
Com o cancelamento da viagem do presidente brasileiro Luiz In�cio Lula da Silva � China, a assinatura de ao menos 20 acordos bilaterais j� negociados entre os dois pa�ses ficar� adiada por tempo indeterminado.
“Contratempos acontecem, como aconteceu. De qualquer forma, quando o presidente estiver restabelecido, n�s ficamos aguardando o governo chin�s. Quando o governo chin�s tiver preparado e estiver com a agenda dispon�vel, certamente ser� remarcado e vamos assinar todos os acordos e memorandos”, afirmou o ministro da Agricultura, Carlos F�varo, o �nico do primeiro escal�o do Executivo brasileiro a ir ao pa�s asi�tico.
De acordo com F�varo, entre os acordos acertados h� avan�os importantes em novos protocolos sanit�rios para o agroneg�cio, a coopera��o para o lan�amento do sat�lite de monitoramento territorial Cbers 6 e a cria��o de um mecanismo bilateral para avan�ar agendas de meio ambiente e desenvolvimento sustent�vel.
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O ministro da Agricultura se adiantou � comitiva presidencial porque pretendia negociar a queda do embargo chin�s � carne bovina brasileira, ocorrida h� quase um m�s em decorr�ncia de um caso da doen�a da vaca louca. O embargo caiu e outros quatro novos frigor�ficos brasileiros receberam licen�a para exportar para a China.
A visita de Lula ao presidente Xi Jinping havia sido anunciada h� meses, deveria durar cinco dias e incluir um jantar com o l�der chin�s, uma visita � Assembleia Popular Nacional da China e um ato cerimonial na Pra�a da Paz Celestial. Lula seria o primeiro aliado estrangeiro convidado por Xi a visitar o pa�s desde sua recondu��o a um terceiro mandato, uma defer�ncia da diplomacia chinesa.
Havia ainda a expectativa de que o presidente brasileiros participasse de um f�rum de neg�cios com os cerca de 200 empres�rios que compunham a comitiva, al�m de uma visita � sede do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos BRICS, em Shangai, a ser presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff. Segundo o Itamaraty, a visita tinha a pretens�o de “refundar” as rela��es entre os dois pa�ses.
Por�m, a viagem que ocorreria entre os dias 26 e 31 de mar�o, acabou cancelada depois que o presidente Lula foi diagnosticado com uma broncopneumonia causada por bact�rias e pelo v�rus da gripe A. Diante do risco de transmiss�o para outras pessoas e de um agravamento de seu quadro cl�nico - dada a longa viagem de avi�o em cabine pressurizada - a equipe m�dica do Planalto recomendou o cancelamento do compromisso.
Na manh� deste domingo em Pequim, o governo chin�s se pronunciou sobre o cancelamento. “A parte chinesa manifesta compreens�o e respeito, expressa cumprimentos ao presidente Lula e deseja sua r�pida recupera��o”, afirmou o porta-voz, sem, no entanto, fazer qualquer men��o a uma nova data para o compromisso.
O cancelamento � um desfecho frustrante para uma agenda diplom�tica cercada por expectativas altas tanto do Brasil quanto da China. Prova disso � que, horas antes do an�ncio do cancelamento, o jornal oficial China’s Daily publicou um artigo do chanceler brasileiro Mauro Vieira em que ele prometia que o encontro levaria as duas na��es a um novo patamar na sua chamada “parceria estrat�gica”.
Questionado sobre os preju�zos da aus�ncia de Lula, F�varo tentou minimizar.
"Todos os acordos que seriam assinados na ter�a-feira (quando Lula e Xi se encontrariam) ser�o (firmados) em poucos dias, logo na sequ�ncia. N�o vejo grandes problemas. Claro que a gente ficaria muito feliz de, antes dos 100 dias (de governo), j� estar com tudo isso anunciado, mas vai ser muito em breve. E n�o vai deixar de ter bons resultados agora”, disse F�varo.
Segundo ele, as centenas de empres�rios brasileiros que vieram � China agora ser�o novamente convidados quando o encontro entre Xi e Lula se concretizar.
Parte do empresariado expressou frustra��o com a aus�ncia de Lula - mas � muito prov�vel que a maioria deles volte a atravessar o mundo nas pr�ximas semanas, quando uma nova visita for agendada. Isso porque o capitalismo chin�s � fortemente dependente do Estado e os neg�cios com executivos daquele pa�s tendem a ser facilitados quando Pequim chancela politicamente a lideran�a estrangeira e sua entourage empresarial.
Al�m disso, no caso do agroneg�cio, � o Minist�rio da Agricultura do Brasil quem envia � China uma lista dos frigor�ficos cujos neg�cios cumprem os requisitos t�cnicos para acessar o mercado consumidor chin�s. Segundo F�varo, a lista � enviada por ordem cronol�gica de pedidos, mas o governo de Xi pode escolher a quem franquear acesso sem cumprir a ordem.
Neste domingo, um caf� da manh� promovido por F�varo contou com a presen�a desde produtores m�dios a gigantes do agroneg�cio nacional, como os irm�os Joesley e Wesley Batista, executivos do grupo J&F, controlador do frigor�fico JBS e Marcos Molina, da BRF.
Na aus�ncia de Lula, os irm�os Batista, que, em 2017, delataram ter pago propina a centenas de pol�ticos brasileiros, se tornaram alvo de tietagem dos pares de menor porte, sendo cercados para fotos no hotel.
Sorridentes, atenderam com paci�ncia aos pedidos, mas se recusaram a comentar com a imprensa qualquer detalhe sobre a visita.
A China � atualmente o maior mercado consumidor da J&F. Em rara exposi��o p�blica, no fim da tarde, os irm�os Batista caminharam de seu hotel, na zona mais nobre da capital chinesa, at� a Embaixada Brasileira em Pequim, para detalhar em reuni�o ao Embaixador Marcos Galv�o seu plano de exporta��o para o pa�s.

N�o � s� commodity
Em termos geopol�ticos, por�m, a China de 2023 espera que o Brasil seja mais do que um exportador de commodities. E isso n�o deve mudar, a despeito do adiamento.
“A China mudou, � hoje um ator global muito mais ativo e propositivo, e o presidente Lula sabe disso”, afirmou um assessor presidencial brasileiro.
Em 2004, quando Lula foi � China pela primeira vez como presidente do Brasil, acompanhado por mais de 400 empres�rios e pol�ticos, Pequim via no Brasil um parceiro capaz de ajudar a viabilizar seu plano de desenvolvimento. Naquele momento, o governo chin�s pretendia mover 300 milh�es de seus habitantes do campo para as cidades at� 2020 e se via diante do risco de escassez de alimentos.
“A gente pode prover a comida que a China n�o puder mais produzir por si mesma”, disse � �poca o ent�o ministro da Agricultura de Lula, Roberto Rodrigues.
Cinco anos mais tarde, a China passaria a ser o maior parceiro comercial do Brasil gra�as, em grande parte, � compra de cerca de 80% da produ��o de soja brasileira, cuja safra mais que dobrou desde ent�o.
Muito mais poderosa economicamente do que em 2023, a China agora se v� mais isolada globalmente do que h� duas d�cadas. “A China precisa dos amigos, est� isolada no relacionamento com os grandes. Da� o Brasil ser relevante”, afirmou � BBC News Brasil o ex-embaixador do Brasil na China Marcos Caramuru.
Preocupa aos chineses n�o s� o fortalecimento da posi��o americana na Europa, com a coes�o e a expans�o da Organiza��o do Tratado do Atl�ntico Norte (Otan) ocorrida desde a invas�o da Ucr�nia pela R�ssia, como a expans�o de sua influ�ncia na �sia.
Em janeiro, americanos e japoneses expandiram sua coopera��o militar para a �rea espacial. Em fevereiro, o presidente americano Joe Biden O presidente dos EUA Joe Biden anunciou um cronograma acelerado para a Austr�lia receber seus pr�prios submarinos movidos a energia nuclear no in�cio da pr�xima d�cada - apenas a segunda vez na hist�ria em que os americanos transferem sua tecnologia at�mica. E ainda no m�s passado, as Filipinas liberaram os EUA a utilizar quatro de suas bases militares. Todos movimentos para conter poss�veis a��es militares da China em rela��o � Taiwan, cuja autonomia os EUA reconhecem.
A China tem reagido a isso tentando exercer com mais assertividade o que tem sido chamado de “diplomacia transacional”: o gigante se move com vistas a interesses pragm�ticos, decidindo sua posi��o caso a caso, sem professar uma cartilha de princ�pios ou valores.
Na rec�m lan�ada Global Civilization Initiative, a China afirma que os pa�ses “devem se abster de impor seus pr�prios valores ou modelos aos demais e de alimentar confrontos ideol�gicos”. Trata-se de uma cr�tica direta ao tipo de lideran�a global exercida pelos Estados Unidos, o principal antagonista da China no cen�rio global.
Nas �ltimas semanas, a China deu mostras de que pretende assumir um novo protagonismo no mundo.
O caso mais emblem�tico foi a media��o de Pequim para o restabelecimento de rela��es diplom�ticas entre Ir� e Ar�bia Saudita, rompidas desde a revolu��o isl�mica do primeiro, em 1979. Os EUA monitoravam com tens�o a escalada de hostilidades entre os dois inimigos no Oriente M�dio e j� havia alertado para o risco de uma corrida armamentista nuclear. Ao levar sauditas e persas de volta � mesa, os chineses desarmaram a bomba - e podem argumentar que sua atua��o diplom�tica tornou o mundo um lugar mais pac�fico.
� tamb�m em torno da paz que gira o segundo exemplo de a��o diplom�tica chinesa. Em sua primeira viagem internacional ap�s a recondu��o ao terceiro mandato, Xi Jinping foi � R�ssia com a alegada inten��o de mediar a paz entre Putin e a Ucr�nia.
As iniciativas chinesas s�o consideradas cinicas pelos EUA, mas se encaixam na multipolaridade e na coopera��o sul-sul que o Brasil e, especialmente, o governo Lula defendem.
“Um Brasil mais independente e altivo, autor de suas decis�es, � algo importante para a China”, afirma um embaixador brasileiro.