Minist�rio da Sa�de estima que 6,4 milh�es de crian�as t�m excesso de peso no Brasil
O Estudo Nacional de Alimenta��o e Nutri��o Infantil (Enani-2019), coordenado pelo Instituto de Nutri��o Josu� de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), indica ainda que um quinto das crian�as (18,6%) na mesma faixa et�ria est�o em uma zona de risco de sobrepeso.
No estudo, foram considerados indicadores de 2019, per�odo anterior � pandemia de covid-19 e durante o qual especialistas acreditam que os indicadores possam ter piorado ainda mais devido a mudan�as na rotina de alimenta��o, atividade f�sica e consultas m�dicas.
- Por que China volta � 'estaca zero' da pandemia com novo surto da doen�a
- Como surgiram a primeira vacina — e os primeiros 'antivaxxers' do mundo
Os dados soaram um alerta para a comunidade m�dica, que j� monitorava outras pesquisas sobre excesso de peso na inf�ncia. A mais recente delas, divulgada pelo Minist�rio da Sa�de em 2021, estima que 6,4 milh�es de crian�as t�m excesso de peso no Brasil e 3,1 milh�es j� evolu�ram para obesidade.
"O que realmente nos preocupa � a tend�ncia de aumento. No passado a obesidade era um fen�meno concentrado principalmente entre adultos, mas aos poucos ela foi atingindo tamb�m os adolescentes, as crian�as mais velhas e agora as de menos de 5 anos", disse In�s Rugani, pesquisadora do Enani-2019, � BBC News Brasil.
A nutricionista e especialista em sa�de p�blica chama a aten��o para o fato de que o estudo identificou uma preval�ncia maior excesso de peso entre as crian�as menores, de at� 23 meses de idade, com 23% delas acima do peso. Os menores de 24 a 35 meses est�o em segundo lugar (20,4%), seguidos pelos de 36 a 47 meses (15,8%) e 48 a 59 meses (14,7%).
"O fato de que as crian�as menores t�m uma preval�ncia um pouco mais alta do que as mais velhas aponta para uma perspectiva de piora no futuro", afirma.
Segundo Rugani, meninos e meninas com obesidade correm riscos de desenvolverem doen�as nas articula��es e nos ossos, diabetes, doen�as card�acas e at� c�ncer. "Crian�as obesas t�m ainda mais chances de se tornarem adultos obesos", diz.
A BBC News Brasil conversou com m�dicos, pediatras e nutr�logos que apontaram as principais raz�es que explicam o crescimento no sobrepeso e obesidade entre as crian�as brasileiras.
Alimentos ultraprocessados
Alimentos ultraprocessados s�o os maiores causadores do aumento de peso entre as crian�as brasileiras
A obesidade infantil � resultado de uma s�rie complexa de fatores gen�ticos e comportamentais, que atuam em v�rios contextos como a fam�lia e a escola. Segundo os especialistas ouvidos, por�m, os maiores respons�veis pelo aumento de peso entre as crian�as brasileiras s�o os alimentos ultraprocessados.
Sucos de caixinha, refrigerantes, biscoitos recheados, salgadinhos e macarr�o instant�neo s�o alguns dos produtos mais consumidos pelos pequenos atualmente.
Segundo Cintia Cercato, endocrinologista da Universidade de S�o Paulo (USP) e presidente da Abeso (Associa��o Brasileira para o Estudo da Obesidade e da S�ndrome Metab�lica), o Brasil passa h� alguns anos por um processo de mudan�a no ambiente alimentar.
E se antes muitas fam�lias tinham dificuldade de acesso a alimentos prontos ou industrializados, hoje eles se tornaram mais baratos e dispon�veis.
Entre as fam�lias entrevistadas pelo Enani-2019, a preval�ncia do consumo de alimentos ultraprocessados chegou a 93% entre crian�as de 24 a 59 meses e 80,5% entre crian�as de 6 a 23 meses. J� o consumo de bebidas ado�adas atinge 24,5% dos pequenos entre 6 a 23 meses, 37,7% dos de 18 a 23 meses e 50,3% das crian�as de 24 a 59 meses.
Al�m de muitas vezes terem um custo mais baixo do que os alimentos in natura, os industrializados tamb�m s�o propagandeados na televis�o e na internet com um marketing muito espec�fico para os pequenos.
"As embalagens s�o coloridas e com personagens, e nos supermercados os produtos ultraprocessados costumam ficar nas prateleiras mais baixas, na linha de vis�o das crian�as. Dessa forma � dif�cil que os pequenos n�o sintam vontade de experimentar", diz Cercato.
Em outubro de 2022, entrar� em vigor novo padr�o de rotulagem de alimentos e bebidas industrializadas aprovado pela Anvisa em 2020. As embalagens dever�o apresentar um selo frontal com s�mbolo de lupa para informar sobre altos teores de a��car, gordura e s�dio.
Ainda assim, a endocrinologista defende uma regulamenta��o mais restrita, com leis que impe�am o uso de personagens e celebridades infantis nas embalagens e an�ncios, assim como a distribui��o de brindes com os alimentos. "As crian�as ainda n�o t�m discernimento suficiente para n�o serem atra�das por esse tipo de marketing pesado", diz.
Para garantir a melhor alimenta��o poss�vel, os nutricionistas e pediatras recomendam que os pais sigam as instru��es dadas pelo Guia Alimentar para Crian�as Brasileiras elaborado pelo Minist�rio da Sa�de.
"A alimenta��o da crian�a deve ser composta por comida de verdade, isto �, refei��es feitas com alimentos in natura ou minimamente processados de diferentes grupos (por exemplo, feij�es, cereais, ra�zes e tub�rculos, frutas, legumes e verduras, carnes)", diz a cartilha.
"O n�mero de refei��es ao longo do dia e a quantidade de alimentos oferecidos devem aumentar conforme a crian�a cresce para suprir suas necessidades".
O guia afirma ainda que refei��es com maior variedade de alimentos s�o as mais adequadas e saud�veis para a crian�a e toda a fam�lia. "Sempre que puder, varie a oferta de alimentos ao longo do dia e ao longo da semana".
H� ainda outras op��es de cartilhas dispon�veis na internet, como o Guia Pr�tico de Alimenta��o para crian�as de 0 a 5 anos elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o e-book Lancheira Saud�vel, da Abeso, que d� ideias saud�veis de lanches para levar para a escola.
Mudan�as nos padr�es de amamenta��o
Outro problema identificado pelos especialistas � o n�o cumprimento do aleitamento materno exclusivo at� os seis meses de idade, associado � introdu��o dos industrializados j� durante os primeiros meses de vida.
Segundo o Enani-2019, menos da metade (45,8%) dos beb�s menores de 6 meses mamam exclusivamente no peito da m�e.
"O leite materno � sempre a melhor op��o e, por isso, aconselhamos a amamenta��o exclusiva at� os seis meses e at� pelo menos os 2 anos", diz a nutricionista In�s Rugani. "A partir dos seis meses a introdu��o alimentar � recomendada, mas deve-se priorizar alimentos naturais e com ampla variedade de nutrientes, o que infelizmente nem sempre ocorre".
Segundo o Enani-2019, menos da metade (45,8%) dos beb�s menores de 6 meses mamam exclusivamente no peito da m�e
Por variados motivos, muitas m�es n�o conseguem amamentar e acabam optando pela f�rmula. Segundo os especialistas, ela � a melhor op��o nesses casos, mas deve ser evitada quando o leite materno estiver dispon�vel e n�o fizer mal � crian�a.
"Tomar leite na mamadeira produz menos saciedade do que a amamenta��o. Al�m disso, a crian�a fica mais passiva do que quando est� mamando no peito, o que pode ser prejudicial para o futuro, quando tiver que pegar e buscar os alimentos", diz Rubens Feferbaum, pediatra e nutr�logo, presidente do Departamento de Nutri��o da Sociedade de Pediatria de S�o Paulo (SPSP).
Segundo o m�dico, crian�as que tomam f�rmula ou leite de vaca industrializado tamb�m podem apresentar maior ganho de peso.
Falta de atividade f�sica
Outro componente importante para o aumento nas taxas de sobrepeso e obesidade � a mudan�a nas atividades dos pequenos. Segundo os especialistas, cada vez mais as crian�as t�m preferido brincadeiras com pouco ou nenhum movimento.
"O estilo de vida das crian�as mudou e agora elas passam muito tempo sentadas ou deitadas, assistindo televis�o, jogando videogame e navegando no celular ou tablet", diz Rubens Feferbaum. "Parte do tempo que no passado era usado para brincadeiras que exigiam correr, dan�ar e pular agora vai para a tecnologia".
A falta de espa�o f�sico para atividades mais din�micas tamb�m se tornou um problema. "Enquanto algumas fam�lias vivem em regi�es perif�ricas onde n�o h� parques ou seguran�a na rua, outras crian�as passam o dia trancadas em apartamentos no meio da cidade", opina In�s Rugani.
Segundo a especialista, n�o h� uma recomenda��o padr�o para a pr�tica de atividade f�sica pelas crian�as, como existe para os adultos. "O que elas precisam � brincar, ter espa�o para correr e se movimentar, e n�o ficar paradas na frente da TV por horas", diz.
O Minist�rio da Sa�de, por�m, orienta para algumas boas pr�ticas no Guia de Atividade F�sica para a Popula��o Brasileira. O documento, por exemplo, recomenda pelo menos 3 horas por dia de atividades f�sicas para crian�as de 1 a 5 anos, com varia��es de intensidade de acordo com a faixa et�ria.
"Para as crian�as, a atividade f�sica � feita principalmente em jogos e brincadeiras ou em atividades mais estruturadas, como a participa��o em escolinhas de esportes e em aulas de educa��o f�sica", diz a cartilha.
Influ�ncia da fam�lia
Segundo especialistas, a inf�ncia � uma excelente janela de oportunidade para a introdu��o de uma alimenta��o diversificada e saud�vel
Os h�bitos adotados pelos pais e demais familiares tamb�m podem ter influ�ncia no peso da crian�a, de acordo com os m�dicos ouvidos pela reportagem.
"A cultura familiar � muito importante, pois as crian�as consomem os alimentos oferecidos pelos pais e seguem as regras da casa quando se trata de tempo de tela", diz Rubens Feferbaum.
Al�m disso, � durante a inf�ncia que muitos dos h�bitos alimentares que levamos para toda a vida s�o formados. E muito do que � aprendido pela crian�a � absorvido por meio da observa��o.
"� important�ssimo que os pais deem bons exemplos, especialmente at� os dois anos de idade, quando o paladar � formado", afirma Cintia Cercato, da Abeso. "Oferecer alimentos diversos e em v�rios formatos e combina��es diferentes � sempre uma boa ideia, assim como organizar refei��es em fam�lia para que a crian�a se sinta motivada a comer bem".
A especialista ainda recomenda convidar as crian�as sempre que poss�vel para participar do preparo dos alimentos, de forma que elas se sintam inclu�das na rotina alimentar da fam�lia.
Por outro lado, a gen�tica tamb�m tem um peso importante. Segundo Cercato, a chance de filhos de pais obesos sofrerem do mesmo problema pode chegar a 80%. Mas, se os pais t�m peso normal, a probabilidade cai para menos que 10%.
O peso durante a gesta��o tamb�m pode afetar a situa��o do beb�. "O IMC da m�e durante a gest�o pode estar intimamente relacionado ao peso futuro da crian�a", diz Feferbaum.
Especialistas afirmam que � poss�vel controlar o peso na gravidez, mas, para melhores resultados, � fundamental fazer mudan�as no estilo de vida antes mesmo de engravidar.
Falta de acompanhamento especializado
Segundo o pediatra e nutr�logo Rubens Feferbaum, a falta de acompanhamento peri�dico das crian�as por um m�dico especializado tamb�m pode estar contribuindo para o aumento dos casos de sobrepeso e obesidade.
"Nem todas as fam�lias no Brasil tem um acompanhamento regular com um pediatra", diz o m�dico. "H� uma cultura nacional de s� levar os filhos ao m�dico em casos de emerg�ncia, mas o ideal � acompanhar a evolu��o da altura e do peso com visitas regulares".

O acompanhamento m�dico peri�dico � essencial para a identifica��o precoce do sobrepeso, segundo especialistas
Getty ImagesPara o especialista, � muito mais f�cil e poss�vel reverter o quadro de ganho de peso quando ele � identificado precocemente. "Ap�s os 5 anos e sobretudo na adolesc�ncia, a obesidade se torna mais dif�cil de reverter. Na verdade, quando mais a obesidade se estende na linha do tempo de uma crian�a pior ser� o prognostico para ela".
Quando o sobrepeso ou a obesidade s�o identificados pelo pediatra, o indicado � que a crian�a seja encaminhada para um m�dico especializado, como um nutricionista ou endocrinologista.
"Por conta das altas taxas de desnutri��o que o Brasil apresentou no passado, � comum que pais acreditem na cren�a de uma crian�a roli�a � sin�nimo de sa�de. Mas isso n�o � verdade e s� um acompanhamento m�dico respons�vel pode determinar o peso e a altura certa de cada uma", diz In�s Rugani, pesquisadora do Enani-2019.
Pandemia
Os dados do Enani-2019 n�o englobam o per�odo da pandemia de Covid-19, mas outras pesquisas realizadas no Brasil e no mundo j� demonstram o impacto dos per�odos de isolamento no peso de crian�as de adolescentes.
Um estudo desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Pediatria e publicado na revista cient�fica Jornal de Pediatria, mostrou que alguns comportamentos do isolamento est�o acarretando ganho de peso nos pequenos.
A explica��o � simples: a falta de gasto energ�tico nas brincadeiras ao ar livre, na escola e tamb�m a suspens�o dos exerc�cios f�sicos, associados ao maior tempo diante das telas, contribu�ram para o problema.
Outra pesquisa, do Instituto de Comunica��o e Informa��o em Sa�de (Icict/Fiocruz), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), indica que ouve aumento no consumo de doces e congelados, bem como no sedentarismo, por crian�as e adolescentes. O percentual de jovens entre 12 e 17 anos que n�o faziam 60 minutos de atividade f�sica em nenhum dia da semana antes da pandemia era de 20,9%, e passou a ser de 43,4%.
E por mais que n�o existam ainda dados sobre o aumento de peso real durante o per�odo de isolamento no Brasil, os especialistas ouvidos pela BBC News concordam que haver� um aumento consider�vel nos �ndices de sobrepeso e obesidade nos pr�ximos anos.
"Sabemos que os �ndices v�o piorar, e n�o somente porque a frequ�ncia de atividades f�sicas diminui no per�odo de isolamento, mas tamb�m por conta da recess�o econ�mica, que afeta diretamente a qualidade da alimenta��o do brasileiro", diz In�s Rugani, do Enani-2019.
Para Rubens Feferbaum, do Departamento de Nutri��o da Sociedade de Pediatria de S�o Paulo (SPSP), � preciso considerar tamb�m o impacto da pandemia na sa�de mental das crian�as e adolescentes.
"Ao ficarem presas em casa, sem ir � escola ou encontrar os amigos, muitas crian�as e adolescentes desenvolveram ansiedade e depress�o", diz. "Esses fatores muitas vezes impactam na forma como os jovens se alimentam, pois podem gerar compuls�o alimentar".
E se ainda n�o existem dados sobre o ganho de peso durante a pandemia no Brasil, j� h� informa��es sobre o cen�rio nos Estados Unidos. Uma pesquisa do Centro de Controle de Doen�as (CDC) do Departamento de Sa�de dos EUA mostrou que o percentual de crian�as e adolescentes obesos no pa�s aumentou para 22%, em compara��o com 19% antes da covid-19.
"O estudo americano mostra um crescimento preocupante na curva de obesidade nos Estados Unidos, e no Brasil n�o deve ser t�o diferente", diz Cintia Cercato, da Abeso.
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
*Para comentar, fa�a seu login ou assine