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Estado de Minas COMPORTAMENTO

O que � a ditadura da felicidade e como podemos escapar dela

Embora pare�a contradit�rio, alguns psic�logos cansados %u200B%u200Bdo que chamam de 'ind�stria da felicidade' dizem que � bom se sentir mal para se sentir bem.


26/09/2022 07:46 - atualizado 25/09/2022 09:44
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David Salinas com plantas ao fundo
O psic�logo espanhol David Salinas contesta ideias como 'se estou triste, � porque sou um infeliz. E, se fracasso, � porque sou um perdedor' (foto: David Salinas)

Foi em um daqueles momentos obscuros em que as coisas parecem n�o ir nada bem que o psic�logo espanhol David Salinas percebeu que estava cansado da imposi��o social de ter que estar sempre bem, especialmente quando boa parte do seu trabalho est� relacionada ao bem-estar das pessoas.

Dali surgiu a ideia de escrever o livro La Dictadura de la Felicidad ("A ditadura da felicidade", em tradu��o livre), que o levou a dizer: "estou triste... e me alegro com isso!"

� primeira vista, algu�m poderia descartar a ideia de ler um livro que defende a tese de que est� certo "se alegrar por estar triste", ou de estar satisfeito por ter uma vida desafortunada.

Mas o autor adverte, � claro, que o livro n�o segue esse caminho. O que ele critica � a "imposi��o" de ter que "ser feliz" a todo custo, no contexto de uma ind�stria da felicidade crescente que se potencializou com uma avalanche de livros de autoajuda, com receitas para alcan�ar esse suposto bem-estar permanente.

Cansado de precisar "ser feliz" (uma constru��o mental que, a seu ver, � falsa, j� que a felicidade n�o � um objetivo a ser alcan�ado, mas sim um estado transit�rio), Salinas, com 42 anos de idade, analisa suas experi�ncias profissionais em seu consult�rio em M�laga, na Espanha, e aborda os principais mitos sobre a ideia da felicidade, nesta entrevista concedida � BBC News Mundo (o servi�o em espanhol da BBC).

 

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Ele acredita que, destruindo estes mitos, � poss�vel desfrutar mais da vida.

BBC: Voc� � um profissional que trabalha com a vertente da terapia cognitivo-comportamental. Por que voc� optou por este caminho e n�o pelas outras escolas existentes na psicologia para tratar seus pacientes?

David Salinas: Porque � um tipo de terapia mais centralizado no passado, como a psican�lise. Eu tento ser ecl�tico e acho que o que o trabalho desempenhado pelas outras escolas de terapia tamb�m � muito importante.

Mas, �s vezes, as pessoas v�m para a terapia procurando recursos, solu��es e ajuda, em busca de ferramentas que permitam que elas enfrentem melhor o dia a dia.

BBC: Com esse enfoque terap�utico, voc� tamb�m escreveu seu livro, A Ditadura da Felicidade. O que � essa ditadura?

Salinas: Cada um pode entender a ditadura da felicidade como algo distinto. Eu entendo como uma imposi��o sociocultural, segundo a qual parece que � preciso sempre estar bem e n�o se permite que as pessoas fiquem mal.


Mulher sorrindo
"Parece que vivemos em um mundo onde n�o � permitido se sentir mal", diz especialista (foto: Getty Images)

E n�o � s� isso. N�o se trata apenas de precisar estar sempre bem, mas de precisar estar sempre procurando a felicidade. Com isso, � preciso estar sempre procurando um est�mulo que nos d� felicidade.

Por isso, as pessoas se sentem muito pressionadas e, paradoxalmente, quando uma pessoa se sente pressionada, ela n�o se sente feliz. Parece que vivemos em um mundo onde n�o � permitido se sentir mal. Se voc� se sente mal, parece que voc� fracassou como indiv�duo.

BBC: Mas, se olharmos de outra forma, as pessoas t�m necessidade constante de se sentir melhor, � uma aspira��o humana quase universal. Ou seja, n�o � s� uma imposi��o externa. Antes desta entrevista, por exemplo, um colega me disse: "oh, n�o, outro escritor que vai dizer que n�o h� problema em ser infeliz — chega, eu quero ser feliz!"

Salinas: Sim, tenho recebido cr�ticas como esta, mas a maioria dos coment�rios foi na dire��o oposta — pessoas que dizem: "pare de me dizer o que preciso fazer para me sentir feliz".

Estamos cansados de mensagens positivas, da literatura que diz o que voc� precisa fazer para se sentir feliz. E o que conseguimos com isso � fazer com que as pessoas concentrem demais o foco em si mesmas e na busca do seu bem-estar.

Mas, ao colocar o foco em si mesmo, voc� tamb�m vai percebendo suas car�ncias, suas limita��es, seus complexos e seus traumas, pois n�o podemos ser perfeitos. � normal ter tudo isso. � claro que eu tamb�m quero ser feliz, mas quero ser feliz com a consci�ncia de que n�o vou alcan�ar a felicidade absoluta, nem uma felicidade que seja permanente, pois isso n�o existe.

N�s compramos a mensagem de que, se seguirmos um determinado roteiro de vida, se seguirmos alguns conselhos, vamos alcan�ar a felicidade eterna.

BBC: Voc� diz que esta ideia de felicidade � imposta. Por quem?

Salinas: A felicidade virou um neg�cio. Livros, confer�ncias e congressos observam a felicidade como um neg�cio. E acredito que n�o isso n�o � de todo ruim, porque, se s�o vendidas outras coisas menos importantes, por que n�o vender a felicidade?

A quest�o � que n�o se deve enganar as pessoas, n�o se deve vender �s pessoas um modelo de vida idealista que seja irreal. Voc� pode dizer �s pessoas que est� certo fazer coisas para se sentir bem e aprender a crescer como pessoa, mas nem tudo � baseado na felicidade.

Tenho a certeza de que, para sermos felizes, precisamos aprender a ser infelizes, precisamos aprender a nos mover nos p�ntanos da infelicidade. Nem tudo � bonito, nem simples, mas n�o h� problema.

Se voc� se permitir ficar mal, ficar frustrado e ter incertezas, poder� se mover por esses p�ntanos da infelicidade e alcan�ar estados de felicidade. Porque a felicidade � isso, um estado.

BBC: Voc� diz que, em alguns momentos, fica alegre por ser infeliz. Esta frase n�o pode parecer um contrassenso?

Salinas: Isso me veio � cabe�a em um momento de crise na minha vida — porque n�s, psic�logos, tamb�m temos nossas crises, como todo mundo — em um momento em que eu n�o estava bem.

Foi nesse momento que pensei: estou triste... e me alegro com isso! A verdade � que me senti muito bem, pois o que realmente estava dizendo para mim mesmo � que o meu estado de �nimo n�o constitui a minha identidade.

Temos a tend�ncia de construir nossa identidade em fun��o das coisas que acontecem conosco e como nos sentimos com elas. Por isso, se estou triste, � porque sou infeliz. Se fracasso, � porque sou um perdedor. Isso � totalmente prejudicial.


Ilustração de um cérebro
"A felicidade n�o � algo imut�vel e � importante ter isso em conta" (foto: Getty Images)

Eu posso fracassar e isso n�o significa que eu seja um fracassado. E, claro, eu posso me sentir mal e isso n�o significa que sou um infeliz. S�o simplesmente momentos ou etapas da vida e podemos super�-las.

Para mim, a felicidade � um estado e, por isso, � transit�ria. � um estado de �nimo subjetivo, no qual a pessoa se sente mais ou menos feliz, conforme a avalia��o que esteja fazendo da sua vida no momento.

Por isso, a felicidade n�o � algo imut�vel e � importante ter isso em conta. Sentir-me triste em um momento n�o me torna uma pessoa infeliz. Isso me torna um ser humano e, como ser humano, tamb�m sinto infelicidade.

BBC: Mas os pacientes v�o ao seu consult�rio procurando bem-estar, buscando sentir-se mais felizes. O que voc� faz na sua consulta?

Salinas: Depende de cada caso. Eu trabalho especialmente com problemas de ansiedade e depress�o, mas existem pessoas que me procuram porque se sentem mal e querem se sentir melhor. Um dos mantras que melhor funciona com meus pacientes � que eles se permitam ficar mal.

�s vezes, temos problemas de estresse e ficamos com medo do pr�prio medo, pois n�o nos permitimos sentir as emo��es. Ficar nervoso, por exemplo, � normal, pois precisamos enfrentar desafios na nossa vida di�ria e ficamos nervosos.

O mesmo acontece com a tristeza. N�s temos muita raiva da tristeza, como se ficar triste fosse para pessoas deprimidas, mas � algo humano.

BBC: Mas, quando as pessoas aceitam que t�m o direito de se sentir mal e que se sentir mal � humano, n�o se trata necessariamente de uma patologia. Que tipo de recursos voc� usa para que elas se sintam melhor?

Salinas: Depende muito da pessoa. � muito importante, por exemplo, a quest�o de ter atividade, fazer exerc�cio e movimentar-se. �s vezes, entramos muito na nossa mente e � preciso sair dela, perceber que tamb�m temos corpo e que � muito importante movimentar o corpo, devido ao impacto que isso tem sobre o sistema nervoso.

A outra quest�o � socializar-se, falar, estar com outras pessoas, o que tamb�m � muito importante. E, dependendo do caso, tamb�m ensino t�cnicas de relaxamento, mindfulness [aten��o plena] e como colocar total aten��o no momento presente.

Da mesma forma que � importante deixar espa�o para sentir-se mal, tamb�m � importante gerar emo��es como a alegria e buscar recursos que nos ajudem a sentir mais alegria.


Mulher sorrindo na frente de parede azul
"Para falar de felicidade, � preciso tamb�m falar de infelicidade, ou seja, sobre o que fazemos com o lado obscuro da vida" (foto: Getty Images)

Eu tamb�m tento ajudar as pessoas a se sentir mais felizes, mas de forma que a pessoa se pergunte o que pode ajud�-la a se sentir melhor e o que ela pode fazer para lidar com o que a faz se sentir pior.

Para falar de felicidade, � preciso tamb�m falar de infelicidade, ou seja, sobre o que fazemos com o lado obscuro da vida.

Acredito que, quando damos tanta import�ncia � felicidade, colocando a felicidade em um altar, estamos gerando muita frustra��o e muito sentimento de culpa. Eu digo aos meus pacientes que tirem da cabe�a a ideia de que a felicidade � um objetivo que eles precisam alcan�ar, porque n�o funciona desta forma.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62922036

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