
De Buenos Aires, onde integrava a comitiva presidencial na Argentina, Janja telefonou para o Brasil e questionou integrantes do governo sobre essa aus�ncia de fun��o dentro do gabinete do marido.
De volta a Bras�lia, a primeira-dama cobrou explica��es, segundo relatos obtidos pela reportagem.
Consultados informalmente sobre a viabilidade legal, auxiliares do presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) apresentaram ressalvas � designa��o de um cargo para Janja sob pena de ser caracterizado como nepotismo.
Ainda durante o per�odo de transi��o do governo, houve discuss�o a respeito da equipe que apoiaria Janja e tamb�m de aspectos jur�dicos sobre a cria��o de um cargo. Mesmo que sem remunera��o, a cria��o de uma secretaria especial com uma equipe subordinada ela —como chegou a ser aventado— poderia exigir a aprova��o de um projeto no Congresso Nacional.
N�o � toa, a MP (medida provis�ria) que foi enviada ao Parlamento em 1º de janeiro n�o previa nenhum posto espec�fico para a primeira-dama.
A interlocutores, Janja confessou sua contrariedade, perguntando se teria que rasgar a certid�o de casamento para exercer uma atividade pol�tica no Brasil.
Em fevereiro, na antessala de Lula, ela abordou o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, para contestar as restri��es impostas � cria��o dessa fun��o. Tamb�m segundo relatos, Costa lembrou ser economista e disse que o ministro da Justi�a, Fl�vio Dino, que estava sentado ao seu lado, � quem entenderia de assunto.
Na contram�o da avalia��o dos colegas de Esplanada, Dino opinou a favor da reda��o de um decreto permitindo que ela exer�a um trabalho volunt�rio, dentro da Presid�ncia. O ministro da Justi�a chegou a apresentar um estudo � primeira-dama.
Em mar�o, foi divulgada a informa��o de que Janja comandaria um gabinete de A��es Estrat�gicas em Pol�ticas P�blicas. A primeira-dama publicou nas redes sociais uma foto com a ministra Esther Dweck (Gest�o) e dizia na legenda que o encontro serviu para "encaminhamentos sobre a cria��o" do gabinete.
Com o aval jur�dico de Dino, Dweck esbo�ou um desenho de estrutura em que o gabinete de Janja ficaria atrelado ao gabinete pessoal de Lula e haveria remanejamento de cargos, ou seja, n�o seria criado nenhum novo posto do ponto de vista or�ament�rio.
Por�m, segundo relatos de quem acompanha o assunto de perto, integrantes da Casa Civil e AGU (Advocacia Geral da Uni�o) disseram a Lula que, mesmo que a primeira-dama n�o recebesse sal�rio, o fato de ser nomeada para uma estrutura do Pal�cio do Planalto, faria dela, na pr�tica, uma funcion�ria p�blica.
Isso significa que ela ficaria exposta e sujeita a investiga��o por parte de �rg�os de controle, como TCU (Tribunal de Contas da Uni�o), CGU (Controladoria Geral da Uni�o), da pr�pria Justi�a —sem ter foro privilegiado—, al�m de poder ser convocada para falar no Congresso.
Segundo aliados, estes foram os argumentos que levaram Lula, h� cerca de 15 dias, a suspender, mesmo que temporariamente, o plano de criar o gabinete para a mulher.
O temor do presidente � o de que advers�rios usem a figura da primeira-dama para atingi-lo, num momento em que o Congresso abre uma s�rie de CPIs que podem mirar a��es do governo.
Al�m disso, h� o receio por parte de Lula de que a mulher fique excessivamente exposta e se torne alvo de investiga��es judiciais.
Mesmo sem defini��o, Janja desempenha papel decisivo no governo Lula. De Pequim, falou diretamente com o ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta, sobre o impacto da taxa��o dos importados.
Durante a sua conversa com o ministro, Lula passou o telefone para a mulher, recomendando que ela fosse ouvida sobre a incid�ncia de imposto. Segundo relatos, Janja alegou que a medida afetaria o eleitorado do presidente, entre eles pobres e influenciadores.
Na quarta-feira (19), a reportagem encaminhou � Secom perguntas sobre a formata��o dessa estrutura, incluindo seus aspectos legais, mas n�o obteve resposta.
Especialista em direito administrativo, Marilene Matos afirma que, aplicada ao p� da letra, a legisla��o vedaria a participa��o de Janja em reuni�es t�cnicas sem que ela ocupe fun��o formal.
Segundo a advogada, a s�mula vinculante do STF (Supremo Tribunal Federal) que define a pr�tica de nepotismo n�o se aplica � nomea��o para cargos de natureza pol�tica. A n�o remunera��o tamb�m afastaria essa tipifica��o.
Marilene Matos afirma ainda que, na administra��o p�blica, novas estruturas n�o s�o criadas por decreto. Dependem de aprova��o no Congresso Nacional, como � o caso da medida provis�ria que estabelece a nova configura��o da Esplanada dos Minist�rios.
Mas gabinetes podem ser formatados com o remanejamento de assessores de dentro da estrutura pr�-existente. Ela ressalta que, para al�m da legisla��o espec�fica, existem os princ�pios que regem a administra��o p�blica, como os da efici�ncia, impessoalidade e moralidade.
"O poder do presidente n�o � ilimitado", afirma.
Mariana Chiesa, doutora em direito do estado pela USP e professora da FGV, afirma que a legisla��o e o entendimento do STF afastam a incid�ncia de nepotismo em cargos ou fun��es n�o remunerados.
Segundo ela, "h� um reconhecimento generalizado da relev�ncia social e pol�tica inerente � posi��o da pessoa casada com o chefe do Poder Executivo, a qual decorre da simples associa��o � figura presencial, e da desejabilidade da fun��o c�vica que pode estar associada a ela".
Por isso, defende que, em vez de simplesmente buscar negar esse papel, seja feita a regula��o mais clara desta fun��o.
"A n�o previs�o de remunera��o afasta o nepotismo (no formato previsto hoje) e muitos problemas de conflito de interesses. Mas � poss�vel discutir outros aspectos, por exemplo, os limites que devem ser observados no exerc�cio dessa fun��o (que pode ser esvaziada de poder decis�rio)", afirma.
A advogada afirma que seria importante o debate em torno desse formato de representa��o sem remunera��o da primeira-dama no contexto contempor�neo, "j� que ela teria diversos impedimentos para exercer outras atividades econ�micas de forma aut�noma".