
Com mais de 70% das emendas individuais deste ano j� empenhadas neste in�cio de segundo semestre, os parlamentares mineiros seguem uma tend�ncia nacional quando o assunto � o destino desse dinheiro. Por lei, metade da verba deve ir para a sa�de e o restante � de livre emprego pelos deputados e senadores. O Estado de Minas mostra, a partir de levantamento feito nos sistemas de informa��o do Legislativo Federal, quais as �reas mais atendidas pelas emendas e tamb�m traz depoimentos de deputados e especialistas no tema para debater como essa modalidade de execu��o do or�amento � gerida no pa�s e as principais implica��es do modelo para a realidade brasileira.
A divis�o por �rea das emendas aponta para uma destina��o preferencial para �reas em que h� certa urg�ncia na demanda ou em que os valores repassados s�o facilmente percept�veis em obras p�blicas ou compras de equipamentos, por exemplo. Em conversa com a reportagem, parlamentares ratificaram a percep��o e associam diretamente os pedidos em suas regi�es de impacto eleitoral � destina��o das verbas.
O deputado governista Odair Cunha (PT) explica que a escuta dos anseios da regi�o onde o parlamentar consegue mais votos � determinante para estabelecer os pedidos de emenda e a justificativa de suas destina��es tanto em rela��o � �rea de atua��o como � geogr�fica. “A distribui��o das emendas leva em conta o conjunto de demandas que chegam das entidades assistenciais, prefeituras, c�maras municipais, ou seja, a partir de um processo de escuta de onde voc� atua. A partir dessa escuta se v� o que pode ser atendido e como pode ser atendido. A aloca��o dos recursos ocorre dentro de programas e projetos do governo federal e a partir das demandas que nos chegam do nosso estado”, comentou.
Em outro espectro pol�tico, mas coadunando com o discurso do petista, o deputado Domingos S�vio (PL) tamb�m comentou os par�metros que determinam como a verba recebida do governo federal � distribu�da geograficamente e por �rea de atua��o. “A demanda buscando o apoio dos deputados � maior por parte da sa�de, da educa��o, da seguran�a p�blica, porque essas s�o as grandes demandas da sociedade. N�o que ci�ncia e tecnologia ou cultura n�o sejam importantes, mas entre atender uma pessoa doente ou investir na educa��o, n�s deputados atendemos a demanda mais urgente. O cobertor � curto, ent�o temos que balancear. Outros investimentos, investimentos nos meios, est�o mais ligados a uma pol�tica de governo”, disse o parlamentar.
Domingos S�vio ressaltou ainda que as emendas s�o um direito constitucional dos parlamentares e apontou que a imposi��o do pagamento de um valor fixado e igual entre os congressistas � um mecanismo importante para n�o politizar a distribui��o do dinheiro e atrel�-lo a quest�es partid�rias, ideol�gicas ou a decis�es tomadas em favor do governo.
Poder
Mesmo que impositivas, o governo federal ainda det�m o poder de definir quando as emendas ser�o empenhadas e pagas. Esse � um mecanismo que permite a negocia��o em momentos-chave, como foi o caso da libera��o recorde de R$ 5,25 bilh�es em emendas antes da vota��o da reforma tribut�ria, quando o governo de Luiz In�cio Lula da Silva (PT) se saiu bem-sucedido.Na vis�o do oposicionista Domingos S�vio, o atual governo tem uma postura mais centralizadora na libera��o das emendas. Ele avalia que Jair Bolsonaro (PL) tinha uma postura mais descentralizadora em rela��o ao or�amento, o que favorecia o repasse de verbas aos deputados. “Vou te falar sem nenhuma paix�o partid�ria, estou ouvindo de prefeitos e deputados que, at� o ano passado, o fluxo n�o s� de pagamento, mas de empenho das emendas e de repasses aos munic�pios era bem mais substancial. Aquele ditado de mais Brasil e menos Bras�lia de fato estava funcionando, era uma forma de governar que inclu�a mais repasse aos munic�pios e �s entidades”, avaliou.
Em resposta, Odair Cunha disse que o governo est� em fase de adapta��o da nova estrutura ministerial e n�o v� rela��o entre as vota��es no Congresso e a libera��o de verbas aos parlamentares. “O processo de libera��o das emendas est� ocorrendo conforme programado pelo minist�rio de planejamento e gest�o. N�o vejo que haja nenhum atraso em rela��o � execu��o or�ament�ria de maneira geral em outras legislaturas. O que eu percebo � um processo de adapta��o com algumas equipes novas, mas � parte do processo, nada que comprometa a execu��o or�ament�ria neste ano. N�o vejo rela��o de vota��o de projetos de interesse do executivo vinculada a libera��o de recursos de emendas individuais, essas emendas t�m car�ter impositivo. Portanto, sua execu��o � obrigat�ria”, disse ao EM.

Sistema descentraliza or�amento da Uni�o
As emendas parlamentares s�o um mecanismo para descentraliza��o do or�amento da Uni�o, mas favorecem um sistema que beneficia em excesso os parlamentares pelo impacto pol�tico da destina��o de verbas a seus redutos eleitorais. A avalia��o � do cientista pol�tico Adriano Cerqueira, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
“� um fen�meno que n�o � s� brasileiro, acontece em v�rios pa�ses inclusive nos Estados Unidos. Existem v�rios estudos sobre isso. Eles at� t�m um termo meio pejorativo que � ‘pork barrel system’ para se referir a cria��o de redutos eleitorais. Mesmo que uma parte pequena do or�amento seja destinada aos parlamentares, estamos falando de cifras muito grandes destinadas para obras de pouca envergadura. Qual a relev�ncia de colocar no or�amento federal a constru��o de uma ponte numa cidadezinha? Por que n�o juntar esse dinheiro e usar em investimentos mais sofisticados? Acontece que esse dinheiro tem um grande impacto na base eleitoral desses deputados, � um gasto que simboliza apoio popular, apoio de prefeitos. Estamos falando de um custo difuso para um benef�cio concentrado, que � recolhido em impacto eleitoral pelos parlamentares”, analisou.
As verbas milion�rias destinadas aos parlamentares favorecem sua imagem na �rea em que conseguem mais votos e sem um benef�cio pr�tico mais amplo verific�vel, de acordo com o pesquisador. “O interessante � que, se vivemos em um federalismo, os recursos destinados aos munic�pios e estados fossem maiores do que de fato s�o. Se h� um represamento na Uni�o � um problema, porque ele pode liberar mais recursos onde tem mais apoio pol�tico. Seria interessante que houvesse um sistema fiscal mais descentralizado”.
O discurso do cientista pol�tico � corroborado pelo economista e secret�rio-geral da Associa��o Contas Abertas, Gil Castello Branco. Ele avalia que n�o h� problemas a execu��o or�ament�ria estar parcialmente � cargo do Legislativo, mas desde que haja mecanismos para garantir a qualidade do investimento e o equil�brio na distribui��o das verbas.
“O grande problema das emendas parlamentares de uma maneira geral � a m� qualidade do gasto. Quanto mais recursos forem destinados via emendas parlamentares, a tend�ncia � ampliar a m� qualidade do gasto. N�o haveria nenhum problema, no meu modo de entender, se as indica��es dentro do or�amento partissem do Legislativo ou do Executivo desde que fossem obedecido os crit�rios t�cnicos e par�metros socioecon�micos. Um parlamentar, ao colocar seja um posto de sa�de, uma creche, ou uma quadra poliesportiva, qualquer tipo de equipamento p�blico, deveria obedecer a determinados princ�pios. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica) tem uma riqueza de informa��es de cidades em que n�o h� sequer um posto de sa�de ou uma creche. Seria muito f�cil voc� determinar que um equipamento seria colocado onde em um raio de 200 quil�metros n�o tem outro equipamento p�blico semelhante, por exemplo. A� tanto faz se for uma indica��o do Legislativo ou do Executivo”, avalia.
Adriano Cerqueira complementa relembrando das emendas do relator vigente durante a gest�o de Bolsonaro para tratar sobre o poder de barganha do governo federal diante do legislativo. Com esse tipo de emenda, os parlamentares n�o precisavam especificar quem pedia o empenho nem como ou onde ele seria empregado. “Na �poca do Bolsonaro, os deputados conseguiram acesso mais direto a esses recursos com as emendas do relator, que no per�odo eleitoral foi muito chamado de or�amento secreto. Quando ele foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o governo passou a ter mais controle e aumentou seu poder de barganha junto aos deputados. O fato do or�amento ter uma por��o de destina��o impositiva diminui um pouco o controle do governo federal, tanto que a maior parte delas j� est� empenhada, mas ainda assim esse � um mecanismo usado no jogo de poder entre Executivo e Legislativo”, conclui.