
Ao ser nomeado interventor federal na Seguran�a P�blica do Distrito Federal, em meio � mais alta tens�o na Esplanada, com o pa�s sob amea�a � democracia, Ricardo Capelli foi para o front. Homem de confian�a do ministro da Justi�a, Fl�vio Dino, Capelli esteve pessoalmente na coordena��o para debelar os atos terroristas na Esplanada, tendo de comandar a PM.
Em entrevista exclusiva ao CB.Poder Especial — parceria entre Correio Braziliense e TV Bras�lia, relata os momentos cr�ticos, mas garante que agora a situa��o est� estabilizada. "Tenho absoluta seguran�a de que vamos desmontar essa organiza��o criminosa que tentou dar um golpe de Estado."
Aponta ainda para fatos que evidenciam a sabotagem no plano operacional para aquele domingo, 8 de janeiro. Um deles, o do ex-ministro da Justi�a do governo de Jair Bolsonaro, Anderson Torres, ser o secret�rio de Seguran�a, em viagem ao exterior, no dia.
Quando foi nomeado para ser interventor, qual foi a miss�o que o ministro Fl�vio Dino passou ao senhor?
A situa��o est� normalizada aqui no Distrito Federal. As pessoas podem ter confian�a de que o comando foi restabelecido. N�s temos plena confian�a na Pol�cia Militar (PMDF), na Pol�cia Civil (PCDF), no Corpo de Bombeiro (CBMDF), nas for�as de seguran�a do Distrito Federal. Aquele momento foi de muita tens�o. A miss�o que eu recebi do ministro Fl�vio Dino e do presidente Lula foi direta: restabelecer o comando das for�as de seguran�a e encerrar rapidamente aqueles eventos lament�veis que ocorreram na tarde/noite do dia 8.
Qual foi a situa��o que o senhor encontrou naquele momento?
Primeiro eu reuni o comando. Levantamos o n�mero de homens dispon�veis em campo naquele momento e quantos poder�amos mobilizar. Determinei que todos os comandantes fossem comigo para a esplanada, para comandarmos a tropa diretamente no campo, e foi isso que fizemos. Encontramos o comando da tropa bastante aflito, eu diria at� um pouco atordoado, em fun��o daqueles eventos inimagin�veis. Naquele momento, a Pol�cia Militar fazia uma linha defensiva na altura do Minist�rio da Justi�a e andamos com a linha em dire��o � Rodovi�ria. O nosso objetivo era esvaziar a Esplanada e prender o m�ximo poss�vel de golpistas e pessoas que atentaram contra o Estado Democr�tico de Direito. Subimos com a tropa at� o Setor Militar Urbano. Na porta do local houve uma pondera��o do Ex�rcito, atrav�s do general Dutra, comandante militar do Planalto, que seria mais adequado o desmonte dos acampamentos no dia seguinte, porque, � noite, poderia gerar algum n�vel de enfrentamento. Quer�amos fazer tudo com a mais absoluta paz e tranquilidade, com o m�nimo de confrontos.
J� no seu comando foi conclu�da aquela opera��o e realmente come�aram a ser realizadas pris�es e retirada dos terroristas dos pr�dios p�blicos?
Isso. Quando eu entrei a linha j� estava montada na altura do Minist�rio da Justi�a, e fomos andando. A tropa estava com postura defensiva. Fazer com que consegu�ssemos andar para esvaziar ao m�ximo (o local) e prender tamb�m aqueles que atentavam contra o Estado Democr�tico de Direito foi um desafio.
Ent�o, houve mudan�a de uma postura mais defensiva para uma mais en�rgica?
Estavam numa linha defensiva protegendo o Congresso Nacional, o Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, os manifestantes continuavam muito agitados e ainda depredando o local. Ent�o, pedimos que eles avan�assem rapidamente — com refor�o na retaguarda — para que pud�ssemos esvaziar a Esplanada e prender o m�ximo poss�vel de pessoas que estavam atentando contra o Estado Democr�tico de Direito.
Nesse momento o comando do Ex�rcito manda soldados para essa opera��o?
N�o. Na verdade, a comunica��o com o Ex�rcito se d� na entrada do Setor Militar Urbano, diretamente com o General Dutra, comandante militar do Planalto. Ele fez uma pondera��o de que seria mais adequado entrarmos l� para desmontar o acampamento no dia seguinte, pela manh�, que seria a forma mais eficiente de fazer, sem gerar confronto e maiores sequelas.
Uma an�lise � de que isso acabou permitindo que muitas dessas pessoas que estavam l� conseguissem fugir e evitassem ser presas. O senhor acha que isso aconteceu?
O nosso objetivo central foi cumprido. O foco era desmontar o acampamento, que funcionou — e as informa��es s�o objetivas — como uma incubadora de planos golpistas e atentados contra o Estado Democr�tico de Direito. Desmontar aquele acampamento era o nosso objetivo central e a miss�o foi cumprida. O acampamento foi desmontado, foram todos encaminhados para a Pol�cia Federal, presos e identificados. Inclusive, aquela pris�o e a identifica��o est�o servindo de instrumento, auxiliando na instru��o dos outros inqu�ritos. A partir da identifica��o e da pris�o, recolhemos muitas informa��es que est�o auxiliando nos demais inqu�ritos.
O senhor acha que essa interven��o deve permanecer at� 31 de janeiro, como previsto, ou ser� necess�rio prorrog�-la ou at� mesmo antecip�-la?
Estou cumprindo uma miss�o que me foi dada pelo presidente da Rep�blica, a princ�pio at� o dia 31, mas essa avalia��o cabe a ele e ao ministro Fl�vio Dino.
Numa linha do tempo, como pode resumir a situa��o desde quando assumiu, em 8 de dezembro at� agora?
N�s tivemos uma fase cr�tica, que foi na tarde/noite do dia 8 Diria que ela foi at� a quarta-feira (11/1). Ap�s o evento, tivemos o desmonte do acampamento em 9 de janeiro, a montagem de toda opera��o de identifica��o e pris�o na Academia Nacional de Pol�cia da Pol�cia Federal em 9 e 10 de janeiro, e houve um an�ncio de uma nova logo no dia 11, a qual nos obrigou a fazer uma grande e exemplar opera��o da Pol�cia Militar, do Corpo de Bombeiros, do Detran e da Pol�cia Civil. Ent�o, at� quarta-feira (11/1), vivemos o momento mais cr�tico e de maior tens�o. A partir de quinta-feira (12/1), viemos trabalhando na estabiliza��o das for�as de seguran�a. A PMDF est� muito machucada e nada feliz com o que aconteceu. Temos 44 policiais militares feridos em combate. � uma institui��o bicenten�ria e valorosa. Tenho reafirmado o tempo inteiro plena confian�a na PMDF. Nosso trabalho, desde ent�o, foi estabilizar a nossa rela��o com o comando das for�as e isso temos feito com muito �xito. A partir de agora, come�amos a aprofundar as investiga��es para compreender melhor o que aconteceu, por que aconteceu e quem s�o os respons�veis.
O senhor acha que houve erro do governador Ibaneis Rocha? Qual a palavra que imputaria a essa situa��o? A nomea��o de Anderson Torres � a raiz do problema?
N�o me parece coincid�ncia que Anderson Torres, ex-ministro da Justi�a de Jair Bolsonaro, tenha assumido a Secretaria em 2 de janeiro, trocado o n�cleo da Secretaria Seguran�a P�blica (SSP-DF), viajado, e esse evento inaceit�vel tenha acontecido em 8 de janeiro. O Supremo Tribunal Federal (STF) assim entendeu tamb�m, por isso, decretou a pris�o do ex-secret�rio, e as investiga��es est�o em curso e v�o comprovar. A minha hip�tese � que n�o se tratou de uma coincid�ncia. � bom registrar que o senhor Anderson Torres s� estaria de f�rias a partir da segunda-feira (9/1). Ent�o, no dia 8, a responsabilidade pela Secretaria de Seguran�a P�blica do Distrito Federal ainda era, formalmente, do senhor Anderson Torres.
O senhor acha que h� clima para que o governador Ibaneis Rocha volte nesse prazo de 90 dias de afastamento?
N�o me cabe essa avalia��o. O que eu posso afirmar � que, desde o momento que assumi, tenho contado com a colabora��o de todos os membros do Governo do Distrito Federal (GDF). No acampamento que foi montado na Academia Nacional de Pol�cia, precisamos de apoio. O GDF, atrav�s do secret�rio Gustavo Rocha (Casa Civil), forneceu alimenta��o e todo o apoio log�stico que foi solicitado. O secret�rio Valter Casimiro (Secretaria de Transporte E Mobilidade) nos apoiou com �nibus para que n�s pud�ssemos fazer os transportes. O secret�rio Wenderson Teles (Administra��o Penitenci�ria do Distrito Federal) nos prestou todo o apoio na quest�o das unidades prisionais para onde os presos foram encaminhados. A governadora em exerc�cio, Celina Le�o, tem tido uma postura absolutamente colaborativa. Ent�o, o que eu posso dizer � que o Governo do Distrito Federal tem nos apoiado desde o primeiro momento. Estamos aqui para cumprir uma miss�o espec�fica que nos foi dada pelo presidente da Rep�blica e pelo ministro Fl�vio Dino. Nesse sentido, o GDF tem colaborado.
A vice-governadora em exerc�cio j� sinalizou que vai pedir ao ministro Fl�vio Dino e ao governo federal uma indica��o de algu�m para assumir a Secretaria de Seguran�a P�blica do DF ap�s a interven��o. Qual deve ser o perfil do seu sucessor?
A responsabilidade por essa escolha � dos representantes legitimamente eleitos pelo povo do DF. A eles cabe essa escolha. Claro que o DF, em fun��o de ter aqui todo o aparato do governo federal, tem sempre uma interlocu��o muito pr�xima com o governo federal. Ent�o, o que eu posso dizer � que o Minist�rio da Justi�a estar� pronto a colaborar, a manter a mais perfeita sintonia com os representantes legitimamente eleitos pelo povo do DF.
O senhor acha que deve ser novamente outro delegado da Pol�cia Federal? Essa esfera tem condi��es de legitimidade para isso?
Volto a dizer que essa � uma escolha que cabe aos eleitos pelo povo do Distrito Federal. N�o me cabe opinar sobre isso. O que eu posso afirmar � que, do ponto de vista do Minist�rio da Justi�a e do governo federal, queremos estreitar cada vez mais o relacionamento e a coopera��o interfederativa. Essa interven��o s� ocorreu porque aconteceu uma quebra de confian�a na rela��o interfederativa. N�s recebemos at� o dia as informa��es de que tudo estava garantido. Houve uma inseguran�a, uma quebra de confian�a e a interven��o foi feita. Essa confian�a est� sendo restabelecida. O Minist�rio da Justi�a voltar� a ter o seu papel e temos plena confian�a que o GDF, apoiado nas for�as de seguran�a, poder� conduzir a seguran�a de maneira exitosa.
As maiores cr�ticas e as maiores responsabiliza��es se voltaram para a conduta da PMDF no dia dos atos. E a Pol�cia Civil? O senhor acha que a Pol�cia Civil tamb�m falhou?
A responsabilidade pelo policiamento ostensivo � da PMDF. A PCDF tamb�m instaurou o inqu�rito na sua corregedoria para apurar eventuais falhas e comportamentos inadequados dos policiais civis, assim como a Pol�cia Militar j� abriu inqu�ritos, e nesta segunda-feira (16/1) abriu o quinto inqu�rito para apurar eventuais condutas inadequadas de homens da sua for�a nos eventos acontecidos no dia 8. Mas volto a dizer que tenho plena confian�a nas pol�cias Militar e Civil do Distrito Federal.
Quais ser�o os pr�ximos passos desse caso?
As investiga��es est�o em curso e eu acredito que, daqui para frente, num espa�o curto de tempo, teremos uma sequ�ncia de a��es, como consequ�ncia das investiga��es. Quem lidera esse processo � a Pol�cia Federal, que fez a maior mobiliza��o de peritos da sua hist�ria. H� uma for�a imensa da Pol�cia Federal dedicada a coletar provas, a levantar todos os ind�cios, e eu tenho absoluta seguran�a de que vamos desmontar essa organiza��o criminosa que tentou dar um golpe de estado no Brasil. � uma organiza��o criminosa, que vai desde o financiamento e, segundo as investiga��es est�o apurando, vai at� a presen�a de homens profissionais no campo de batalha. Esse foi um relato grav�ssimo que eu recebi de homens da PMDF e que estamos apurando. Tenho absoluta convic��o de que a Pol�cia Federal, liderada pelo doutor Andrei (Rodrigues), vai desbaratar essa organiza��o criminosa. Do ponto de vista do Governo do Distrito Federal, a Pol�cia Civil tamb�m tem apoiado a Pol�cia Federal no levantamento de informa��es, sendo, nesse momento, uma for�a complementar ao trabalho que t� sendo feito pela Pol�cia Federal.
Qual o fato mais estarrecedor quando assumiu essa fun��o e descobriu o que se passava aqui?
O que mais chocou a mim e a popula��o foi vermos a sede dos Tr�s Poderes, patrim�nio cultural, da democracia e hist�rico do Brasil violentado, agredido, atacado de forma odiosa. Aquilo que aconteceu foi inaceit�vel. Ouvi os relatos das pessoas que trabalharam no planejamento do 1º de janeiro, e s�o de que o corpo central da Secretaria de Seguran�a P�blica virou noites aqui fazendo um planejamento minucioso da opera��o que garantiu com muito sucesso, de maneira exemplar, a posse do presidente Lula — uma posse que era cercada de expectativa e com algum n�vel de tens�o tamb�m. Me chamou aten��o isso: para o dia 1º uma dedica��o exemplar, uma opera��o exitosa, e n�o houve nada semelhante para 8 de janeiro. Sete dias depois, o comando da secretaria trocado, o secret�rio viajando e a coisa absolutamente tratada de forma, no m�nimo, negligente.
O senhor acha que, apesar desse epis�dio, a autonomia pol�tica do DF ser� preservada? Tamb�m pode falar sobre a federaliza��o das for�as de seguran�a daqui?
Queria tranquilizar a popula��o. Tamb�m sou um pouco brasiliense, tenho uma filha de 12 anos, nascida aqui em Bras�lia, j� vivi aqui por 13 anos. Tamb�m sou apaixonado por essa cidade. Queria tranquilizar a popula��o de Bras�lia de que temos total comando das for�as de seguran�a e de que a situa��o est� estabilizada. Com rela��o � autonomia pol�tica, at� agora, esse n�o � um debate posto. A reflex�o que est� sendo feita nesse momento � sobre a necessidade de o governo federal possuir maior capacidade de interven��o em momentos cr�ticos, porque o governo federal n�o possui uma tropa que seja acionada diretamente em momentos cr�ticos. A forma que esse debate vai ganhar n�o est� clara. Ainda estamos ouvindo diversas pessoas. O pr�prio ministro Fl�vio Dino est� conduzindo isso com o presidente Lula, mas � muito prov�vel que a tend�ncia � que haja alguma evolu��o. A forma n�o est� clara, mas ficou evidente a necessidade de que o governo federal possa intervir diretamente para garantir a seguran�a dos poderes constitu�dos aqui na capital.
*Colaborou Carlos Silva, estagi�rio sob supervis�o de Malcia Afonso