Ilustração da boca

Sensa��o de boca seca, inflama��o e les�es na l�ngua e na mucosa, entre outros, foram alguns sinais detectados na fase p�s-infec��o e que podem aumentar a lista das sequelas associadas ao Sars-CoV-2

UnB

Fadiga, dor muscular e problemas de mem�ria s�o sintomas bem documentados da p�s-COVID. Agora, pesquisas come�am a apontar que a s�ndrome, que chega a afetar mais de 50% dos pacientes, segundo a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), tamb�m tem manifesta��es na cavidade oral. Sensa��o de boca seca, inflama��o e les�es na l�ngua e na mucosa, entre outros, foram alguns sinais detectados na fase p�s-infec��o e que podem aumentar a lista das sequelas associadas ao Sars-CoV-2.


Para compreender melhor o cen�rio, um grupo multic�ntrico liderado por pesquisadores da Universidade de Bras�lia (UnB) est� avaliando cerca de 300 artigos, selecionados entre mais de 1,7 mil publica��es, que apresentam evid�ncias dos sintomas odontol�gicos p�s-COVID. Trata-se da mesma equipe de cientistas que publicou, anteriormente, duas revis�es de artigos sobre as manifesta��es orofaciais durante a infec��o, como altera��es no paladar e les�es semelhantes a herpes e aftas.

"Agora, nosso foco � a COVID longa, em um cen�rio p�s-vacina. S�o realidades completamente diferentes", define Eliete Neves da Silva Guerra, professora titular do Departamento de Odontologia da Faculdade de Sa�de da Universidade de Bras�lia (UnB) e uma das l�deres do projeto. O resultado do estudo ser� publicado, ainda neste ano, na revista Journal of Dental Research.

Eliete Neves da Silva Guerra

Eliete Neves da Silva Guerra, professora titular do Departamento de Odontologia da Faculdade de Sa�de da Universidade de Bras�lia (UnB)

Arquivo pessoal

A pesquisadora conta que esperava relatos de xerostomia (boca seca) e disfun��es gustativas, mas se surpreendeu ao encontrar, tamb�m, ocorr�ncias de paralisia de Bell - enfraquecimento muscular repentino de um dos lados da face - e de l�quen plano oral, uma inflama��o no interior da boca que provoca manchas brancas e vermelhas que podem ser dolorosas. No segundo caso, � poss�vel atribuir o sintoma �s altera��es do sistema imunol�gico na p�s-COVID, quando o organismo continua produzindo c�lulas de defesa contra o v�rus mesmo quando ele n�o est� mais presente, explica Eliete Neves da Silva Guerra. Isso desencadeia a rea��o autoimune, caracterizada pelo processo inflamat�rio.
 

J� a paralisia de Bell pode ser consequ�ncia do tropismo viral, ou seja, a propens�o que o pat�geno tem de infectar alguns tipos celulares - nesse caso, c�lulas do sistema nervoso central. Um dos estudos avaliados pela equipe foi publicado na revista Jama, da Associa��o M�dica Norte-Americana, e tamb�m encontrou casos do tipo depois da vacina��o para COVID-19, mas em um percentual menor, explica a cirurgi�-dentista Juliana Amorim dos Santos, doutoranda da Faculdade de Ci�ncias da Sa�de da UnB. "A incid�ncia em pessoas que tiveram a COVID foi seis vezes maior, comparadas �s que tomaram a vacina", diz a pesquisadora.

Necrose

Segundo a cirurgi�-dentista, tamb�m foram identificados casos de osteonecrose da mand�bula p�s-COVID. Um estudo de institui��es eg�pcias publicado recentemente no The British Medical Journal Infection Diseases, inclu�do na meta-an�lise da UnB, relatou 14 complica��es do tipo. Nessa les�o, muitas vezes dolorosa, o osso da mand�bula fica exposto, exigindo a realiza��o imediata de uma cirurgia. A poss�vel associa��o com o Sars-CoV-2 n�o � explicada pelo v�rus nem a doen�a em si, mas pelo tratamento da COVID. "Os pacientes desses casos fizeram uso de corticoides e de um anticorpo monoclonal que podem explicar a necrose", diz Juliana Amorim dos Santos.

Na Pol�nia, pesquisadores da Universidade M�dica de Vars�via encontraram outros sintomas na cavidade oral, com diferentes dura��es e severidade, em pacientes curados da infec��o. Em um artigo publicado no European Journal of Dentistry, os autores contam que, das 1.256 pessoas inclu�das no estudo - todas elas previamente infectadas pelo coronav�rus - , 32% apresentaram descolora��o, ulcera��es e sangramentos na mucosa oral, 29,69% tiveram micose na l�ngua, 25,79% desenvolveram les�es semelhantes � afta no palato duro e 12,5% tiveram um tipo de inflama��o labial.

Durante a consulta, 60% dos pacientes relataram dist�rbios salivares no in�cio da infec��o, sendo que, para 6,7% deles, a condi��o durou at� quatro meses depois que os outros sintomas desapareceram. "Os idosos com comorbidades, as pessoas que tiveram COVID mais graves e os pacientes que foram hospitalizados apresentaram les�es mais extensas e graves na cavidade oral que persistiram por muito tempo ap�s a infec��o", escreveram os autores do artigo.

Tens�o

"O estresse tamb�m � um importante fator a ser considerado quando pensamos nos efeitos bucais tardios da COVID-19", destaca a especialista em periodontia Elisa Grillo Ara�jo, pesquisadora do Hospital Universit�rio da Universidade de Bras�lia (HUB) e respons�vel t�cnica da cl�nica Perio´life. "Lidar com as sequelas da doen�a e as incertezas envolvidas, os preju�zos econ�micos e a press�o no trabalho pode aumentar a ocorr�ncia de bruxismo e/ou apertamento dos dentes, causando fratura e perda dent�ria, condi��o cuja frequ�ncia aumentou muito durante a pandemia. Portanto, o estado mental do paciente tamb�m deve ser considerado", recomenda.

A dentista afirma que, al�m do estresse, dos efeitos adversos das medica��es e do estado de inflama��o consequente da infec��o, outros mecanismos fisiopatol�gicos podem ajudar a elucidar as complica��es e sequelas bucais p�s-COVID. "Al�m do dano celular direto, outra via sugerida que leva a complica��es da infec��o por COVID-19 a longo prazo � o estado de desregula��o imunol�gica. A imunidade comprometida pode levar a infec��es oportunistas, reativa��o de v�rus latente, como herpes, ou at� mesmo exacerbar condi��es bucais preexistentes", diz.

Por isso, Elisa Grillo Ara�jo refor�a a necessidade de acompanhamento dos pacientes. "Muitas vezes, as les�es bucais s�o subestimadas dada a situa��o, com a aten��o voltada para outros sintomas mais graves. Mas o n�o acompanhamento dessas les�es bucais pode ter consequ�ncias indesejadas que comprometem o estado geral do paciente."

Tr�s perguntas para:

Celso Augusto Lemos J�nior, professor da Faculdade de Odontologia da Universidade de S�o Paulo (USP) e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontol�gica (SBPqO)
Celso Augusto Lemos Júnior, professor da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP)

Celso Augusto Lemos J�nior, professor da Faculdade de Odontologia da Universidade de S�o Paulo (USP)

Arquivo pessoal

As manifesta��es orais durante a infec��o pelo Sars-Cov foram bem documentadas. � poss�vel que, ap�s a cura, pacientes possam desenvolver sintomas orais associados ao v�rus?

Sim, � poss�vel, e a cada dia mais trabalhos de pesquisa s�o publicados sobre esse assunto. Manifesta��es orais da COVID-19 foram observadas durante o per�odo agudo da doen�a, relacionadas � pr�pria infec��o ou �s medidas terap�uticas adotadas, como altera��o de paladar, ulcera��es orais inespec�ficas, descama��o da gengiva, pet�quias na mucosa oral e infec��es oportunistas, como a candid�ase. Hoje em dia, a preocupa��o dos profissionais de sa�de tem se voltado para as consequ�ncias dos sintomas p�s-COVID-19. Os estudos t�m demonstrado uma maior preval�ncia de determinados sintomas, tais como xerostomia (sensa��o de boca seca), sialoadenites (inflama��o das gl�ndulas salivares), les�es na superf�cie da l�ngua, dores cr�nicas e doen�as periodontais, al�m de infec��es f�ngicas oportunistas. Ainda h� um consider�vel grau de incerteza se esses sintomas est�o necessariamente associados � consequ�ncia da COVID ou mesmo aos tratamentos utilizados nos sobreviventes. Portanto, ainda vamos precisar de algum tempo de estudos e pesquisas que possam caracterizar com maior exatid�o quais seriam as manifesta��es orais na p�s-COVID.

A infec��o pode alterar, de forma cr�nica, a microbiota da regi�o?

N�o h� dados publicados at� o momento que consigam provar altera��o relevante na microbiota oral. Pode-se supor que, se existirem essas altera��es, elas dever�o ocorrer em pacientes que tiveram manifesta��o grave da covid, incluindo, a�, fatores como longo tempo de interna��o e uso de m�ltiplas drogas por muito tempo.

Do ponto de vista cl�nico, como deve ser o acompanhamento dos pacientes que tiveram covid?

O atendimento de rotina na odontologia parece ser suficiente at� o momento, segundo os dados publicados. Por�m, os cuidados necess�rios de higiene devem ser mantidos com aten��o e ajustados a cada paciente. Caso o paciente venha a se queixar de sintomas que n�o apresentava antes da covid, o cirurgi�o dentista dever� ser procurado para que se possa investigar de maneira minuciosa a poss�vel rela��o. Por exemplo, em casos de xerostomia (queixa de boca seca), sensibilidade alterada das mucosas orais e gengivites que n�o cedam aos cuidados normais de escova��o e fio dental.