
O ser humano � ambivalente. Carrega em si valores e poderes contr�rios, contradit�rios ou n�o. Em momentos dif�ceis, de crise e amea�a � vida, ter aflorado o lado solid�rio talvez seja o que h� de mais bonito e louv�vel em sua exist�ncia. Ter na empatia o fio condutor para estender a m�o a quem precisa tende a blind�-lo das amea�as ou encoraj�-lo a seguir em frente. Muitas pessoas em BH est�o se voltando para o outro, mesmo em quarentena. E, quem j� exercia um papel volunt�rio se v� ainda mais engajado. E h� quem tem experimentado, pela primeira vez na vida, o acolhimento do outro e ficado quase sem palavras, tamanha gratid�o.
A diarista J�lia Teodora de Moura, de 34 anos, de Paulista, Vale do Rio Doce, vive h� 15 na capital. Trabalhando de ter�a a s�bado, com cinco clientes fixos, est� em casa h� quase um m�s gra�as, principalmente, a Lucas Werneck e Ros�ngela Colares, que continuam pagando por sua faxina: “No primeiro momento, senti vergonha, n�o sabia como agir. Agrade�o muito. N�o estou acostumada a ganhar nada na vida. Sempre tive de lutar para conseguir as coisas, sempre trabalhei para ter meu dinheiro. De repente, me vejo em casa, parada e recebendo. Eles me fizeram sentir importante na vida deles. Percebi que sou vis�vel”.
J� Ros�ngela, cliente de J�lia h� cinco anos, mais do que empregadora se transformou em uma amiga: “Ela � uma pessoa muito boa. Logo me disse para n�o sair de casa de jeito nenhum e qualquer coisa que precisasse ela me ajudaria. Ficou preocupada com o pagamento das minhas presta��es de um lote que comprei em Paulista e pagava com minha faxina. Foi um al�vio saber que poderei arcar com esta despesa. O sentimento � de gratid�o”.
J�lia conta que, por enquanto, est� dando para equilibrar a vida. Inspirada pelo que tem recebido, ela tamb�m procura fazer o que est� ao seu alcance. Diz que ajuda da forma que pode, seja com uma compra de sacol�o para quem precisa, ou uma doa��o para os Vicentinos da igreja.

DESAFIOS
A jornalista e empres�ria Luciana Avelino, de 48 anos, moradora de um condom�nio na Regi�o da Pampulha, participava de dois grupos de volunt�rios em prol de moradores em situa��o de risco. Mas desde o in�cio da quarentena as a��es sociais foram suspensas. Desassossegada, ela tem agido da maneira que pode para continuar contribuindo.
Ajud�-los sem ter de se expor, assim como aos assistidos, em aglomera��es, era o maior desafio. Em ambos os projetos, a intera��o entre as partes � ato corriqueiro. “Tanto no caso do Banho de Amor, que ocorre nas noites de ter�as, nas ruas da capital mineira, onde, quem diria, tive a grata surpresa de conhecer meu namorado, Rony Rezende, como na outra a��o em que travo parceria com ele, tamb�m voltada para os sem-teto, juntamente com um amigo em comum, embaixo do viaduto de Santa Tereza”.
Juliana, ent�o, teve a ideia de lan�ar uma campanha pelo grupo de moradores do WhatsApp do seu condom�nio, onde moram cerca de 200 fam�lias, para arrecadar doa��es. “Para n�o envolver dinheiro e assegurar o indicado afastamento social, inseri caixas coletoras com o consentimento dos moradores em algumas casas com varandas e garagens abertas. Sugeri a doa��o de roupas, itens de higiene pessoal, material de limpeza, roupas de cama e alimentos n�o perec�veis. Para minha alegria, a resposta dos vizinhos teve uma reciprocidade incr�vel. Logo na primeira semana, as caixas destinadas para o maior abrigo masculino de BH, o Albergue Municipal Tia Branca, que atende 400 homens no Bairro Floresta, ficaram lotadas. O sucesso da campanha foi t�o grande que, depois dessa institui��o, j� conseguimos prestigiar mais tr�s outras associa��es filantr�picas.”
Na sequ�ncia, Juliana conta que conseguiu doa��es para crian�as do Projeto Pemu (Projeto Evangel�stico Miss�o Urgente), em Ibirit�; para o asilo de idosas Lar da Vov� Nossa Senhora da Piedade, na Pampulha; e para mulheres em situa��o de risco da Rep�blica Maria Maria, que acaba de se mudar da Lagoinha para a Serra. “� medida que eu recolhia as doa��es, postava o resultado no grupo do condom�nio toda empolgada, grata. Expunha meu orgulho pela vizinhan�a ter abra�ado a ideia. Acredito que as pessoas foram ficando felizes em fazer parte de uma corrente do bem. Na verdade, quando temos uma a��o de vibra��o t�o positiva, somos tocados de certa forma. Acabei conhecendo, travando contato com moradores que nunca nem tinha visto antes. Pessoas incr�veis.”
Com o engajamento das pessoas, Juliana foi al�m e postou as doa��es e solicita��es nas suas redes sociais, com o intuito de divulgar as necessidades das institui��es. E n�o � que deu certo? V�rios amigos e conhecidos viram e contribu�ram. “Acho que, hoje em dia, muita gente gostaria de ajudar, mas, �s vezes, n�o sabe como ou n�o tem disponibilidade de levar at� os lugares. Mas, quando v� algu�m conhecido ajudando, sente firmeza, credibilidade, est�mulo.”
Para a jornalista, quando a pessoa se disp�e a doar, mesmo sendo coisas materiais ou o pr�prio tempo, � uma sensa��o �nica: “Somos os maiores beneficiados. E o mais interessante � que, gradativamente, sentimos vontade de fazer da a��o de doar um h�bito de vida. E o que mais tem s�o pessoas precisando, seja em �poca de pandemia ou n�o”.
Para a jornalista, quando a pessoa se disp�e a doar, mesmo sendo coisas materiais ou o pr�prio tempo, � uma sensa��o �nica: “Somos os maiores beneficiados. E o mais interessante � que, gradativamente, sentimos vontade de fazer da a��o de doar um h�bito de vida. E o que mais tem s�o pessoas precisando, seja em �poca de pandemia ou n�o”.

MARMITEX CASEIRO
O engenheiro Andr� Luiz Chaves do Carmo faz trabalho volunt�rio com um grupo de amigos h� 20 anos. Tudo come�ou com a dona Selma e, agora, a fam�lia segue. “Todas as ter�as-feiras entregamos marmitex caseiro, comida saborosa, para os moradores em situa��o de rua, em frente � rodovi�ria. S�o 200 refei��es que terminam em 15 minutos. Tudo organizado, sem confus�o ou aglomera��o. Agora, precisam ainda mais. Vamos de luva e m�scara e alertamos sobre o distanciamento adequado. Todos respeitam. N�o � nada complexo, dif�cil, sai do cora��o de todos n�s. � o que nos deixa satisfeitos, leves, em paz.”
Andr� Luiz destaca que a gratid�o que o grupo recebe por estender a m�o � dif�cil traduzir em palavras: “Entregar um marmitex e ouvir que aquela � a primeira refei��o do dia, que at� ent�o n�o comeu nada – e olha que fazemos a a��o �s 19h, 20h – � um n� na garganta para quem, naquele hor�rio, j� tomou caf� da manh�, almo�ou, lanchou e jantou. S� tenho a agradecer. Precisamos ter f�. Espero que cada um, dentro do poss�vel, possa fazer algo, h� muitas formas, porque tem muitas pessoas passando necessidade”.
BRIGADEIRO
As advogadas Cristiana Fortini e Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira tamb�m foram motivadas a ajudar. Al�m da doa��o de 45 cestas b�sicas para moradores do conjunto Santa Maria e para a Casa de Acolhida Padre Eust�quio (Cape), entidade que recebe crian�as do interior que est�o em BH para tratamento de c�ncer, elas decidiram demonstrar gratid�o com os diversos profissionais que precisam se expor mais frontalmente ao v�rus. Por isso, doaram brigadeiros para o Hospital Metropolitano do Barreiro.
“Eu e a Maria Fernanda sempre tivermos uma preocupa��o social grande e pensamos que olhar o outro, cuidar do outro � agradecer. H� um ciclo energ�tico que nos conecta. O outro � integrante de uma mesma cadeia que nos liga. Somos todos parte de uma mesma corrente. Pensamos no brigadeiro como forma de acarinhar aqueles que precisam trabalhar para curar os doentes. E teve a P�scoa no meio da pandemia, que intensifica o dever de renascer, na gente e no outro”, exp�e Cristiana.
Maria Fernanda tamb�m participa de um grupo de a��o social vinculada � Funda��o Terra, liderada pelo Padre Airton Freire, chamado Instituto Padre Airton (IPA). Percebendo que as pessoas em situa��o de rua nem sequer sabiam o que estava ocorrendo, criaram um projeto voltado a elas. Assim surgiu o “Uma m�o lava a outra”, por meio do qual disponibilizam em v�rios pontos da cidade, com o aux�lio da Pastoral de Rua, recipientes com �gua, sab�o, m�scaras e folhetos explicativos sobre a pandemia e o risco de cont�gio.
“E ningu�m melhor que a pr�pria Pastoral de Rua para saber os locais onde esse projeto ser� melhor destinado. Vamos seguir enquanto for necess�rio. Nos informes, pedimos ajuda dos pr�prios usu�rios para ter parcim�nia no uso e na reposi��o, assim como fazemos m�scaras para doar, j� que s�o muitas as necessidades”, enfatiza Maria Fernanda.

UM POUCO DE LEVEZA
Quem canta seus males espanta. N�o importa o estilo, � raro encontrar quem n�o seja tocado pela m�sica em momentos de alegria, tristeza, em grupo ou sozinho. O professor de educa��o f�sica Josimar Silva Campos n�o � m�sico profissional, mas domina o viol�o, ama m�sica e toca na igreja e em eventos da fam�lia. Incentivado pela mulher, Patr�cia, e o filho Jo�o Gabriel, de 2 anos, ele decidiu ir para a varanda do apartamento e soltar a voz.
“A princ�pio, fiquei com medo de incomodar, mas a rea��o foi bacana. Todos sa�ram para a varanda, abriram a janela e at� vizinhos das casas do outro lado da rua aplaudiram. Foram receptivos e isso me emocionou. A m�sica traz paz, conforto e foi no que pensamos diante de tanta not�cia ruim e da situa��o dif�cil que enfrentamos”.
Josimar conta que deu t�o certo que pediu licen�a ao s�ndico e, como mora num condom�nio de quatro torres com a quadra justamente no centro, montou um equipamento para alcan�ar mais vizinhos, de outras janelas, e desfilou seu repert�rio gospel: “N�o importa o estilo da m�sica e n�o tem nada a ver com religi�o. � s� m�sica. Fiquei surpreso com a intera��o de todos, at� ganhamos pizza em agradecimento. M�sica transforma, provoca uni�o, traz proximidade, faz bem ao cora��o e � sa�de. Recebi imenso carinho de volta e esta foi a minha forma de dizer que tudo vai passar, que sempre h� uma luz, que � preciso ter esperan�a e encontrar motiva��o para vencer as adversidades”.