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Estado de Minas SEQUESTRO E TERRORISMO

Tentativa de jogar avi�o no Planalto e matar o presidente vai virar filme

Conhe�a os bastidores da tentativa de assassinato do ex-presidente, que agora vai virar filme


28/09/2023 07:20 - atualizado 28/09/2023 09:11
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Ex-presidente José Sarney em foto em preto e branco
Jos� Sarney prestando juramento durante a doen�a do ent�o presidente eleito Tancredo Neves, em 15 de mar�o de 1985 (foto: Getty)

Parece enredo de filme de Hollywood: um tratorista fica desempregado e, revoltado com o contexto sociopol�tico do pa�s, decide sequestrar um avi�o com o objetivo de faz�-lo colidir com a sede do governo federal, matando o presidente.

Parece enredo de filme de Hollywood, mas vai ser um filme brasileiro — ‘O Sequestro do Voo 375’ tem estreia prevista para dezembro.

Mas vamos falar sobre o filme depois. Primeiro, a fant�stica hist�ria que abalou o pa�s em 29 de setembro de 1988. Foi no voo Vasp 375, que fazia a rota Porto Velho a Rio de Janeiro com quatro escalas: Cuiab�, Bras�lia, Goi�nia e Belo Horizonte, com um avi�o Boeing 737-317.

Naquele dia, contudo, houve p�nico entre os 110 a bordo: um tratorista desempregado de 28 anos, o maranhense Raimundo Nonato Alves da Concei��o, armado com um rev�lver calibre 32, anunciou que estava sequestrando a aeronave. E seu plano era arremess�-lo contra o Pal�cio do Planalto.

Em sua mochila, Concei��o portava 90 balas para recarregar a arma.

Para o tratorista, a culpa pela situa��o econ�mica que havia feito com que ele perdesse seu emprego era do presidente, Jos� Sarney. De acordo com dados do Dieese-Sead, naquele ano o desemprego no Brasil oscilou entre 9% e 11%. A infla��o era galopante: em m�dia, 17,7% ao m�s.

Concei��o trabalhava em empreiteiras de constru��o civil. Comprou a arma e embarcou no �ltimo trecho do voo, que decolou �s 10h52 no Aeroporto de Confins, regi�o de Belo Horizonte

Tiros e morte

Vinte minutos depois, j� no espa�o a�reo do Rio, come�ou sua a��o. Deixando claro que se tratava de um sequestro, ele disse que queria entrar na cabine de comando e baleou um comiss�rio que tentou impedi-lo. Concei��o disparou v�rios tiros contra a porta da cabine — um deles atingiu outro comiss�rio, outro acertou o painel do avi�o.

Com receio de que a situa��o se tornasse ainda mais descontrolada, a tripula��o decidiu ceder a ele acesso � cabine. Sem que o sequestrador notasse, o piloto, Fernando Murilo de Lima e Silva (1944-2020) conseguiu passar ao Centro Integrado de Defesa A�rea e Controle de Tr�fego A�reo (Cindacta) o c�digo correspondente � “interfer�ncia il�cita” ocorrendo a bordo.

Quando o copiloto, Salvador Evangelista, tentava se comunicar de volta com o Cindacta pelo r�dio, Concei��o o baleou na nuca, matando-o na hora. Com a arma apontando para o piloto Lima e Silva, o sequestrador ent�o determinou seu plano: que o avi�o retornasse para Bras�lia.

O comandante foi h�bil e conseguiu dissuadi-lo da ideia de chocar o Boeing contra o Pal�cio do Planalto. Argumentou que n�o havia condi��es de visibilidade para isso. Mas Concei��o n�o topou que o avi�o pousasse no aeroporto de Bras�lia — queria que fosse em S�o Paulo.

N�o havia combust�vel para tanto. Depois de manobras ousadas — para desequilibrar o sequestrador — e com um dos motores falhando, Lima e Silva conseguiu pousar no Aeroporto Internacional Santa Genoveva, em Goi�nia, �s 13h45.

Foram horas de negocia��o em terra. �s 19h, Concei��o desceu da aeronave usando o piloto como escudo humano. Foi alvejado com dois tiros na altura dos rins por agentes de elite da Pol�cia Federal. Uma terceira bala tamb�m atingiu o piloto, na perna.

Encaminhado a um hospital, o sequestrador passou por uma cirurgia de emerg�ncia e foi anunciado que n�o corria risco de vida. Dias depois, contudo, morreu no hospital — o laudo apontou que em decorr�ncia de anemia falciforme, sem rela��o com o fato de ele ter sido baleado.

Protocolos de seguran�a


Cena de gravação do filme %u2018O Sequestro do Voo 375%u2019
Cena de grava��o do filme %u2018O Sequestro do Voo 375%u2019, que abordar� o epis�dio (foto: Divulga��o)

O caso se tornou um marco hist�rico da avia��o brasileira. “Dif�cil dizer se houve erros quando h� algu�m mal-intencionado e uma circunst�ncia in�dita acontece”, comenta � BBC News Brasil a professora Larissa Ferrer Branco, arquiteta que estuda opera��es aeroportu�rias e coordena cursos de engenharia na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

“Em todas as ind�strias e setores aprendemos sempre com casos novos, cen�rios improv�veis ou at� mesmo impens�veis. A seguran�a na avia��o � alt�ssima h� muitas d�cadas e os indicadores s� melhoram”, acrescenta ela, lembrando que “� injusto julgar fatos do passado com o conhecimento que temos hoje”.

“Mas a rigor, pode-se dizer que os fatores que contribu�ram para o caso dificilmente voltariam a se repetir hoje em dia, com a invas�o da cabine de comando de uma aeronave comercial por um passageiro armado”, frisa Branco.

“� praticamente imposs�vel pensar que o aparato de seguran�a aeroportu�ria atual seria perme�vel a ponto de algu�m entrar armado a bordo sem conhecimento do comandante da aeronave, sem seguir r�gidos protocolos de verifica��o. Al�m do mais, desde depois dos ataques de 11 de setembro [de 2021, nos Estados Unidos], as portas das cabines permanecem fechadas praticamente todo o tempo, s� s�o abertas mediante protocolos muito rigorosos e s�o blindadas.”

Investigador de acidentes aeron�uticos e gestor de crises, Mauricio Pontes, CEO da C5i Crisis Consulting, explica � reportagem que um sequestro como este n�o aconteceria nos dias de hoje por conta dos protocolos de seguran�a implementados de l� para c�.

“A come�ar pela revista no embarque, equipamentos, regras para transporte de arma a bordo e treinamentos espec�ficos”, enumera ele, lembrando que isso tudo “poderia ter feito diferen�a”. “Mas a cultura da �poca n�o contemplava esses cen�rios no pa�s”, comenta.

Piloto-aluno na �poca, Pontes recorda que viu a cobertura televisiva do acontecimento. Ele acredita que os m�ritos foram do piloto para que uma trag�dia n�o ocorresse.

“Acho que toda a atua��o do comandante, com frieza, per�cia e racioc�nio sob press�o, foram decisivos”, diz. “A crise em si foi um caos. O presidente [da Rep�blica] sequer foi retirado de seu gabinete, pr�dios n�o foram evacuados, enfim… Dif�cil falar em erros e acertos em um epis�dio com um enredo t�o complexo.”

Segundo ele, pilotos na �poca recebiam um treinamento muito b�sico sobre como se comportar em casos assim.

“Conheciam-se regras sobre como agir em caso de intercepta��o e uso do transponder para informar aos �rg�os de controle um ato de interfer�ncia il�cita”, cita. “N�o era uma preocupa��o a ponto de tirar um tripulante por mais horas do cockpit para um treinamento espec�fico.”

Atualmente, a quest�o � tratada com mais cuidado, com treinamentos peri�dicos que preparam pilotos e comiss�rios para eventuais enfrentamentos, “desde casos de passageiros indisciplinados que p�em em risco a seguran�a do voo at� situa��es mais espec�ficas e potencialmente fatais, como sequestros”.

“O comandante [do voo da Vasp no caso] foi um exemplo de profissional e se tornou um her�i. Mesmo com o primeiro oficial [o copiloto] baleado, ele foi h�bil e extremamente equilibrado para conduzir o sequestrador ao longo da ocorr�ncia, evitando um desfecho que poderia ser catastr�fico”, comenta a professora Branco.

“A aeronave pouso e os passageiros e tripulantes sa�ram ilesos, assim como pr�dios p�blicos e pessoas em terra, que eram alvo do sequestrador. Entendo que ele [o piloto Lima e Silva] acertou em tudo: a forma como conduziu uma situa��o extremamente incerta e grave, as manobras que fez para desestabilizar o sequestrador, a per�cia e o profissionalismo, e a capacidade de trazer a aeronave de volta ao solo com seguran�a”, acrescenta ela.

Pontes lembra, contudo, que as melhorias de seguran�a de voo s� foram implementadas de fato ap�s o 11 de setembro, e n�o depois desse fato brasileiro.

“O assunto [do voo da Vasp] teve a repercuss�o t�pica dos grandes eventos na m�dia por um curto per�odo, mas foi rapidamente esquecido. Nada significativo de fato ocorreu em termos de procedimentos, ao que eu me lembro”, comenta. “Tanto que, em julho de 1997, um homem entrou facilmente [com um explosivo] no voo TAM 283 entre S�o Jos� dos Campos e S�o Paulo sem ter passado pelo raio-X e a explos�o a bordo matou um passageiro.”

O especialista acrescenta que tal ocasi�o espec�fica deixou “a falta de seguran�a dos aeroportos brasileiros em xeque e a necessidade de inspe��o por raio-X virou um tema levado mais a s�rio”.

“Mas s� mesmo ap�s o 11 de setembro houve uma revolu��o na seguran�a da avia��o brasileira”, acrescenta. “Mais recentemente, ap�s o evento com o Germanwings 9525, quando o copiloto jogou a aeronave propositalmente contra o solo [em mar�o de 2015, nos Alpes franceses], protocolos mais r�gidos sobre acesso � cabine de pilotos e outras medidas foram rapidamente colocados em pr�tica no mundo todo, incluindo o Brasil.”

Branco concorda. “De 1988 para c� a avia��o comercial mundial, e n�o s� a brasileira, mudou bastante em termos de preven��o a sequestros”, ressalta ela. “Instala��es de um enorme aparato de seguran�a para embarque dos passageiros nos aeroportos, proibi��o de acesso de passageiros nas cabines de comando durante os voos, in�meros procedimentos operacionais antes, durante e depois dos voos para impedir o acesso de pessoas estranhas �s opera��es nas �reas onde as aeronaves estacionam quando chegam e antes de partirem s�o s� algumas dessas mudan�as.”

“Mas nenhuma delas tem correla��o direta com o caso do Vasp 375. Essas mudan�as ocorreram mais tarde, ap�s 11 de setembro de 2001. De 2001 para c� podemos dizer que as �reas de seguran�a mudaram completamente em rela��o ao que ocorria antes”, destaca a especialista.


Avião da Vasp
Criada em 1933, Vasp encerrou suas opera��es em 2005 (foto: Getty)

Um filme brasileiro de a��o

A ideia do filme, que se chamar� ‘O Sequestro do Voo 375’ veio em consequ�ncia a um outro “quase acidente”. No caso, envolvendo o jornalista Const�ncio Viana Coutinho, que em 2011, atuando como correspondente da TV Record na �frica, esteve em um voo que precisou fazer uma manobra arriscada em Mo�ambique.

“Foi uma situa��o bem s�ria, com o avi�o apontando o bico para baixo. Achei que aquele momento seria o fim de minha vida. Foi t�o traum�tico que eu desenvolvi s�ndrome do p�nico e desde ent�o tenho muita dificuldade para entrar em avi�o”, conta ele, � reportagem.

O fato fez de Coutinho um obsessivo pesquisador de acidentes a�reos. E ent�o, recuperando o caso da Vasp, ele passou a esbo�ar um roteiro para um document�rio.

“Mas n�o foi poss�vel faz�-lo, n�o consegui apoio, financiamento”, relata.

Mais tarde, contudo, seu roteiro acabou caindo nas gra�as do roteirista de cinema Lusa Silvestre. “E resolvemos que seria um filme”, diz Coutinho. “Ele [Silvestre] foi o primeiro cara que entrou no neg�cio, disse que estava dentro. Ent�o eu passei a buscar outras pessoas para contar as lembran�as do acontecimento.”

Coutinho ressalta que o filme “� uma homenagem direta ao piloto”, que teve “papel her�ico” reconhecido por “todos os passageiros”. “Ele pousou praticamente sem combust�vel e fazendo manobras impensadas. Morreu [em 2020] com uma grande m�goa porque mesmo depois de tudo oque ele fez, de ter salvado tantas vidas, o Sarney nunca reconheceu isso, nunca agradeceu.”

Com o filme prestes a ser lan�ado, o jornalista pretende tamb�m publicar um livro a respeito. O t�tulo provis�rio � ‘Nas M�os Certas’.

Em conversa com a BBC News Brasil, o roteirista Silvestre enfatiza que o que ser� visto nas telas “� uma hist�ria real”. “A gente n�o mudou a hist�ria. O que fizemos foi lan�ar um pouco mais de luz sobre algum personagem aqui e ali, contar um pouco mais, imaginar os subterr�neos do governo federal enquanto estava-se lidando com o sequestro”, comenta. “Mas a hist�ria � real, inclusive as acrobacias feitas pelo avi�o.”

“E incrivelmente teve um cara mesmo que sequestrou um avi�o para jogar no Pal�cio do Planalto”, resume.

CEO do Est�dio Escarlate, a produtora Joana Henning conta � reportagem que o maior desafio empreendido pela equipe foi fazer “um tipo de filme que nunca tinha sido feito no Brasil” — no caso, uma hist�ria de a��o envolvendo um avi�o. “As refer�ncias de desenho de produ��o eram todas internacionais. Tivemos de criar solu��es alternativas com menos recursos, conseguindo dar qualidade para a cena de a��o que o filme merecia”, destaca, revelando que para isso foram empregadas t�cnicas circenses e recursos das ind�strias do carnaval e da publicidade.

O diretor do filme, Marcus Baldini lembra que “esse � o 11 de setembro brasileiro, o quase 11 de setembro brasileiro”.

“E � muito surpreendente que ningu�m conhe�a essa hist�ria”, diz ele, � BBC News Brasil. “O filme � um jeito de contar para as pessoas uma hist�ria muito importante que estava esquecida, sobre um her�i brasileiro que salvou a vida de 110 pessoas com suas habilidades e capacidade de manter o controle. E isso foi importante para que essa hist�ria tivesse um final minimamente feliz.”

O especialista Pontes reconhece que se trata de uma hist�ria por muito tempo relegada ao esquecimento. “O sequestro do Vasp 375 foi sumariamente apagado da mem�ria nacional. N�o teve a repercuss�o internacional que merecia, tampouco”, diz.


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