
S�O PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Todo mundo olhava e achava que eu parecia um ET." � assim que o engenheiro ambiental Daniel Stockler, 29, recorda-se dos olhares durante um dia que foi a uma praia nas festas de final de ano em 2011. O motivo para o espanto era um equipamento de metal fixado entre seu joelho e p�.
O aparelho era composto de hastes que, parecidas com parafusos perfurados na perna de Daniel, sa�am do membro. Elas se ligavam a outras estruturas semelhantes, mas que estavam paralelas ao seu corpo. Essas, por outro lado, eram presas a tr�s arma��es que circundavam a perna dele.
Al�m da estranheza que o aparelho provocava, ele dificultava a mobilidade de Daniel -para entrar na �gua, s� carregado.
Daniel n�o � um ser de outro planeta, e sim uma das pessoas no Brasil que fizeram uma cirurgia de alongamento �sseo -n�o h� dados acerca de quantas opera��es do tipo s�o realizadas.
Indicado em casos espec�ficos, o procedimento � capaz de corrigir problemas em pacientes com alguma deformidade �ssea. Uma perna maior que a outra, por exemplo. Pessoas com nanismo tamb�m se beneficiam do tratamento, j� que ele causa o aumento da estatura.
Em parte, esse era o caso de Daniel. Ele sabia do procedimento desde crian�a porque foi diagnosticado com acondroplasia, que � o desenvolvimento �sseo anormal. Por conta da condi��o, ele tinha 1,45 m de altura aos 18 anos.
Mesmo tendo conhecimento da cirurgia antes, o engenheiro ambiental s� foi tomar as primeiras medidas para realiz�-la quando tinha em torno de 16 anos. Foi quando descobriu, em um evento de fam�lia, que havia a chance de fazer o procedimento pelo plano de sa�de.
O caso de Daniel, por�m, � raro. Normalmente, os conv�nios n�o cobrem uma cirurgia de alongamento �sseo e, pelo particular, o pre�o � bem alto. Ricardo Girardi, ortopedista e traumatologista com enfoque em cirurgia de reconstru��o e alongamento �sseo, afirma que o valor varia de R$ 140 mil a 240 mil -faixa de pre�o que ele tamb�m adota no seu consult�rio no Rio Grande do Sul.
"Eu duvido que algu�m cobre barato para fazer isso", diz Guilherme Gaiarsa, presidente da Asami (Associa��o Brasileira de Reconstru��o e Alongamento �sseo).
O alto pre�o tem rela��o com a complicada t�cnica envolvida. No Brasil, uma das formas mais comuns � separar em duas partes o osso que passar� pelo alongamento. Ent�o, um fixador � acoplado com uma por��o do equipamento para fora do corpo -fora do pa�s, j� existem modelos totalmente internos.
O paciente precisa, por um per�odo, acionar o fixador para que ele separe o osso -o normal � ter um distanciamento �sseo di�rio de um mil�metro. O osso passa por um processo de regenera��o natural que demora meses para ser finalizado por completo. Nesse meio tempo, complica��es podem acontecer.
Em alguns cen�rios, o paciente tem a regenera��o do osso r�pida demais. Em outros, demora muito. �s vezes, perde-se amplitude de movimento. Infec��es podem aparecer, principalmente quando n�o ocorre a higieniza��o adequada do fixador. Dores no p�s-operat�rio ainda trazem bastante inc�modo.
"Eu operei num s�bado e, durante a madrugada para domingo, eu sentia muita dor no hospital, mesmo com morfina", conta Daniel sobre a primeira cirurgia, realizada no f�mur em mar�o de 2011.
Com o passar das semanas, as complica��es continuaram. Daniel n�o conseguia dobrar o joelho e precisou de uma cadeira de rodas para se locomover. "Eu tentei ficar de p� no quarto [do hospital], mas do�a absurdamente. � uma coisa que voc� n�o aguenta."
Ele ficou dependente da sua m�e e av�. Dormir passou a ser um problema porque n�o conseguia encontrar uma posi��o confort�vel. Passou a se alimentar menos e a sa�de mental foi abalada "por causa de toda dor e estresse".
Depois de um m�s do procedimento, ele trocou a cadeira de rodas por um andador. Tamb�m come�ou a realizar fisioterapia para melhorar a mobilidade.
Tudo isso enquanto ele estava com o fixador externo em sua perna. O equipamento s� foi retirado quatro meses depois da cirurgia, em julho de 2011.
J� em novembro, ele passou por um segundo procedimento, agora na t�bia -osso abaixo do joelho- e ficou com o fixador at� abril de 2012. O procedimento foi parecido ao anterior, s� que as complica��es, mais leves.
Realizar o alongamento em diferentes ossos � uma forma de proporcionar uma maior estatura ao paciente. Girardi, no entanto, diz que a pessoa pode aparentar uma propor��o estranha entre as partes do corpo -pernas muito longas, tronco muito pequeno.
Para ele, � importante que pessoas interessadas no procedimento tenham cautela ao escolher um cirurgi�o. "� preciso ter cuidado com as promessas mirabolantes de alongamento."
Isso porque existem impeditivos no crescimento pela cirurgia. Enquanto os ossos t�m grande capacidade de prolongamento e regenera��o, outros tecidos, n�o. Quanto mais se esticar os m�sculos, por exemplo, maior a chance de causar problemas. "Quando come�a a ter uma tens�o muscular muito grande, precisamos parar", resume Girardi.
No caso de Daniel, ele "cresceu" 13 cm. Agora, o engenheiro ambiental conta com 1,58 m de altura.
As dificuldades foram muitas, e ele s� conseguiu ter seguran�a para realizar atividades f�sicas mais intensas, como correr, seis meses ap�s tirar o segundo fixador externo. Antes disso, at� se arriscou em andar de bicicleta ainda com o equipamento abaixo do seu joelho. "Eu tentava ter uma vida normal, n�o tendo."
Mesmo assim, ele n�o se arrepende. "Tem suas dificuldades, mas acho que o resultado vale a pena."
O motivo da satisfa��o de Daniel n�o � s� por causa da acondroplasia. A est�tica de ser mais alto foi um fator decisivo para ele se sentir satisfeito com o produto da cirurgia.
Esse ponto tem rela��o direta com o status que a altura confere. "Existe uma aceita��o social de que as pessoas dominantes s�o mais altas. O baixinho sempre � discriminado", diz Gaiarsa.
Daniel, por exemplo, encaixa-se nessa situa��o, j� que tinha baixa auto-estima com sua altura antes do alongamento. Em uma carater�stica, no entanto, ele se difere de outros pacientes: o engenheiro ambiental fala abertamente sobre o assunto, algo um tanto raro para essas cirurgias. "A maioria dos pacientes desaparece porque se nega a falar sobre o assunto", afirma Gaiarsa.
A ideia de que a altura traz benef�cios sociais j� foi observada em estudos. Uma pesquisa americana concluiu que, em uma carreira de 30 anos, uma pessoa com 1,8 m de altura pode ganhar cerca de US$ 166 mil a mais em compara��o a outra com 1,5 m.
No entanto, para Gaiarsa, existem situa��es em que os benef�cios de ser mais alto n�o � bem uma verdade. "Eu vejo enormes vantagens de ser menor: voc� pode viajar de econ�mica no avi�o tranquilo."