
Em 2022, as novidades apresentadas no Encontro da Sociedade Americana de Oncologia Cl�nica deixaram m�dicos e pacientes especialmente esperan�osos.
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Na avalia��o dos especialistas, as pesquisas divulgadas nesta edi��o trazem avan�os importantes que mudam a perspectiva do combate a diversos tipos de tumores.
Entenda a seguir o que os principais avan�os anunciados agora podem significar para o tratamento do c�ncer.
C�ncer de mama: rem�dio beneficia um n�mero bem maior de pacientes
O rem�dio trastuzumabe � utilizado no tratamento do c�ncer de mama h� d�cadas.
Por�m, apesar dos bons resultados, sempre teve uma limita��o: s� podia ser prescrito para pacientes com tumores que expressam bastante um gene chamado HER2, algo checado por meio de um exame.
Mas isso agora mudou: uma das grandes novidades do congresso foram os resultados do estudo sobre a droga trastuzumabe deruxtecan.
"Assistimos � chegada de um rem�dio revolucion�rio", diz o m�dico oncologista Romualdo Barroso, coordenador de pesquisa no Hospital S�rio-Liban�s em Bras�lia.
"Depois de muitos anos sem grandes novidades, temos uma nova op��o terap�utica que aumenta a sobrevida (mais tempo de vida) das pacientes."
Segundo Barroso, o novo rem�dio funciona como um cavalo de Troia (ou seja, ele parece ser uma coisa, mas funciona como outra).
O trastuzumabe � um anticorpo monoclonal, um tipo de rem�dio que pode ser usado tanto para prevenir quanto para tratar doen�as. No caso do c�ncer de mama, ele se liga aos receptores que est�o na superf�cie das c�lulas cancerosas.
Isso tem dois efeitos principais. O primeiro deles � "chamar a aten��o" do sistema imunol�gico, que passa a enxergar o c�ncer como uma amea�a e dispara uma s�rie de a��es para combat�-lo.
O segundo � permitir que o deruxtecan (a segunda parte do medicamento) "invada" as c�lulas doentes. Ele � um rem�dio quimioter�pico potente, que destr�i o tumor de dentro pra fora.

Mas a novidade vai al�m do funcionamento: o novo rem�dio funciona bem at� em pacientes com tumores que expressam menos o gene HER2.
Isso significa na pr�tica que mais pessoas que pode se beneficiar desse rem�dio. Quase sete em cada dez pacientes, estima Barroso.
O medicamento, que � aplicado na veia a cada 21 dias, ainda depende da aprova��o das ag�ncias regulat�rias para ser usado nos hospitais.
Num primeiro momento, poder� ser empregado como uma segunda linha de tratamento, ou seja, quando as primeiras op��es falharam e a doen�a se espalhou para outras partes do corpo (processo conhecido como met�stase).
Segundo Barroso, � prov�vel que, ao longo do tempo, se torne uma op��o tamb�m para tumores em fases iniciais.
Mas Barroso lamenta que os tratamentos mais modernos contra o c�ncer n�o cheguem direito � rede p�blica de sa�de (SUS) no Brasil.
"Quem tem conv�nio at� consegue obter as medica��es endovenosas [aplicadas na veia], mas os 80% de pacientes que dependem do SUS n�o t�m acesso", aponta.
"H� um abismo entre o que � oferecido nas redes p�blica e privada."
C�ncer de reto: medicamento com resultados surpreendentes (at� para m�dicos)
Imagine um medicamento que consegue fazer uma doen�a desaparecer em todos os pacientes do estudo realizado para analisar se ele funciona ou n�o.
Naturalmente, um resultado positivo desses chama aten��o de quem n�o � especialista da �rea.
"Mas, mesmo para n�s, m�dicos, � muito surpreendente", diz a oncologista Rachel Riechelmann, diretora do Departamento de Oncologia Cl�nica do A.C. Camargo Cancer Center, em S�o Paulo.
Foi exatamente o que aconteceu em um teste do dostarlimabe para o tratamento de c�ncer de reto (o trecho final do intestino). Ele j� � usado para outros tumores, como os que afetam o endom�trio (tecido que recobre o �tero).
O dostarlimabe faz parte da classe das imunoterapias, que estimulam o sistema imune a atacar o tumor.
A pesquisa envolveu 12 pacientes que foram acompanhados por seis meses. Ao final, todos n�o tinham mais qualquer evid�ncia de tumor no organismo.
Isso evitou que precisassem partir para tratamentos mais agressivos, como cirurgia, radioterapia ou quimioterapia.

Embora o resultado seja impressionante, � preciso fazer algumas pondera��es.
A primeira tem a ver com o tempo de acompanhamento. "Os seis meses de avalia��o s�o um per�odo curto. Pode ser que a doen�a reapare�a em alguns anos depois", analisa Riechelmann.
Em segundo lugar, o dostarlimabe s� funciona em um grupo restrito de pacientes que t�m tumores que apresentam uma caracter�stica descrita como "instabilidade de microssat�lites". Estima-se que cerca de 1% dos casos de c�ncer de reto se encaixam nesse crit�rio.
Enquanto o rem�dio n�o � aprovado para o novo uso, as pesquisas continuam, at� para saber por quanto tempo os pacientes realmente vivem sem esse tumor.
"Mas os resultados iniciais foram t�o bons que nem faz mais sentido comparar essa imunoterapia com o que era usado antes, como qu�mio e radioterapia", diz Riechelmann.
"� um tratamento que se mostrou melhor e menos t�xico", conclui.
C�ncer colorretal: exame evita quimioterapia desnecess�ria
Geralmente, congressos internacionais de oncologia trazem avan�os relacionados a novas ferramentas, m�todos de diagn�stico e, claro, medicamentos.
Por�m, neste ano, um trabalho sobre c�ncer colorretal (que afeta partes do intestino grosso) recebeu destaque justamente por seguir no caminho contr�rio: reduzir o n�mero de interven��es �s quais o paciente precisa se submeter.
Um grupo de pesquisadores de institui��es australianas avaliou um exame que detecta pedacinhos de DNA do tumor que aparecem na circula��o sangu�nea. O m�todo � conhecido como "bi�psia l�quida".
Mas o que isso tem a ver com o c�ncer colorretal? Pacientes diagnosticados com essa doen�a geralmente passam por uma cirurgia para remover a parte afetada do intestino.
Ap�s a recupera��o, por�m, o m�dico fica sempre em d�vida se restou alguma parte do tumor, mesmo que microsc�pica, no organismo do paciente. Caso tenha sobrado, a doen�a pode voltar a crescer e at� se espalhar pelo corpo.
Por via das d�vidas, muitas pessoas s�o submetidas a uma quimioterapia ap�s a cirurgia para eliminar qualquer c�lula tumoral que tenha ficado pelo caminho.
Isso diminui o risco de recidivas, mas submete os pacientes a uma terapia pesada, que pode ter efeitos colaterais.
� a� que entra o novo exame: ao detectar os pedacinhos de DNA do tumor, determina quem realmente precisa da segunda rodada de tratamento.
"Se o resultado da bi�psia l�quida der positivo, ele vai pra qu�mio. Se der negativo, n�o precisa", resume o oncologista Rodrigo Dienstmann, diretor m�dico do Oncocl�nicas Precision Medicine, em S�o Paulo.

No estudo que validou a t�cnica, 455 volunt�rios foram divididos em dois grupos. Os primeiros 302 fizeram a bi�psia l�quida logo ap�s a cirurgia. Com os 153 restantes, o m�dico decidiu se partia ou n�o para a qu�mio.
"Naqueles que fizeram bi�psia l�quida, 15% foram para a qu�mio depois. Nos demais, 28%", informa Dienstmann.
"Ou seja: foi poss�vel reduzir a aplica��o de quimioter�picos pela metade e obter o mesmo resultado de sobrevida dos pacientes", compara.
"A bi�psia l�quida tem um potencial revolucion�rio", analisa o m�dico.
C�ncer de p�ncreas: esperan�a de tratamento de sucesso
O adenocarcinoma de p�ncreas talvez figure no topo da lista de tumores com pior progn�stico.
"Esse c�ncer tem uma mortalidade alt�ssima. Cerca de 90% dos pacientes n�o sobrevivem por cinco anos, mesmo quando o diagn�stico � precoce", diz o m�dico Paulo Hoff, presidente da Oncologia D'Or.
Nos �ltimos dez anos, as mudan�as no tratamento desta doen�a se resumiram � chegada de novos quimioter�picos — os avan�os relacionados aos rem�dios mais modernos e menos agressivos, como os imunoter�picos e os anticorpos monoclonais, n�o chegaram a beneficiar no caso desta doen�a que acomete o p�ncreas.
Mas uma nova possibilidade se abriu: durante o congresso americano de oncologia deste ano, foram apresentados os primeiros testes que utilizam um m�todo chamado CAR-T Cells contra esse tipo de c�ncer.

O recurso terap�utico, j� aprovado contra alguns tumores do sangue (como linfomas, leucemias e mieloma m�ltiplo), consiste em extrair c�lulas imunol�gicas do pr�prio paciente, modific�-las em laborat�rio e reintroduzi-las no organismo, para que reconhe�am e ataquem o tumor.
Segundo o que foi apresentado no congresso, as CAR-T Cells foram testadas em um paciente com c�ncer de p�ncreas nos Estados Unidos. Os resultados iniciais foram positivos.
"Embora o uso dessa terapia contra o adenocarcinoma de p�ncreas seja extremamente interessante, n�o � algo que estar� dispon�vel em nossas cl�nicas amanh�", pondera Hoff, que � professor de Oncologia Cl�nica da Universidade de S�o Paulo.
"H� um longo trajeto a ser percorrido, mas ao menos agora temos uma esperan�a de que podemos estar no caminho certo."
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-61839292
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