
Diversas teorias sobre o que poderia acontecer passaram a circular nas redes sociais. Algumas mensagens previam a pris�o de Lula antes da cerim�nia de transmiss�o do cargo, enquanto outras confabulavam sobre um golpe militar em planejamento — algumas postagens anunciavam, inclusive, que as For�as Armadas j� estariam nas ruas.
Mas nada do que foi relatado se aproximava minimamente da realidade. Da mesma forma, as v�rias teses sobre fraude nas urnas, encorajadas em diversos momentos por autoridades do pr�prio governo, n�o passavam de teorias da conspira��o.
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Parte dos internautas que compartilham esse conte�do e se recusam a aceitar o resultado do pleito foi mais al�m.
Eles organizaram protestos e acampamentos diante de quart�is em v�rios Estados para instar os militares a impedir a posse de Lula — e protagonizaram as cenas de viol�ncia do �ltimo domingo (8/1), quando invadiram e depredaram os pr�dios do Pal�cio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) em Bras�lia.
Em novembro, viralizou ainda um v�deo em que alguns desses militantes atribu�am ao programa de estudos geof�sicos americano Haarp (High Frequency Active Auroral Research Program) — criado pela For�a A�rea e Marinha dos EUA e a Universidade do Alasca — uma tentativa de boicotar os atos golpistas ao alterar o clima e fazer chover em seu acampamento.

O Haarp � frequentemente alvo de boatos e teorias conspirat�rias — n�o s� no Brasil, como tamb�m no exterior —, que classificam o projeto como uma esp�cie de arma usada para a cria��o de tempestades, furac�es ou terremotos ao redor do mundo, �s vezes com fins pol�ticos e eleitorais. As especula��es foram tantas que as For�as Armadas americanas deixaram o programa em 2014.
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E n�o � incomum que as pessoas propagando essa ideia tamb�m desconfiem de outras teses cient�ficas, acontecimentos mundiais e decis�es pol�ticas, tal como a origem da vacina contra covid-19.
Mas, afinal, o que leva algu�m a crer em narrativas que preveem compl�s ou sugerem tramas secretas como essas? E como a psicologia explica a rela��o entre cren�as t�o distintas, como a teoria de que a elei��o foi manipulada, a ida do homem � Lua foi encenada e outras tantas que circulam no meio conspirat�rio?
Busca por respostas
A psic�loga Karen Douglas, professora da Universidade de Kent, no Reino Unido, se dedica h� anos ao estudo desse tema. Segundo ela, as pessoas s�o atra�das por teorias da conspira��o quando uma ou mais necessidades psicol�gicas s�o frustradas.
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"A primeira dessas necessidades � epist�mica, ou seja, a demanda por sempre conhecer a verdade e ter clareza e certeza sobre as coisas", explica Douglas � BBC News Brasil.
"As outras necessidades s�o as existenciais, ou aquelas que est�o relacionadas � busca por se sentir seguro e ter algum controle sobre o que acontece ao nosso redor; e as sociais, que est�o relacionadas � necessidade de manter nossa autoestima e nos sentirmos positivos em rela��o aos grupos a que pertencemos."
"Isso significa que qualquer um pode ser v�tima de teorias da conspira��o se suas necessidades psicol�gicas n�o forem atendidas em um determinado momento", observa.
Justamente por isso, muita gente tende a buscar respostas e uma suposta sensa��o de seguran�a nas teorias da conspira��o em momentos de maior instabilidade, como durante a pandemia de covid-19 ou em elei��es extremamente polarizadas.
Uma s�rie de estudos mostram ainda que as explica��es fornecidas pelas tramas especulativas �s vezes satisfazem mais as necessidades por explica��o do que fatos concretos e elucida��es cient�ficas.
Isso porque, segundo Douglas e outros estudiosos, para muita gente, apenas grandes causas e teorias podem explicar fatos que desencadeiam um forte impacto em suas vidas — quando, na verdade, muitos dos acontecimentos t�m causas mundanas ou de pequena propor��o.
Da mesma forma, muitas pessoas possuem inclina��es a identificar padr�es baseados em eventos passados, sem que haja nenhuma base para sustentar algum tipo de repeti��o ou tend�ncia futura.
'Mentalidade conspirat�ria'
Existe, por�m, uma outra corrente da psicologia que defende que alguns indiv�duos tendem a acreditar mais em teorias da conspira��o do que outros.
Trata-se da chamada "mentalidade conspirat�ria", que � entendida quase como um tra�o de personalidade que, quando presente, faz com que seu portador tenha maior tend�ncia a acreditar em novas teorias.
"Essa teoria foi testada de diversas formas, e os estudos mostram que a melhor forma de prever se algu�m vai acreditar em uma teoria da conspira��o, � se ela j� acredita em outras", diz Quassim Cassam, professor da Universidade de Warwick, no Reino Unido, e autor do livro Conspiracy Theories ("Teorias da Conspira��o", em tradu��o livre).

Segundo o especialista, a discuss�o sobre a origem dos tra�os de personalidade, e inclusive da "mentalidade conspirat�ria", � bastante controversa.
"Mas, de forma geral, os estudiosos do tema acreditam que sejam determinados por uma combina��o entre gen�tica e ambiente", explica.
"Ou seja, uma pessoa pode nascer com uma predisposi��o a acreditar em teorias da conspira��o e ver a mesma ser fortalecida ou enfraquecida pelo ambiente em que se desenvolveu."
Para Cassam, a hip�tese que relaciona a tend�ncia de acreditar em teorias da conspira��o a necessidades psicol�gicas falha em explicar por que algumas pessoas se envolvem muito mais com as teses do que outras.
"Todos n�s temos essas necessidades em alguns momentos, ent�o por que s� alguns entram no mundo das conspira��es?", questiona.
O fil�sofo afirma, por�m, que � importante avaliar tamb�m os aspectos pol�ticos. Segundo ele, a identifica��o com algum espectro pol�tico pode influenciar em que tipo de teoria da conspira��o uma pessoa acredita.
"De forma geral, as pessoas tendem a acreditar nas teorias da conspira��o que apoiam ou expressam suas pr�prias ideologias pol�ticas", explica.

"No Brasil, por exemplo, a grande maioria das pessoas que acreditam que houve fraude nas elei��es s�o apoiadoras de Jair Bolsonaro. Essa teoria se encaixa perfeitamente em um discurso pol�tico e � usada como uma arma no debate".
Segundo Joseph Uscinski, cientista pol�tico especializado na �rea, o uso de teorias da conspira��o ou narrativas falsas com fundo especulativo � bastante comum no universo eleitoral.
"Costumo dizer que teorias da conspira��o s�o para os perdedores", diz o professor da Universidade de Miami, nos EUA.
"Sempre houve quem tentasse usar acusa��es de fraude para reverter a derrota, mas isso est� se tornando mais comum atualmente."
E para Uscinski, alega��es como essa ganham ainda mais for�a e s�o mais prejudiciais quando difundidas por l�deres pol�ticos com influ�ncia para convencer parte da popula��o de suas ideias.
"N�o creio que as pessoas estejam mais conspirat�rias atualmente do que no passado e nem h� evid�ncias para acreditar nisso. Mas, cada vez mais, l�deres pol�ticos est�o usando ret�ricas conspirat�rias e populistas para atrair apoiadores."
'Disson�ncia cognitiva coletiva'
O escritor e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Jo�o Cezar de Castro Rocha estuda h� alguns anos o fen�meno das teorias da conspira��o e desinforma��o no Brasil.
Para o especialista, h� no pa�s hoje um contexto bastante particular e prop�cio para a dissemina��o de teorias da conspira��o.
Castro Rocha chama o cen�rio atual de "disson�ncia cognitiva coletiva", um termo criado por ele para descrever a cren�a de alguns grupos em teorias conspirat�rias que distorcem o contexto pol�tico brasileiro.
"Existem hoje no pa�s centenas ou milhares de pessoas presas 24 horas por dia e sete dias por semana em um sistema bolsonarista de informa��o que basicamente criou uma realidade paralela", diz ele.
O professor explica que, no Brasil, h� ainda uma diferen�a importante entre o que pode ser classificado como teoria da conspira��o e as chamadas fake news.
"Fake news s�o mentiras empregadas retoricamente para obter um efeito pol�tico. Elas geralmente partem de uma verdade e a distorcem, n�o s�o totalmente delirantes."
"J� as teorias conspirat�rias s�o algo mais complexo, s�o um conjunto dessas fake news organizado de modo a expressar uma certa vis�o de mundo, que geralmente � lac�nica, demoniza o outro e � intolerante a qualquer tipo de diversidade", observa.

Para Anthony Lemieux, professor da Universidade do Estado da Ge�rgia, nos EUA, e especialista em movimentos extremistas, esse � um ponto importante das teorias conspirat�rias: elas costumam estabelecer uma rivalidade entre dois grupos opostos.
"H� um longo hist�rico de grupos que criam uma esp�cie de separa��o dos demais, sempre 'n�s versus eles'. Mas atualmente esses grupos est�o se tornando mais transnacionais e emergindo cada vez mais", avalia.
"O mundo est� caminhando para os extremos e, com isso, discursos e ret�ricas conspirat�rias est�o ganhando mais espa�o."
Como ajudar algu�m que cr� em teorias da conspira��o?
Para quem tem parentes, amigos ou conhecidos envolvidos com teorias da conspira��o, especialistas elaboraram ao longo dos anos algumas orienta��es que podem ajudar.
Todos recomendam, primeiramente, sempre tratar as pessoas com respeito e calma, lutando contra qualquer impulso de desdenhar delas ou question�-las de forma agressiva.
� interessante incentivar o pensamento cr�tico sobre as fontes de informa��o. Pessoas que acreditam em teorias da conspira��o tendem a demonstrar ceticismo em rela��o �s fontes oficiais.
Uma boa t�tica � tentar ajud�-las a aplicar essa mesma desconfian�a aos meios de informa��o, postagens e "especialistas alternativos" que acompanham.
�s vezes, as perguntas tamb�m podem ser mais eficazes do que as afirma��es, dizem os especialistas.
"Focar nas t�ticas e t�cnicas usadas pelas pessoas que promovem a desinforma��o � uma forma mais eficaz de abordar essas conversas do que tentar desmascarar as informa��es", afirmou � BBC Claire Wardle, da First Draft, organiza��o sem fins lucrativos que luta contra a desinforma��o.
Por�m, os estudiosos do tema sempre advertem que � preciso calma, j� que para aqueles que confiam de forma profunda nas teorias de conspira��o, deix�-las de lado pode ser um processo bastante longo.
"Seja realista sobre o que voc� pode alcan�ar", disse o psic�logo Jovan Byford, professor da Open University, � BBC.
"As teorias da conspira��o incutem nos crentes um senso de superioridade. � um importante gerador de autoestima — o que os torna resistentes a mudan�as."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64230992