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Estado de Minas EXIGIRAM CONTRAPARTIDA

Fam�lias pobres s�o enganadas e pagam para receber cisternas sob Bolsonaro

Contrato de R$ 15 milh�es previa instala��o de 3.012 cisternas em cinco munic�pios mineiros contemplados em conv�nio


29/01/2023 23:51 - atualizado 30/01/2023 11:14

Modelo de cisterna implantada pelo governo federal
Modelo de cisterna implantada pelo governo federal (foto: Divulga��o/Ag�ncia Brasil)
Fam�lias pobres que vivem em comunidades isoladas no semi�rido mineiro tiveram de pagar para serem beneficiadas pelo Programa de Cisternas do governo federal, cujo or�amento j� inclu�a todas as despesas relacionadas.

O contrato, de R$ 15 milh�es, previa a instala��o de 3.012 cisternas em cinco munic�pios contemplados por um conv�nio firmado entre o Cons�rcio Inframinas, que re�ne prefeituras da regi�o, e o ent�o Minist�rio da Cidadania, ainda durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

A partir do conv�nio, uma entidade privada sem fins lucrativos com sede em Alagoas, a Ceapa (Central das Associa��es de Agricultura Familiar), foi contratada para executar as obras. O conv�nio, por�m, n�o previa contrapartida das fam�lias benefici�rias, uma vez que elas vivem em situa��o de vulnerabilidade social.

Enganados, os moradores disseram � reportagem que precisaram pedir dinheiro emprestado para bancar parte da constru��o das cisternas --tecnologia social que armazena �gua da chuva para consumo.

Algumas desistiram de participar do programa por causa da dificuldade financeira.

Ap�s questionamento da reportagem na �ltima semana, o minist�rio, rebatizado de Integra��o e Desenvolvimento Regional com a posse de Luiz In�cio Lula da Silva no dia 1º, informou que, diante da gravidade do caso, iria suspender a entidade respons�vel pela cobran�a.

A dire��o da Ceapa disse � Folha que cobrou a contrapartida dos moradores porque considerou inicialmente que as prefeituras iriam arcar com parte dos custos das obras. Como n�o houve essa contribui��o, disse, se viu obrigada a pedir a participa��o dos benefici�rios.

Ap�s questionamentos, afirmou que passou a ressarcir os benefici�rios.

Entre os moradores que tiveram que assumir os custos est� o casal Eva Pereira Silva, 54, e Ant�nio Aguimar da Silva, 60, de Vertente, uma das comunidades isoladas de Cora��o de Jesus (a 450 km de Belo Horizonte), munic�pio contemplado pelo conv�nio.

Eles deixaram de investir R$ 870 que emprestaram do banco na planta��o de capim e prepara��o do solo, tendo em vista a cria��o de animais, para acessar o Programa de Cisternas.

O dinheiro acabou sendo usado na compra de cinco metros de areia lavada e na contrata��o de um ajudante de pedreiro que pudesse abrir um buraco no solo --cujo espa�o servir� para acomodar a cisterna de 16 mil litros.

Essa foi a condi��o estabelecida pelos representantes do conv�nio para que as fam�lias entrassem no programa.

Al�m de comprar a areia e, em alguns casos, complementar o material com alguns sacos de cimento, as fam�lias tiveram que trabalhar como ajudantes do pedreiro contratado pela empresa e fornecer a alimenta��o dele.

Quem n�o tivesse condi��es de fazer o servi�o, por alguma quest�o de idade ou sa�de, deveria pagar um servente.

Para economizar tempo e dinheiro, o casal Silva acabou pegando na enxada e ajudando a terminar a escava��o. Quando a reportagem da Folha esteve na casa deles, em novembro passado, fazia quase quatro meses que eles haviam comprado a areia e pouco mais de um m�s que haviam aberto o buraco.

S� que, at� a publica��o desta reportagem, a cisterna n�o havia sido constru�da e parte da areia j� havia ido embora com a chuva.

A reportagem ouviu mais dez fam�lias em comunidades isoladas de Cora��o de Jesus e S�o Jo�o da Lagoa. Todos confirmaram a cobran�a de contrapartida.

Entre as fam�lias ouvidas h� os que j� abriram o buraco e est�o � espera das cisternas, os que pediram dinheiro emprestado para arcar com as despesas e os moradores que n�o tiveram condi��es de entrar com a contrapartida e foram exclu�dos do programa.

"S� o frete para trazer a areia at� aqui � R$ 400, e cada metro de areia custa R$ 150. Como � que voc� vai pagar quatro metros e meio de areia? Fica caro demais. A� eu falei: vamos desistir", lamentou o morador Jos� Ant�nio Pereira da Silva, 27, que vive com a mulher e tr�s filhos pequenos na comunidade Mocambo 2, em Cora��o de Jesus.

Apenas R$ 200 seriam depositados na conta das fam�lias benefici�rias para arcar com a despesa da alimenta��o. A contrapartida foi anunciada em reuni�es que ocorreram nas comunidades.

Segundo moradores de Cora��o de Jesus, essas reuni�es ocorreram entre meados de julho e setembro, na presen�a do prefeito, Robson Adalberto Mota Dias (PL), o Robinho Dias, e do seu irm�o, Ronaldo Soares Mota Dias, que j� foi prefeito de S�o Jo�o da Lagoa e Cora��o de Jesus e � secret�rio-executivo do Cons�rcio Inframinas. Outro irm�o, Carlos Alberto Mota Dias (PL), � prefeito hoje de S�o Jo�o da Lagoa.

O Minist�rio da Cidadania ficou respons�vel por quase a totalidade do conv�nio, de R$ 15 milh�es. No sistema Mais Brasil, do governo federal, consta que R$ 12,6 milh�es desse montante j� foram desembolsados.

O conv�nio � um dos 11 divulgados em um edital de justificativa para dispensa de licita��o publicado pelo Minist�rio da Cidadania em 2021. Desses, apenas seis foram para frente.

A dispensa de concorr�ncia p�blica foi justificada pela condi��o de extrema pobreza do p�blico atendido pelo programa. Segundo o pr�prio edital de justificativa, 647 mil fam�lias rurais n�o contam com nenhum meio adequado de acesso � �gua no semi�rido.

As prefeituras e cons�rcios de munic�pios que firmaram os conv�nios ficaram respons�veis por contratar as entidades que construiriam as cisternas.

Essa contrata��o deveria ocorrer por meio de chamamento p�blico (procedimento feito pelo poder p�blico para executar projetos em parceria com ONGs ou entidades privadas sem fins lucrativos).

Apenas as entidades credenciadas no Minist�rio da Cidadania poderiam concorrer. H� pelo menos 151 entidades credenciadas, sendo 10 em Minas Gerais.

O termo de contrato de presta��o de servi�o, firmado pelo Inframinas, diz que a Ceapa deveria "disponibilizar os recursos f�sicos, humanos e materiais necess�rios para garantir a perfeita execu��o dos servi�os", entre outras atribui��es. Em nenhum momento o contrato fala que o p�blico benefici�rio deve contribuir financeiramente.

Segundo M�rcia Muniz, membro do Servi�o de Assessoria a Organiza��es Populares Rurais --organiza��o que participou do Programa de Cisternas na Bahia desde os anos 2000--, as fam�lias n�o devem assumir nenhuma despesa nesse tipo de a��o.

Nas comunidades do interior mineiro, moradores ouvidos pela reportagem n�o participaram de nenhuma sele��o para obter o benef�cio.

Os que compareceram �s reuni�es com representantes da Ceapa ficaram sabendo informalmente por meio de grupos de WhatsApp ou por algum vizinho. Os que j� receberam as cisternas disseram que n�o passaram por capacita��o para fazer o uso adequado da �gua.

Em audi�ncia que ocorreu em novembro na C�mara de Cora��o de Jesus, o vereador Gleisson Ferreira Leite (Patriota) comentou que foi procurado por aproximadamente 20 fam�lias que estavam com dificuldades para bancar o valor exigido pela entidade.

"Quando vi a plaquinha na cisterna, estava escrito �gua Para Todos, Governo Federal, P�tria Amada Brasil. Mas que 'P�tria Amada Brasil' � essa que a pessoa tem que pagar metade?", comentou o vereador.

Jos� Romildo da Silva Soares, um dos moradores ouvidos pela reportagem, disse: "Na primeira reuni�o, eles falaram que tinha que pagar. Na segunda, o povo perguntou o porqu�. A justificativa deles foi a de que no Nordeste, onde eles est�o acostumados a construir essas caixas, tem a areia lavada e em Minas n�o tem".

Ap�s a visita da reportagem ao local e discuss�o do caso na C�mara Municipal de Cora��o de Jesus, a Ceapa reuniu moradores de algumas comunidades e prometeu ressarcir a contrapartida exigida. Moradores disseram que receberam R$ 700 --o que j� inclui os R$ 200 prometidos para bancar a alimenta��o do pedreiro. O valor, por�m, n�o cobre todas as despesas que as fam�lias tiveram.

A Ceapa enviou � Folha na �ltima semana nove comprovantes de ressarcimentos.

OUTRO LADO

Questionada pela Folha, a Ceapa, contratada para construir as cisternas em Minas, disse que o valor repassado pelo governo federal era baixo e precisou recorrer �s prefeituras das localidades beneficiadas para executar as obras.

"Foi acordado que os munic�pios ajudariam a custear as despesas mencionadas, tendo em vista o aumento gigantesco dos materiais. Como os munic�pios n�o ajudaram, a entidade identificou o erro e o corrigiu a tempo, repassando o que era devido a cada fam�lia, sanando assim a inconsist�ncia", disse a entidade � reportagem.

A dire��o da Ceapa enviou � reportagem comprovantes de ressarcimento no valor de R$ 700 pagos a nove benefici�rios, um relat�rio da capacita��o para gest�o da �gua que ocorreu na comunidade de Esporas e cinco listas de oficinas de capacita��o.

A Ceapa afirma que em cada um dos munic�pios atendidos foram formadas comiss�es com representantes do poder p�blico, C�mara Municipal, igreja e dos agricultores para fazer a sele��o das fam�lias a partir da lista do Cadastro �nico para Programas Sociais, o Cad�nico.

A entidade disse que ainda n�o foi intimada sobre a decis�o do minist�rio de suspender o contrato.

O Minist�rio da Integra��o Regional afirmou que a cobran�a foi ilegal e que a entidade ser� suspensa e poder� ser descredenciada, conforme as regras desse tipo de conv�nio federal.

A atual gest�o tamb�m atribuiu ao governo anterior o desembolso de recursos mesmo diante da constata��o de cobran�a irregular no ano passado.

At� o momento, foram entregues 590 cisternas de placas de 16 mil litros, o que representa 19,6% da meta total de 3.012 cisternas previstas no plano de trabalho.

O ex-ministro da gest�o Bolsonaro Ronaldo Vieira Bento disse que o minist�rio fez uma avalia��o dos contratos envolvendo o Programa de Cisternas e que o relat�rio apontou irregularidades apenas em contratos firmados em governos anteriores.

"A gente vinha fazendo um acompanhamento constante justamente pelos problemas que vieram l� de tr�s", relatou. Bento afirmou na �ltima semana que n�o tinha detalhes referentes ao conv�nio firmado em Minas Gerais.

O Cons�rcio Inframinas afirmou que nenhuma cobran�a deveria ter sido feita �s fam�lias e que tomou conhecimento das "supostas irregularidades" durante visita t�cnica de membros do minist�rio em outubro passado.

A institui��o afirma que seus membros n�o participaram das reuni�es nas quais ocorreram as cobran�as.

O Inframinas defende que cumpriu todos os requisitos da legisla��o com rela��o � publica��o do edital, mas que a Ceapa foi a �nica que demonstrou interesse em participar do certame.

O prefeito Robson Adalberto Mota Dias, de Cora��o de Jesus, disse que a �nica responsabilidade da prefeitura no conv�nio era organizar as reuni�es comunit�rias com as fam�lias cadastradas no Cad�nico.

Os avisos ocorreram por meio de presidentes das associa��es de moradores e agentes de sa�de. Os crit�rios de sele��o, por�m, seriam responsabilidade da entidade executora, no caso, a Ceapa.

"N�o sei dizer se o contrato prev� contrapartida. O que me disseram � que o programa era desse jeito. Se [o recurso] tivesse vindo para a prefeitura executar, eu saberia", disse.

O prefeito de S�o Jo�o da Lagoa, Carlos Alberto Mota Dias, tamb�m afirmou que n�o houve acordo para que a prefeitura entrasse com recurso pr�prio no conv�nio. A �nica compet�ncia do munic�pio era a de mobilizar as comunidades rurais.

A reportagem foi produzida em parceria com o Google a partir de cole��es de documentos publicadas na ferramenta Pinpoint


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