disputado o eleitorado do ex-presidente Jair Bolsonaro ap�s invas�o ao Congresso, STF e Pal�cio do Planalto
Na classe pol�tica, movimentos d�bios deixam no ar quem herdar�, disputar� ou mesmo se h� um esp�lio do bolsonarismo (foto: Evaristo S�/AFP)
Desde que perdeu as elei��es, Jair Bolsonaro (PL) vive em um sil�ncio episodicamente interrompido por discursos com mensagens cifradas e sem refer�ncias diretas � situa��o do pa�s que deixou, nos dias finais de seu mandato, rumo aos Estados Unidos. A partir da posse de Luiz In�cio Lula da Silva (PT), ele se limita a publicar feitos do pr�prio governo nas redes sociais. Enquanto isso, no Brasil, a ala mais radical de seus apoiadores promoveu atos de vandalismo contra as sedes dos tr�s Poderes, em Bras�lia, provocou uma rea��o dura dos mesmos e acuou o movimento de seguidores do ex-presidente. Na classe pol�tica, movimentos d�bios deixam no ar algumas quest�es: quem herdar�, disputar� ou mesmo se h� um esp�lio do bolsonarismo em jogo.
Um dia ap�s os ataques em Bras�lia, Lula reuniu governadores ou representantes das 27 unidades federativas para uma reuni�o que teve como mote o compromisso dos l�deres estaduais com a defesa da democracia no pa�s. Mesmo os nomes mais ligados ao bolsonarismo compareceram ao encontro e fizeram parte de uma caminhada simb�lica com o petista, saindo do Pal�cio do Planalto at� o Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos os pr�dios ainda com as marcas da destrui��o recente.
Correligion�rio e apoiador do ex-presidente, Cl�udio Castro (PL) e o ex-ministro de Bolsonaro Tarc�sio de Freitas (Republicanos), governadores do Rio de Janeiro e S�o Paulo, respectivamente, estenderam a agenda na capital federal e tiveram encontros com Lula. “N�o teve constrangimento nenhum [...] Falei que com certeza estaremos juntos”, disse o governante fluminense a rep�rteres depois de conversar com o petista na ter�a-feira (10/11). Um dia depois, foi a vez de Tarc�sio, que comentou sobre a reuni�o: “Fui eleito por uma base bolsonarista, mas agora eu tenho que governar para todos, ent�o � natural que eu converse com o presidente da Rep�blica”.
Romeu Zema (Novo) esteve na reuni�o dos governadores, mas n�o teve uma agenda exclusiva com Lula. Assim como os outros governadores do Sudeste aliados a Bolsonaro, o mineiro tamb�m repudiou os atos de viol�ncia na capital federal, mas n�o deixou de fazer acenos ao eleitorado bolsonarista.
Em entrevista � Globo News, Zema ressaltou sua afinidade com o ex-presidente: “Gosto muito, mas deveria prezar pela democracia”, afirmou. � CNN Brasil, ele voltou a dialogar com sua base eleitoral, classificando o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), como uma medida ‘arbitr�ria’ do ministro do STF Alexandre de Moraes.
Nomes mais bem cotados para liderar
Para o cientista pol�tico Adriano Cerqueira, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e do Ibmec, Zema e Tarc�sio est�o entre os nomes mais bem cotados para liderar o eleitorado bolsonarista em 2026 e, por isso, eles t�m adotado uma postura cautelosa diante da viol�ncia ocorrida em Bras�lia.
O cientista pol�tico Adriano Cerqueira, professor da Ufop e do Ibmec, diz que Tarc�sio e Zema est�o entre nomes mais cotados (foto: Divulga��o)
“Eles precisam ficar pr�ximos de Bolsonaro e principalmente do eleitorado. Podem at� critic�-lo, como Zema costuma fazer, mas respeitando os valores pol�ticos do grupo. O cuidado que eles v�o precisar, ao mesmo tempo em que repudiam os atos de vandalismo, saber defender esse eleitorado que est� sob ataque, sendo chamado de terroristas e golpistas. � um momento em que este eleitorado est� muito sens�vel a quem os apoia, por isso � fundamental. O Tarc�sio mesmo anunciou que n�o iria se encontrar com Lula, a� voltou atr�s e foi. Eles est�o tateando o terreno. O Zema deve estar aguardando o melhor momento para conversar com o presidente. Talvez o novo Congresso assumir e a situa��o pol�tica se normalizar um pouco mais”, avalia.
Cerqueira acredita que o nome do senador eleito e ex-vice-presidente de Bolsonaro Hamilton Mour�o (Republicanos-RS) � mais controverso dentro do eleitorado bolsonarista. Com hist�rico de contradi��es em rela��o ao antigo companheiro de chapa, o general da reserva, no entanto, manifestou preocupa��o com os apelos de mais de 1,5 mil manifestantes presos ap�s vandalismo na capital federal.
“A deten��o indiscriminada de mais de 1.200 pessoas, que hoje est�o confinadas em condi��es prec�rias nas instala��es da Pol�cia Federal, em Bras�lia, mostra que o novo governo, coerente com suas ra�zes marxistas-leninistas, age de forma amadora, desumana e ilegal. O Brasil e as pessoas detidas esperam a��es r�pidas dos nossos parlamentares em mandato e das verdadeiras entidades ligadas aos direitos humanos”, escreveu Mour�o em seu perfil no Twitter.
"Temos um crescimento do conservadorismo no Brasil, isso acontece por raz�es como o envelhecimento da popula��o e tamb�m com o crescimento do eleitorado evang�lico"
Adriano Cerqueira, cientista pol�tico, professor da Ufop e do Ibmec
O professor da Ufop salienta que a forma��o do eleitorado bolsonarista faz parte de um movimento alheio � figura do ex-presidente, mas com valores que costumam alijar do jogo pol�tico quem tenta conquist�-lo em meio a cr�ticas a Bolsonaro. Isso deve ser levado em conta por quem tenta esse voto.
“N�s temos um crescimento do conservadorismo no Brasil, isso acontece por raz�es como o envelhecimento da popula��o. As pessoas quando ficam mais velhas ficam mais presas a tradi��es e tamb�m com o crescimento do eleitorado evang�lico e h� uma tend�ncia de eles abra�aram o conservadorismo. Por conta disso, Bolsonaro � muito mais uma consequ�ncia do que uma causa. Ele conseguiu saber representar esse eleitorado. Outros pol�ticos que tentaram pegar esse eleitorado de centro-direita e direita, mas fazendo oposi��o a Bolsonaro, como Jo�o D�ria (PSDB-SP) e o pr�prio S�rgio Moro (Uni�o Brasil-PR) perderam esse eleitorado”, destaca.
Movimento fragmentado
Ainda no calor dos acontecimentos, h� tamb�m quem avalie que o bolsonarismo passar� por mudan�as diante n�o apenas das repress�es aos atos de vandalismo, mas da mudan�a no governo federal por si s�. Para o cientista pol�tico Christian Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Pol�ticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), o momento de incertezas traz desafios aos que conseguiram sucesso pol�tico na onda do bolsonarismo.
H� tamb�m quem avalie que o bolsonarismo passar� por mudan�as diante n�o apenas das repress�es aos atos de vandalismo (foto: Sergio Lima/AFP)
“O bolsonarismo era uma esp�cie de catalisador desse neg�cio todo e a partir do momento em que voc� perde isso, cria outras lideran�as desvinculadas. Quando voc� tem uma tentativa de golpes, voc� tem uma condena��o imediata, uma deslegitima��o de todos os atores. E a� se cria uma situa��o complicada, porque existe uma parte do eleitorado que � golpista, mas ao mesmo tempo voc� tem uma resposta institucional, uma repulsa de dentro do pr�prio sistema e a toler�ncia passa a ser zero n�o s� do Judici�rio, mas do pr�prio Executivo quando se muda o governo”, avalia.
Para Lynch, o momento extremo vivido pelo Brasil no �ltimo domingo (8/1) cria uma situa��o de divis�o mesmo dentro do bolsonarismo ou da direita e � nesse cen�rio de cis�o que os herdeiros do legado pol�tico do ex-presidente tentam se equilibrar.
“Nesse momento, voc� tem uma distin��o entre os reacion�rios, os extremistas, a extrema-direita e uma tentativa de descolamento com os conservadores que se pretendem moderados ou institucionais. Entre eles est�o Mour�o, Zema e Tarc�sio. Eles ainda n�o sabem o quanto do voto deles est� ligado ao de Bolsonaro, ent�o eles ficam com um p� em cada lugar. O Zema fica com essa situa��o tamb�m”, aponta.
"Essas lideran�as est�o soltas"
Lynch tamb�m cita que parlamentares como Nikolas Ferreira (PL) vivem uma situa��o de tentar sobreviver diante de um cen�rio de responder �s demandas de parte do eleitorado radicalizado e, ainda assim, manter sua atua��o institucional. O mineiro, deputado federal mais votado do pa�s, est� na lista enviada pelo grupo de advogados Prerrogativas ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo impedimento de posse em 1º de fevereiro para quem apoiou ou incitou os atos em Bras�lia.
“Aparece tanto gente que vai tentar sobreviver, como aparecem pessoas querendo uma lideran�a de movimento de uma esp�cie de direita radical ‘limpinha’ ou uma direita que n�o seja radical. O Tarc�sio, por exemplo, fica flutuando, uma esp�cie de um novo (Paulo) Maluf. Essas lideran�as est�o soltas, aproveitando o eclipse do Bolsonaro como autoridade e est�o apostando tamb�m que ele v� ter que responder, que ele fique ineleg�vel. Eles n�o v�o dizer isso, mas � o que seria ideal para o futuro pol�tico deles.”
Segundo o cientista pol�tico, a institucionaliza��o de pol�ticos de direita e extrema-direita, que se deu a partir da elei��o de v�rios nomes do s�quito bolsonarista, dificulta a manuten��o de uma ret�rica beligerante, agressiva e ao mesmo tempo eficiente. Para tanto, Lynch elenca que fatores como a substitui��o do procurador-geral da Rep�blica em setembro ativam novamente o Minist�rio P�blico depois da passagem de Augusto Aras pelo cargo e se somam a um minist�rio da Justi�a do governo Lula e a um Judici�rio agindo ap�s ser atacado.
Momentaneamente sem lideran�a
“O bolsonarismo n�o depende da figura de Jair Bolsonaro. � a primeira coisa que temos que deixar clara. � um movimento fascista e, como todo movimento fascista, � de massa, popular, e, no caso brasileiro, se apoia, em especial, na popula��o do Centro-Oeste e Sudeste brasileiro, em cidades pequenas. Gente que seria mais ou menos classe m�dia de cidades absolutamente engolidas por uma cultura liderada pelo agroneg�cio”, define o cientista pol�tico Rud� Ricci, presidente do Instituto Cultiva.
Ricci segue apontando que, neste momento, n�o v� nenhuma figura com a capacidade de carisma e mobiliza��o de Bolsonaro para liderar o movimento, caso ele mesmo se ausente da disputa pol�tica. Segundo o cientista pol�tico, at� a primeira metade deste ano, esse posto ficar� vago, uma vez que os pol�ticos aliados ao ex-presidente n�o t�m um impacto nacional.
"Tarc�sio est� fazendo algumas manobras que o colocam mais no discurso da efici�ncia t�cnica do que na lideran�a carism�tica, sem capacidade populista de liderar as massas"
Rud� Ricci, cientista pol�tico e presidente do Instituto Cultiva
“Temos uma esp�cie de interregno que vai at� o fim deste semestre para definir quem vai ocupar esse espa�o. Mour�o � uma figura menor, ele n�o mobiliza ningu�m. No caso dos governadores, qual � o problema? O Zema n�o tem lideran�a nacional nenhuma e ele n�o tem entrada no Nordeste nem em S�o Paulo, � uma lideran�a regional. E a� n�s vamos para o Tarc�sio, que talvez seja o �nico nome cogit�vel, que governa o estado mais rico do pa�s e com o maior col�gio eleitoral. Ele tem mais condi��es de se projetar. O problema � que Tarc�sio est� fazendo algumas manobras que o colocam mais no discurso da efici�ncia t�cnica do que na lideran�a carism�tica, sem capacidade populista de liderar as massas”, avalia.
Seguindo o mesmo racioc�nio, o cientista pol�tico argumenta que dificilmente algum parlamentar da base bolsonarista seria al�ado a uma lideran�a nacional. Entre os deputados, a semana p�s-vandalismo em Bras�lia tamb�m foi de diferentes comportamentos.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, por exemplo, votou a favor da interven��o federal na Seguran�a P�blica do Distrito Federal, decretada por Lula depois dos atos golpistas. Por outro lado, os deputados federais mineiros Nikolas Ferreira (PL) e Marcelo �lvaro Ant�nio (PL) mostraram disposi��o em seguir empunhando bandeiras bolsonaristas.
Rea��o aos atentados em Bras�lia
Ambos os parlamentares miraram os ataques no ministro da Justi�a e Seguran�a P�blica, Fl�vio Dino. �lvaro Ant�nio pediu a exonera��o do nome escolhido por Lula para a pasta por prevarica��o. Nikolas foi al�m e acionou o STF pela pris�o do ministro, alegando omiss�o intencional durante os ataques a Bras�lia. O pedido foi rejeitado por Alexandre de Moraes.
Avaliando os pr�ximos passos da pol�tica brasileira, Rud� Ricci acredita que as elei��es municipais de 2024 ser�o um momento crucial para determinar a for�a do bolsonarismo nas disputas eleitorais seguintes. Ele aponta que as lideran�as de movimentos bolsonaristas, como os acampamentos e os ataques a Bras�lia, envolvem parte do empresariado, do agroneg�cio, dos militares e de igrejas, especialmente evang�licas, que j� est�o se mobilizando para as disputas nas cidades.
“Para o bolsonarismo chegar em 2026 disputando, eles precisam passar pelo pit stop das elei��es municipais. Se eles conseguirem muitos prefeitos, eles n�o dependem mais do clientelismo do Centr�o. Eles passam a ter uma for�a com alta capilaridade, porque ter muitos prefeitos significa muitos cabos eleitorais para formar deputados no pr�ximo pleito. Para eles fazerem muitos prefeitos, teremos muita mobiliza��o para forma��o de lideran�as at� o fim deste ano. Eu acho que ainda vamos ter muita bagun�a ao longo de 2023”, conclui.