Por que nenhuma mulher existe sem outra mulher

Na atividade m�dica, o paciente � quem menos fala. Ao buscar orienta��o, responde a perguntas objetivas, em um formato t�cnico e sistem�tico conduzido pelo profissional de sa�de. A cardiologista baiana Ana Marice Ladeia inverteu essa l�gica em “Do amor e do amar – Hist�rias de mulheres reais como voc�”.

 

No livro, a autora apresenta o resultado de um profundo exerc�cio de escuta e percep��o. Ao longo dos anos, Ana Marice aprendeu que a melhor escuta � a realizada sem julgamentos, pois n�o existem apenas doen�as; o que existe s�o pessoas doentes em toda a sua complexidade como ser humano.

“Saber escutar uma pessoa doente exige treinamento e exerc�cio de percep��o. Assim, na escuta da escritora/pessoa-personagem, eu tamb�m precisei ter percep��o do sentimento de quem falava para acolher, n�o julgar e orientar a informa��o para a melhor constru��o do meu texto”, afirma.

 

A obra re�ne uma d�zia de contos escritos a partir de depoimentos reais de mulheres ou de descendentes, como filhos e netos. “N�o h� ju�zo de valor sobre cada hist�ria, h� uma escuta c�mplice que fala com leveza, mas dentro de um contexto real, de um relacionamento vivido pelas mulheres que s�o as protagonistas de suas hist�rias e das pr�prias vidas”, comenta Ana. 

 

Mas por que falar do amor e do amar a partir de depoimentos de mulheres reais?  “Pensei que seria solid�rio e emp�tico ouvir a experi�ncia vivida por outra mulher e transformar isso em literatura. Ent�o, lancei minha ideia para mulheres pr�ximas a mim e senti que muitas delas tinham desejo de partilhar suas hist�rias de vida”, explica.

 

A escrita aborda temas que podem ser comuns a v�rias mulheres e cada mulher pode se ver em outra mulher. O livro fala de paix�es, de trair e de ser tra�da, de viol�ncia dom�stica, da inf�ncia roubada, da escolha de ser m�e solteira, aborto, mas de uma forma emp�tica e delicada. N�o � um livro panflet�rio, � um livro de sororidade e de conversa com o universo feminino.

EMO��O

Com a devida licen�a po�tica, premissa da escrita, ela criou personagens que emocionam e geram f�cil identifica��o com o leitor – mulher ou homem – ao abordar temas atuais e ao mesmo tempo antigos, como “o amor e o amar”. “Nome de rainha”, “For�a de furac�o”, “Rasgando o v�u”, “Ela � carioca e n�o teme os b�zios” intitulam hist�rias representativas da for�a e singularidade femininas, sem pretender um gesto panflet�rio. 

 

Ana esclarece que os crit�rios para reunir os relatos foram bastante aleat�rios. Alguns vieram de forma espont�nea por �udio gravado, texto escrito, conversa em um caf� ou confeitaria. Outros, ela perguntou se a pessoa gostaria de participar do livro com sua hist�ria, ou a hist�ria da m�e ou da av�.

 

“Cada conto traz uma hist�ria que conversa com o leitor muito mais do que eu escrevi. Conversa com a experi�ncia subjetiva de ser mulher e na identifica��o com outras mulheres. Para os homens, � uma grande oportunidade de olhar o universo feminino de uma maneira emp�tica, buscando suas refer�ncias femininas naqueles personagens t�o reais que poderiam ser a m�e, a tia, a esposa de cada um deles.”

 

Por meio de uma escrita delicada e cativante, Ana Marice incorporou quatro poemas: tr�s de pr�pria autoria e um da tamb�m cardiologista e poeta Maria da Concei��o Andrade. Ela � uma das 70 mulheres reais, de diferentes idades, profiss�es e etnias, que emprestaram verdades e belezas �nicas para ilustrar a capa do livro e representar este “lugar” onde a imagina��o e a realidade se encontram.  

 

“Que esse presente que me dei aos 60 anos seja tamb�m um presente para todas as mulheres, pois sabemos que mesmo no s�culo 21 ainda � muito dif�cil ser mulher e poder demonstrar toda a sua verdade”, declara. A autora acredita que o olhar de uma mulher sobre outra mulher deve sempre trazer cumplicidade, apoio e respeito pelas escolhas de cada uma de n�s. “Nenhuma mulher existe sem outra mulher. Afinal, a primeira refer�ncia de sentimento que homens e mulheres recebem vem sempre de uma mulher”, finaliza Ana.