V�rios fatores podem levar as pessoas a ingerirem medicamentos psicotr�picos para aliviar sofrimentos inerentes � condi��o humana, como preocupa��es, frusta��es e ang�stias
Michal Jarmoluk/Pixabay
Tem sido cada vez mais comum encontrar jovens e adultos com doen�as relacionadas � sa�de mental. Levantamento de setembro de 2019 feito pelo Minist�rio da Sa�de (MS), os atendimentos e interna��es de pacientes do Sistema �nico de Sa�de (SUS) referentes � depress�o aumentaram 52% entre 2015 e 2018. Eram mais de 121 mil pessoas e, dentre a popula��o na faixa dos 15 e 29 anos, o aumento foi de 115%.
Entre as poss�veis raz�es para isso est�o as mudan�as que a �ltima d�cada trouxe no campo social, cultural, pol�tico, econ�mico e profissional. Al�m disso, estamos inseridos em uma realidade de padr�es extremos, altas expectativas, muita press�o no trabalho e imediatismo. Esses fatores podem levar as pessoas a ingerirem, por exemplo, medicamentos psicotr�picos para aliviar sofrimentos inerentes � condi��o humana, como preocupa��es, frusta��es, ang�stias, entre outros.
Nesse cen�rio, especialistas da �rea de sa�de se atentam para que a depend�ncia de medicamentos n�o se instale nas pessoas. Mas, como muitas acabam se automedicando, seja por dificuldade no acesso aos servi�os de sa�de ou por alguma quest�o pessoal, elas acabam correndo o risco de ter um v�cio.
Venda de opioides
A Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) fez um levantamento da venda anual de analg�sicos opioides (medicamentos como a oxicodona, code�na e fentanil para controle de dor oncol�gica e n�o-oncol�gica, que tamb�m produzem sensa��o de euforia e relaxamento e s�o altamente viciantes): no primeiro semestre de 2021, foram comercializados cerca de 14,5 milh�es de embalagens de analg�sicos opioides no Brasil. J� em 2020, este n�mero beirou os 22 milh�es.
A farmac�utica Anelise Liduvino Faria Kojo, professora e coordenadora do curso da farm�cia do Centro Universit�rio M�dulo, explica que algumas subst�ncias ativam o sistema de recompensa do c�rebro e esse est�mulo faz com que ocorra uma perturba��o na pessoa, aumentando a necessidade de ativa��o e diminuindo o prazer de outros est�mulos, por exemplo, comer.
“O indiv�duo fica dependente desse est�mulo por n�o sentir mais prazer em outras coisas naturais do dia a dia e sua interrup��o causa sintomas f�sicos de desconforto, ansiedade e at� sintomas graves que podem levar � morte”, considera a especialista.
Esse sistema de recompensa � modulado pela dopamina, um neurotransmissor envolvido na depend�ncia. Assim, quando ingeridos por um per�odo prolongado, de maneira ininterrupta, normalmente superior a tr�s meses, esses medicamentos podem causar o que se conhece por farmacodepend�ncia, explica Jos� Artur da Silva Emim, coordenador e docente do curso de Farm�cia da Universidade Cidade de S�o Paulo (Unicid).
Principais medicamentos que causam v�cio
O v�cio em medicamentos propaga no c�rebro da pessoa uma a��o semelhante � de outras subst�ncias, como bebidas, cigarros, mas com uma capacidade viciante maior. Os analg�sicos opioides s�o os que mais causam depend�ncia porque agem no sistema de recompensa mencionado pelos docentes do M�dulo e da Unicid.
“S�o exemplos desse tipo de medicamento a code�na, a morfina e o tramadol que s�o prescritos para casos de dores fortes de um p�s-cir�rgico ou de um grande trauma, por exemplo”, destaca a docente do M�dulo.
O professor Jos� Artur lembra de outros tipos de medicamentos que tamb�m atuam o Sistema Nervoso Central (SNC) e que interferem no sistema de recompensa: os psicotr�picos. Esses interferem a capacidade de pensar, analisar, abstrair, julgar e agir (afetam humor e comportamento).
"Contudo, t�m grande capacidade refor�adora, sendo, portanto, pass�veis de autoadministra��o, ou seja, levam � depend�ncia. Entram nessa categoria os tranquilizantes, os ansiol�ticos, os antidepressivos, al�m dos analg�sicos opioides (compostos semelhantes � morfina), entre outros”, exemplifica o especialista.
Perigos da depend�ncia medicamentosa
O consumo em excesso de medicamentos pode causar uma s�rie de danos ao nosso organismo, inclusive gerar a chamada farmacodepend�ncia. E, nesse sentido, acabar tendo abstin�ncia pode se tornar uma realidade, para al�m de efeitos nocivos como perda da mem�ria, sonol�ncia, irrita��o e dificuldade de concentra��o.
“Como qualquer outro v�cio, faz a pessoa ref�m do desejo de usar repetidamente a subst�ncia e isso atrapalha a vida profissional, social e familiar. Al�m disso, h� o fato de a pessoa poder se envolver em atos il�citos para continuar adquirindo a subst�ncia que s� pode ser adquirida licitamente com a prescri��o de um profissional de sa�de. Em casos extremos pode levar a morte por overdose”, completa Kojo.
A falta que o corpo sente do medicamento, nesse sentido, faz com que a pessoa perca o controle da quantidade ingerida ou injetada, algo que pode lev�-la a �bito: “A abstin�ncia � uma rea��o extremamente incapacitante, a qual, necessariamente, envolve a ado��o de um tratamento terap�utico (medicamentoso ou n�o) para revert�-la. O viciado em medicamentos n�o consegue abandonar o v�cio sozinho. Trata-se de uma condi��o bastante sofrida que gera impactos negativos no viciado, em sua fam�lia e em seus amigos”, atenta o professor Jos�.
Tratamento
O v�cio em medicamentos s� pode ser abandonado com tratamento especializado e adequado, � o que ressalta Anelise Liduvino Faria Kojo: “Precisa ser tratado como outros v�cios, de forma multidisciplinar com equipe composta por m�dicos, psic�logos e outros profissionais especializados. Em alguns casos s�o utilizados outros medicamentos para tratar os sintomas de abstin�ncia”.
Para evitar que a depend�ncia ocorra, Anelise salienta que � essencial que as pessoas usem apenas medicamentos que foram prescritos por profissionais habilitados e utilizem conforme orienta��o farmac�utica.
N�o h� medicamento isento de risco
J� Camilla Uzam, professora do curso de farm�cia da Unicid, orienta que n�o h� medicamento isento de risco e que, mesmo que n�o seja necess�ria uma prescri��o para o seu uso, � preciso evitar tomar rem�dios por conta pr�pria.
“A utiliza��o sem o acompanhamento de um profissional qualificado, seja ele m�dico ou farmac�utico, pode causar s�rios danos � sa�de individual e, tamb�m, coletiva. Um exemplo de impacto do uso indevido de medicamentos � o fen�meno crescente e preocupante da resist�ncia aos antibi�ticos, que � motivo de muita preocupa��o em n�vel global, notadamente pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS)”, pontua o professor Jos� Artur.
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