
Aprovado em 2019, o Plano Diretor de Belo Horizonte volta � discuss�o quase quatro anos ap�s a defini��o dos par�metros que regularizam a ocupa��o da capital mineira. Isso porque, no in�cio de mar�o, a prefeitura enviou um Projeto de Lei (PL) � C�mara Municipal que altera o mecanismo de Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC).
A proposta causa cis�o na casa legislativa e p�e em debate pesquisadores do tema (arquitetos e urbanistas) com o Executivo e o setor da constru��o civil. Arquitetos e urbanistas apontam, entre outros problemas, que haver� um adensamento no Centro e uma queda na arrecada��o de verbas com fins sociais.
As construtoras admitem que vai haver essa concentra��o, mas ponderam que isso � bom para a cidade; a prefeitura nega que isso v� ocorrer e diz que a receita para os cofres p�blicos obtida com a altera��o ser� bem maior. Entenda o que est� em disputa nessa discuss�o, que pode ter um desfecho hoje, com a vota��o do projeto no plen�rio da C�mara.
Assinado pelo prefeito Fuad Noman (PSD), o PL 508/2023 prev� uma altera��o, dentro dos limites da Avenida do Contorno, na cobran�a da Outorga Onerosa do Direito de Construir. Esse � um instrumento previsto no Plano Diretor da capital para viabilizar a constru��o acima do permitido pelo coeficiente de aproveitamento b�sico. O projeto diminui pela metade a cobran�a a partir deste mecanismo na �rea Centro-Sul de BH.
O coeficiente de aproveitamento b�sico � o valor que determina quantas vezes � poss�vel construir tomando como base a �rea de um terreno. Antes do atual plano diretor, o territ�rio belo-horizontino era dividido em v�rios coeficientes de aproveitamento, mas a lei atual prev� um coeficiente �nico de 1,0 para toda a cidade. Isso significa que o propriet�rio tem direito de construir exatamente a �rea do terreno: em um lote de 100 m², � poss�vel construir 100m². Essa regra passou a valer no m�s passado, ap�s respeitar um per�odo de transi��o de tr�s anos para plena aplica��o do novo plano diretor.
Exceder o limite determinado pelo coeficiente de aproveitamento b�sico, no entanto, � poss�vel a partir de mecanismos que ampliam o potencial de constru��o, sendo os mais comuns a OODC e a Transfer�ncia do Direito de Construir (TDC). Esses instrumentos permitem multiplicar o coeficiente de aproveitamento em at� cinco vezes a �rea do terreno, mas exigem que se pague por isso.
A TDC � comprada pelas construtoras junto a propriet�rios de im�veis tombados. Na pr�tica, se compra potencial de aproveitamento relativo � �rea daquela edifica��o que, legalmente, deve ser mantida intacta. � uma negocia��o entre entes privados e os valores s�o definidos por eles.
A OODC, por sua vez, tem um valor pr�-estabelecido pelo munic�pio, a quem � destinado seu pagamento. Os valores arrecadados atrav�s desse mecanismo devem ser utilizados em melhorias na cidade, como urbaniza��o de vilas e favelas, obras vi�rias e constru��o de moradias populares. O PL enviado pela prefeitura � C�mara Municipal altera justamente a f�rmula que determina o valor cobrado pela outorga onerosa.
O PL prop�e uma altera��o na Lei 11.216/2020, que determina a f�rmula de cobran�a da OODC. O valor da outorga vigente � de 0,5 vezes a multiplica��o do coeficiente de aproveitamento a ser praticado mediante �nus financeiro pela �rea do terreno e o valor do metro quadrado do terreno. Caso o PL seja aprovado, dentro da Avenida do Contorno passa-se a efetuar essa conta com o valor de 0,25 no lugar de 0,5. Ou seja, a cobran�a cai pela metade.
Os efeitos do projeto, que ir� a plen�rio hoje na C�mara Municipal, s�o os causadores da diverg�ncia na cidade. Movimentos populares acreditam que o valor mais barato da outorga onerosa significar� queda no potencial para melhorias na cidade e investimento em moradia; organiza��es de arquitetos e urbanistas avaliam que a medida vai contra a proposta de descentraliza��o da cidade e trar� problemas � regi�o que j� � a mais adensada da cidade. Construtoras consideram a proposta um aprendizado do per�odo de transi��o e uma adequa��o do mecanismo da outorga �s regras de mercado. J� a prefeitura cr� que tal adequa��o aumentar� a arrecada��o para obras na cidade.
O que dizem as construtoras
Em entrevista � reportagem, o presidente do Sindicato da Ind�stria da Constru��o Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Renato Michel, avaliou o projeto de lei positivamente. Segundo ele, a proposta corrige uma mudan�a que afetava de forma mais radical a regi�o dentro da Avenida do Contorno. “O maior coeficiente b�sico era de 2,7 na regi�o dentro da Avenida do Contorno. Ent�o reduzir para 1,0 � uma mudan�a radical e profunda. Houve um prazo de transi��o de tr�s anos para que ela vigorasse e, durante esse per�odo, foram usados os par�metros do novo plano, mas preservando os coeficientes antigos”, recorda.
Nas contas das construtoras, portanto, para se atingir o potencial m�ximo de constru��o o potencial de aproveitamento a ser adquirido saiu de 2,7 at� 5,0 para 1,0 at� 5,0. Isso significa a necessidade de pagar mais para aumentar a �rea constru�da al�m do coeficiente b�sico. Michel, que � engenheiro civil, explica que, nesse cen�rio, a maioria das construtoras optou por obter esse potencial de aproveitamento a partir da Transfer�ncia do Direito de Construir. O PL, portanto, tornaria a outorga onerosa uma op��o atrativa.
Para o engenheiro, a proposta de reduzir a cobran�a da outorga onerosa tamb�m favorece os compradores dos im�veis, j� que o valor pago para aumentar o potencial de constru��o entra na conta final repassada aos consumidores. Ele conclui dizendo que o PL � uma adapta��o �s novas bases do plano diretor e que a cidade ainda tem a ganhar com a concentra��o de suas atividades na �rea central.
“L�gico que, daqui a alguns anos, podemos rever isso. Estamos aprendendo a trabalhar com o coeficiente �nico e a prefeitura foi muito inteligente nessa fase de aprendizado. A constru��o vai acontecer na cidade como um todo, mas � l�gico que dentro da Avenida do Contorno � uma �rea muito desejada, faz sentido porque � onde se tem mais infraestrutura. BH tem um adensamento muito pequeno comparado com outras metr�poles mundiais”, diz.
O que dizem os especialistas
Na �ltima segunda-feira, um grupo de 29 arquitetos, urbanistas e pesquisadores de diferentes universidades e institutos brasileiros apresentou na C�mara Municipal um estudo em que questionam as altera��es propostas pela prefeitura para o plano diretor. A nota t�cnica destaca a falta de embasamento t�cnico, a ren�ncia fiscal e os conflitos com princ�pios, determina��es e diretrizes.
“O plano diretor � uma pe�a chave no planejamento urbano do munic�pio. A primeira vers�o foi aprovada em 1996, antes mesmo da cria��o do Estatuto da Cidade, que ocorreu em 2001. Ent�o, n�s n�o tivemos a chance de incorporar muitos pontos que constam nesta norma que estabelece as diretrizes gerais”, ponderou Jupira Mendon�a, professora aposentada da UFMG.
O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG), Silvio Romero Fonseca Motta, questionou a falta de transpar�ncia da prefeitura. Segundo ele, al�m de n�o responder ao pedido feito via Lei de Acesso � Informa��o (LAI), o Executivo municipal n�o divulga os valores dos contratos a receber. O documento afirma tamb�m que o �rg�o n�o apresentou nenhuma an�lise para embasar a mudan�a na outorga onerosa, considerada um dos principais mecanismos do plano diretor.
“A solicita��o desses estudos foi feita pelo IAB-MG, que n�o obteve resposta. Em janeiro de 2023, o corpo t�cnico da Subsecretaria de Planejamento Urbano (Suplan) publicou uma nota contr�ria � altera��o. H� estudos t�cnicos? Se sim, quem os realizou?”, questionou o grupo.
Os principais impactos negativos do projeto apontados pelos pesquisadores s�o a redu��o do investimento p�blico devido � ren�ncia fiscal gerada pelo desconto na OODC e o aumento de moradias no centro – na contram�o da determina��o de descentraliza��o, estabelecida no Plano Diretor. “O PL 508 � muito grave. Faz uma ren�ncia de arrecada��o inexplic�vel e desvirtua o plano diretor, sem passar pelo processo de participa��o que a lei exige”, disse o urbanista Roberto Andr�s.
O que diz a prefeitura de BH
A Prefeitura de Belo Horizonte aponta que a proposta n�o altera o Plano Diretor da capital por n�o interferir diretamente na lei que o instituiu, mas na que trata especificamente sobre os par�metros da Outorga Onerosa do Direito de Construir. Ainda segundo o Executivo da capital, o projeto que atualmente tramita na C�mara � uma forma de aumentar a arrecada��o atrav�s da OODC.
“Nos �ltimos anos, considerando o per�odo de transi��o do Plano Diretor, foram gerados 285.500 m² de Unidades de Transfer�ncia do Direito de Construir (UTDC), estimando um valor de cerca de R$ 262 milh�es, sem gerar receita ao munic�pio. No mesmo prazo, a arrecada��o com a OODC gerou recursos de apenas R$ 2 milh�es”, diz a PBH em nota.
A partir do PL 508/2023, a prefeitura espera ter uma arrecada��o anual de aproximadamente R$ 53 milh�es com a a outorga onerosa. Segundo a PBH, o valor obtido pelo mecanismo ser� utilizado integralmente em melhorias na cidade.
Em entrevista ao Estado de Minas, Fuad Noman reiterou a ideia de que a mudan�a trar� mais recursos aos cofres p�blicos e afirmou que a redu��o do coeficiente de aproveitamento b�sico de 2,7 para 1,0 na �rea interna da Avenida do Contorno j� � um empecilho para intensificar o adensamento da cidade na regi�o central. O prefeito fez uma analogia para justificar o projeto de lei. Para Fuad, cobrar mais barato pela outorga onerosa viabilizar� o instrumento por torn�-lo adequado � l�gica de mercado.
“Simplificando: h� duas lojas que vendem pastel. Uma vende past�is bons e gostosos a R$ 1; a outra, os mesmos past�is, bons e gostosos a R$ 2. Qual voc� compra? O de R$ 2 vai quebrar. � o que aconteceu com a prefeitura at� agora. Estamos baixando (a outorga), sim, para ser competitivo, vender e arrecadar dinheiro para fazer casa popular”.