
Aten��o: Esta reportagem cont�m imagens fortes.
A publicit�ria Cl�udia Fontana Winck, de 25 anos, era apenas uma crian�a quando precisou amputar a ponta dos dedos dos p�s e das m�os em um hospital de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Se seus pais n�o autorizassem o procedimento cir�rgico, ela n�o sobreviveria. "Eu cheguei nesse hospital com apenas 1% de chance de vida e fiquei em coma induzido. Meus pais choraram muito e n�o acreditaram no que estava acontecendo", conta � BBC News Brasil.
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A decis�o ocorreu depois que seus membros necrosaram devido a uma trombose, que, segundo a fam�lia, foi provocada por um erro m�dico em uma outra unidade hospitalar, em Novo Hamburgo, tamb�m no Estado ga�cho.
A doen�a
Quando tinha 1 ano e 7 meses, Claudia apresentou uma forte dor de garganta e foi levada ao hospital. Na �poca, para tratar a condi��o, os m�dicos iniciaram um tratamento com amoxicilina, antibi�tico usado contra diversas infec��es bacterianas.
Algum tempo depois, ao retornar para casa, ela apresentou roxos no bra�o, nas pernas e em outras partes do corpo. A princ�pio, seus pais acreditavam que a beb� poderia se bater durante o sono, mas ela apresentou um roxo bem no meio da testa, o que chamou sua aten��o.
Ao ser levada para um hospital em Novo Hamburgo, o pediatra pediu exames porque havia muitas suspeitas. Os especialistas acreditavam que poderia ser leucemia, l�pus ou p�rpura trombocitop�nica idiop�tica.
O resultado apresentado foi esta �ltima doen�a autoimune que, na �poca, era considerada rara. "At� hoje n�o se sabe se a doen�a surgiu por causa da dor na garganta ou por causa dos efeitos do antibi�tico que foi usado para tratar o problema. Na bula, dizia que podia provocar isso", lembra Claudia.
Internada, come�ou o tratamento, por�m, segundo ela, este foi feito de forma errada. "Eles fizeram uma transfus�o de sangue, porque as plaquetas estavam baixas, e eu tive uma trombose", conta. A publicit�ria ainda desenvolveu uma anemia aguda, conhecida por s�ndrome hemol�tica ur�mica.

Durante esse per�odo, Claudia come�ou a fazer xixi com sangue, apresentou um mau funcionamento dos rins, e as pontas dos dedos come�aram a ficar roxas. Depois de uma semana, mesmo diante do quadro, um hematologista disse que ela poderia ir para casa e ter alta. Sua m�e questionou e mostrou as fraldas da crian�a com muito sangue.
Os exames tamb�m n�o apresentaram um bom progn�stico, e at� os funcion�rios do laborat�rio indagaram se era o momento para receber alta hospitalar. Segundo a jovem, o relat�rio informava que ela havia tido uma melhora.
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Ao chegar em casa, sua m�e estranhou que sempre quando a garota colocava a m�o na �gua reclamava de ard�ncia e dor e que as pontas dos dedos continuavam roxas. Ao falar com o m�dico por telefone, ele teria dito que havia feito tudo que era poss�vel. Nesse intervalo, seu estado de sa�de s� piorava.
Quando voltaram para o hospital, conta Cl�udia, o m�dico comentou que s� ia atender mediante cheques antecipados, funcionando como um "pagamentos por fora".
"Como meu pai era um jogador de futebol conhecido na �poca, ele ligou l� e sempre cobravam dele e dentro do hospital. Ele queria a todo custo fazer algo por mim. Era algo desesperador, uma crian�a fazendo xixi com sangue", relata.
Quando voltou para o local, Claudia diz que um cardiologista viu seu estado, ficou em choque e tentou injetar medicamentos em seus p�s e m�os para bombear sangue.
O especialista ainda aconselhou a fam�lia a ir para um outro hospital e ter um atendimento melhor. Depois disso, seus pais decidiram transferi-la para Porto Alegre.
Logo na chegada ao hospital em Porto Alegre, ela ficou em coma induzido e com os rins totalmente parados.
Os m�dicos deixaram bem claro para seus pais que Cl�udia tinha apenas 1% de chance de vida. "Eles injetaram plasma, falaram que eu estava muito mal e para os meus pais irem se preparando", relembra.
Na �poca, ela foi cuidada por 14 especialistas, que n�o acreditavam como seus membros chegaram naquele estado. Por causa da trombose, os dedos estavam necrosando, e os m�dicos optaram pela amputa��o.
"Minha m�e dormia na sala do hospital e n�o sabia o dia de amanh�. Quando souberam da amputa��o, meus pais s� choravam."
Um dos profissionais disse que seria preciso amputar os p�s a partir do tornozelo, e as m�os, come�ando pelo o pulso. Um outro sugeriu fazer o procedimento aos poucos. "Eu fiquei com a minha falange. Mas minha m�o esquerda, por ter sido afetada pela trombose, teve um pouco mais de amputa��o", relata.
Foram 40 dias entre o coma e procedimentos para as amputa��es, somando cinco cirurgias. Claudia ficou com o ded�o do p�, o mindinho do p� esquerdo e o mindinho direito. Os outros membros foram amputados.
Depois que saiu do hospital, sofreu um AVC (acidente vascular cerebral), o primeiro de tr�s que teria em sua vida.
"Meus pais contavam que chegavam sacos e mais sacos de medicamentos para eu tomar. Ingeria um monte."
Por causa disso, ela ficou mais quase 60 dias entre interna��es e tratamento. Ap�s uma melhora, finalmente teve alta.
AVCs depois do hospital
Por causa das amputa��es, a jovem precisou fazer fisioterapia. Quando tinha pouco mais de 2 anos, sofreu o segundo AVC. "O fisioterapeuta notou que n�o estava levantando a perna e a m�o e alertou minha m�e", diz Claudia.
Ela foi levada novamente ao hospital e, gra�as ao atendimento r�pido, n�o precisou ficar em uma cadeira de rodas e, aos poucos, tentou andar. A publicit�ria ainda sofreu uma trombose de car�tida, um entupimento do vaso arterial.
Depois do epis�dio, ela precisou tomar inje��es para o sangue n�o coagular e evitar novos casos de trombose. Aos poucos, as doses foram diminuindo e, quando ela tinha 8 anos, n�o precisou mais dos rem�dios.
Passado alguns anos, quando j� estava no ensino fundamental, come�ou a sentir muita coceira nos p�s, nos dedos, e os membros come�aram a ficar roxos. Mesmo diante disso, n�o ligou para o ocorrido.
Mas, depois de muito inc�modo, mostrou para sua m�e, e todas as mem�rias da inf�ncia vieram � tona. "Fui para o hospital, e constataram que estava com vasculite, uma inflama��o nos vasos sangu�neos. Por causa disso, preciso fazer tratamento at� hoje e ainda tive problemas", diz.
Quando j� estava com 18 anos, teve seu terceiro AVC do lado esquerdo que, segundo ela, foi provocado pela inflama��o dos vasos sangu�neos.
"Comecei a sentir um formigamento no lado esquerdo, na boca, no bra�o, na perna, e parecia que meu rosto estava dividido. Fomos ao hospital, e constataram que tive meu terceiro acidente vascular cerebral", relembra.
Por causa disso, ela ficou com muita fraqueza e n�o sentia o ch�o.
Recupera��o e inf�ncia dif�cil
Quando sofreu seu segundo AVC, ainda crian�a, Claudia ficou com muitas sequelas e precisou de fisioterapia para realizar alguns movimentos.
Al�m desse tratamento, fazia diversos esportes como futebol, nata��o, patina��o e outros para tentar recuperar e aprimorar alguns movimentos.
"Eu fiz de tudo um pouco. O que mais tenho dificuldade � do meu lado esquerdo, e ainda manco bastante", conta.
Ela tamb�m faz uso de botox, todos os anos, no bra�o esquerdo para o relaxamento da musculatura e melhora deste lado do corpo.
Mesmo tendo sempre o apoio da fam�lia e falando abertamente sobre suas amputa��es, no passado, ela sofria muito com bullying e julgamento das pessoas. Na escola, estudava com sua irm� g�mea na mesma sala e recebia diversos apelidos dos colegas de classe.
Ela relembra que uma vez chegou chorando da escola porque n�o tinha unhas, e sua irm�, cansada de ver o que Claudia passava, disse que desejava tirar os dedos e dar para ela.
"Minha m�e me explicou que, se fosse poss�vel, ela tamb�m daria os dedos para mim. Fui uma crian�a muito revoltada com a vida, porque n�o sabia o que tinha ocorrido. At� que meus pais me contaram toda a hist�ria."
Por muito tempo, sua m�e e irm� n�o pintavam as unhas para n�o deix�-la mal.
At� a adolesc�ncia, Claudia tinha o sonho de ter pr�teses nas m�os e p�s, mas o processo de adapta��o � complicado. "Eu teria que reaprender a escrever do zero, decidi que n�o queria mais e segui."
Questionada por qual motivo seus familiares n�o processaram o hospital na �poca ou depois de algum tempo, a jovem ressalta que, por seu pai ser uma figura p�blica, ele preferiu preserv�-la.
V�deo viralizou nas redes sociais
Como sempre recebeu diversas d�vidas sobre sua condi��o, ela resolveu postar um v�deo sobre sua hist�ria. Para sua surpresa, o conte�do viralizou rapidamente e fez com que muitas pessoas quisessem saber mais sobre sua vida.
Hoje, a publica��o j� soma pouco mais de 5 milh�es de visualiza��es, e sua conta atingiu 100 mil seguidores. Por l�, ela compartilha, quase sempre, sua rotina de fisioterapia e avan�o nos movimentos.
Ela ainda alerta sobre sintomas sentidos antes de sofrer o AVC e responde �s d�vidas dos seguidores sobre a doen�a e sequelas que teve.
Agora, uma de suas vontades � se tornar uma influenciadora digital e poder motivar com sua hist�ria. "Quero falar para mais pessoas e inspir�-las atrav�s das redes sociais", conclui.
- O texto foi editado em 10/07 para ficar de acordo com a pol�tica editorial da BBC. O texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62078116
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