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Estado de Minas CASO DE ESTUPRO

Aborto: a menina que desistiu de interromper gravidez por press�o da Igreja

A crian�a, que foi abusada por um parente, e sua m�e haviam iniciado o procedimento, conforme permite a lei boliviana, mas mudaram de ideia ap�s religiosos cat�licos e grupos anti-aborto intervirem.


30/10/2021 22:46 - atualizado 30/10/2021 22:46

Mulher protesta em hospital boliviano
Mulher protesta em hospital na Bol�via (foto: EPA)
Choque, tristeza, raiva e indigna��o.

 

Esses s�o alguns dos sentimentos que surgiram em setores da sociedade boliviana em rea��o ao caso de uma menina de 11 anos que engravidou devido aos cont�nuos abusos sexuais cometidos por um homem de 60 anos.

 

"Meninas, n�o m�es" e "Salve as duas vidas" s�o alguns dos slogans que v�m sendo usados %u200B%u200Bnos �ltimos dias, tanto nas redes sociais quanto em manifesta��es nas ruas, por aqueles que defendem que a menina pode interromper a gravidez amparada pela lei e por aqueles que acreditam que a gravidez fruto de estupro deve seguir seu curso.

 

O caso, que aconteceu no munic�pio de Yapacan�, na regi�o leste do pa�s, teve grande repercuss�o em toda a Bol�via na �ltima semana.

Estuprada por meses

Por mais de nove meses, a menina foi v�tima de abuso sexual praticado pelo pai do atual companheiro de sua m�e.

 

A gravidez foi descoberta depois que a menina "sentiu movimentos estranhos" em sua barriga e contou a seus parentes. Ap�s um primeiro exame m�dico, foi descoberto que ela estava gr�vida de 21 semanas.

 

A tia da menina apresentou queixa contra o suposto agressor, que aguarda seu processo judicial em um pres�dio de seguran�a m�xima.

 

Ao mesmo tempo, foi apresentado um pedido de interrup��o legal da gravidez (ILE, na sigla em espanhol) para a menina abusada.


Protesto em oposição ao aborto na Bolívia
Opositores do aborto ap�s estupro se manifestaram em cidades como Santa Cruz e La Paz (foto: EPA)

Na Bol�via, desde 2014, uma mulher pode ter acesso ao aborto legal e seguro nos casos em que a gravidez � fruto de estupro, incesto, estupro de menor de idade, ou se a gravidez coloca em risco a vida ou sa�de da m�e.

 

� necess�rio fazer a den�ncia de estupro e ter o consentimento da v�tima, eliminando a exig�ncia de autoriza��o judicial que consta do C�digo Penal Boliviano para a realiza��o de um aborto sem que haja puni��o.

 

A interrup��o legal da gravidez da menina come�ou no dia 22 de outubro. Segundo a Casa da Mulher, institui��o que apoiou a Defensoria da Crian�a de Yapacan� no in�cio do caso, a menina recebeu um primeiro medicamento para interromper a gravidez.

 

No entanto, ap�s a cobertura da m�dia sobre o caso (bastante criticada como "irrespons�vel", j� que o direito � privacidade da menor de idade n�o foi respeitado), a Igreja Cat�lica e grupos chamados "pr�-vida" pressionaram a menina e sua m�e a mudar de ideia e desistir de continuar com a interrup��o da gravidez, segundo disse � BBC Mundo (servi�o em espanhol da BBC) a defensora p�blica da Bol�via Nadia Cruz.


Um protesto a favor do aborto na Bolívia
Grupos a favor do direito da mulher de decidir sobre sua gravidez tamb�m foram �s ruas (foto: EPA)

Em 23 de outubro, com uma carta manuscrita assinada por ela, a menina desistiu de prosseguir com a interrup��o da gravidez.

 

Ela teve alta do hospital na �ltima ter�a-feira (26/10) e foi, junto com a m�e, a um centro de acolhimento administrado pela Igreja Cat�lica, institui��o que se compromete a cuidar de menores de idade e de seu filho ainda n�o nascido.

 

Nadia Cruz considera que a m�e n�o deve ter voz na tomada de decis�o neste caso, uma vez que o abuso sexual ocorreu enquanto a menina se encontrava em "absoluta solid�o e indefesa".

 

"De acordo com os relat�rios que acessamos, a forma como foi pressionada e encurralada por membros da Igreja, que se identificaram como do Arcebispado, gerou d�vidas e medo na menor para que recuasse em sua decis�o de interromper legalmente a gravidez ", diz a defensora.

 

"Ela decidiu fazer uma ILE levando em considera��o seu projeto de vida. Ela mesma disse 'eu quero estudar, eu quero uma vida para mim'. As outras duas formas de interven��o [da m�e e da Igreja] fazem parte da grave viola��o de direitos de que a menor foi v�tima ", afirma Cruz.

 

'At� o limite da legisla��o'

 

Segundo dados divulgados pela diretora da Casa da Mulher, Ana Paola Garc�a, em 2020 ocorreram 39.999 gesta��es de menores de 18 anos na Bol�via, o que significa que em m�dia 104 meninas engravidam por dia no pa�s, das quais 6 tinham menos de 13 anos.


Mulheres na Argentina com um grande tecido verde que diz 'Aborto legal, seguro e gratuito'
Em dezembro de 2020, a Argentina entrou na lista de pa�ses da Am�rica Latina em que o aborto � legal (foto: Reuters)

A assessoria jur�dica da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano de Santa Cruz, a cargo da Defensoria da Crian�a e do Adolescente do mesmo munic�pio, diz � BBC Mundo que se trata de um caso que est� "no limite da legisla��o".

 

Embora a decis�o constitucional de 2014 n�o especifique um prazo para a interrup��o da gravidez, o Minist�rio da Sa�de da Bol�via regulamenta esse aspecto com base no que diz a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) e estabelece o limite de viabilidade do feto em 22 semanas para interrup��o da gravidez.

 

Nesse caso, dizem as mesmas fontes, a menina est� no limite do tempo previsto e apontam que, quando o m�dico faz o diagn�stico do tempo da gravidez, "sempre h� uma margem de erro".

 

Ressaltam, ainda, que embora o caso da menina atenda a tr�s dos fundamentos tipificados na decis�o constitucional, o processo de interrup��o da gravidez deveria ser realizado em at� 24 horas. Al�m disso, questionam a decis�o de uma menina de 11 anos, visto que, nessa idade, na inst�ncia judicial, n�o h� capacidade para firmar contrato perante qualquer institui��o.

 

Diante desse cen�rio, eles veem uma "contradi��o jur�dica" na capacidade conferida pela senten�a de 2014: "Voc� est� dando o poder de tomar a decis�o de matar ou n�o matar a um ser de apenas 11 anos".

 

"Ningu�m mais pode decidir sobre ela, nem o Estado, nem um hospital, nem uma comiss�o de m�dicos, nem a Igreja Cat�lica. Questionamos essa capacidade legal porque � uma menina, mas a doutrina diz que ela tem o direito de decidir, e ela decidiu continuar com a gravidez", acrescenta a assessoria jur�dica do munic�pio de Santa Cruz.

Gravidez de risco

A posi��o da Igreja boliviana tem sido, desde que o caso foi divulgado, a de "salvar, cuidar e sustentar com amor as duas vidas". Em nota, fontes eclesi�sticas afirmaram que "j� � uma criatura bem formada e por isso goza, sem d�vida, da prote��o que emana das leis e da Constitui��o Pol�tica do Estado".

 

"Um crime n�o � resolvido por outro crime. O aborto n�o cura o estupro, nem d� paz de esp�rito �s consci�ncias. Pelo contr�rio, deixa feridas psicol�gicas mais graves e por muito tempo", acrescentaram.

 

Iblin Moscoso, obstetra e ginecologista da cl�nica CIES de Santa Cruz, garante em conversa com a BBC Mundo que, do ponto de vista m�dico, esta menina tem "uma gravidez de muito risco" por todas as complica��es que pode ter.

 

A menor iniciou o processo de interrup��o da gravidez tomando uma p�lula. No entanto, o especialista afirma que v�rias doses s�o necess�rias para atingir o efeito de expuls�o do feto e, em seguida, realizar uma aspira��o manual intrauterina.

 

"Com apenas uma dose, n�o temos resposta. Agora, se isso pode ter consequ�ncias mais tarde ou algum efeito retardado, vai depender da resposta do corpo dela", diz a m�dica.


Mulher protesta em favor do direito de decidir sobre gravidez na Bolívia
'Aborto legal para n�o morrer', diz cartaz em protesto a favor do direito de decidir sobre gravidez na Bol�via (foto: Getty Images)

A m�dica, que trabalha em uma cl�nica que visa contribuir para o exerc�cio dos direitos sexuais e reprodutivos, afirma que, durante a gravidez de uma menina de apenas 11 ano,s podem ocorrer complica��es como a pr�-ecl�mpsia (caracterizada por hipertens�o e sinais de les�es para outro sistema de �rg�os, na maioria das vezes f�gado e rins), parto prematuro, desnutri��o ou risco de hemorragia durante o parto ou p�s-parto, "porque seu corpo n�o est� preparado".

 

"Se falamos da parte psicol�gica, � muito mais complicado pelas implica��es que tem. A menina n�o vai estar pronta para ser m�e. Ela pode n�o ser capaz de aceitar esse beb� depois que ele nascer, n�o s� por ter engravidado em uma idade em que ainda n�o est� pronta para ser m�e, mas tamb�m por ser fruto de estupro", acrescenta a especialista.

 

Moscoso considera que o direito � interrup��o legal da gravidez na Bol�via continua a enfrentar um obst�culo em rela��o ao temor de alguns m�dicos de aplicar a senten�a constitucional devido � press�o social que sentem. "Enquanto os casos n�o forem tratados com a confidencialidade necess�ria, tanto para o paciente quanto para a equipe que participar� de uma interven��o, os m�dicos n�o poder�o atuar sem medo de serem julgados pela sociedade", acrescenta Moscoso.

 

Relat�rio elaborado pela Defensoria com apoio do Ipas Bol�via revela que apenas 8% dos 277 profissionais de sa�de de 44 centros consultados em todo o pa�s sabiam em quais casos procede a interrup��o legal da gravidez, o que resulta em viola��es dos direitos das mulheres, meninas e adolescentes.

 

O documento, publicado em setembro do ano passado, aponta que usu�rias que v�o a uma unidade de sa�de em estado de gravidez em decorr�ncia de estupro e solicitam a interrup��o legal da gravidez s�o submetidas a questionamentos pelo m�dico da equipe sobre sua decis�o.

 

"Identificou-se que, na maioria dos casos, os profissionais de sa�de tentam persuadi-las a continuar com uma gravidez indesejada ou lhes � negado o direito de interromp�-la, situa��es que geram ang�stia, dor, sofrimento e revitimiza��o nas mulheres, meninas ou adolescentes v�timas de estupro", diz o relat�rio.

 

Nesta semana, representantes da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) na Bol�via falaram sobre o caso, apontando que submeter uma menina a uma gravidez for�ada "� qualificado como tortura".

 

"A gravidez de uma menina n�o s� p�e em risco a sua vida, a sua sa�de e o seu projeto de vida, mas tamb�m amea�a a sua sa�de mental e emocional, a sua autonomia corporal, incentivando e refor�ando as desigualdades, o ciclo da pobreza e discrimina��o", disse a ONU em um comunicado.

 

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