
A indecis�o pode ser considerada uma caracter�stica totalmente indesej�vel. Mas as pesquisas indicam que, na verdade, ela pode levar a pondera��es mais inteligentes.
Na s�rie de TV The Good Place, o personagem Chidi Anagonye � definido pela sua incapacidade de tomar as decis�es mais simples - desde o que comer at� declarar seu amor por sua alma g�mea.
A pr�pria ideia de fazer uma escolha, muitas vezes, resulta em s�rias dores de est�mago. Ele est� preso na sua "paralisia de an�lise" permanente.
N�s ficamos conhecendo Chidi na vida ap�s a morte, e a s�rie nos mostra que foi a indecis�o que colocou fim � sua vida. Ele estava parado na rua, em uma hesita��o intermin�vel para decidir a qual bar deveria ir com seu melhor amigo, quando um ar-condicionado cai do apartamento sobre a sua cabe�a, matando-o instantaneamente.
"Sabe o som de um garfo no triturador de lixo? � o som que o meu c�rebro faz todo o tempo", afirma Chidi em um epis�dio da s�rie. E, al�m de faz�-lo infeliz, a falta de confian�a do personagem nos seus pr�prios julgamentos enlouquece as pessoas � sua volta.
Se isso parece uma vers�o exagerada de voc� mesmo, fique sabendo que voc� n�o est� sozinho. A indecis�o � uma caracter�stica comum. Enquanto algumas pessoas fazem pondera��es muito r�pidas, outros t�m dificuldade para avaliar as op��es e podem at� evitar tomar qualquer decis�o.
Chidi mostra que a indecis�o pode estar ligada a problemas como a ansiedade, mas pesquisas recentes indicam que ela pode tamb�m ter um lado positivo.
Ela nos protege de erros cognitivos comuns, como o vi�s de confirma��o. Com isso, quando a pessoa finalmente conclui sua an�lise, geralmente sua decis�o � mais inteligente que a das pessoas que julgam com rapidez.
O segredo � aprender quando esperar e quando romper a in�rcia paralisante.
O inimigo do bem
Os psic�logos t�m diversas ferramentas para medir o grau de indecis�o.
Um dos question�rios mais comuns � a Escala de Indecis�o de Frost, em que os participantes avaliam uma s�rie de afirma��es em uma escala de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). As quest�es incluem:
- Tento postergar a tomada de decis�es;
- Tenho dificuldade de planejar meu tempo livre;
- Fico frequentemente preocupado com tomar decis�es erradas;
- Parece que levo muito tempo para decidir sobre quest�es triviais.
Usando essa escala, os psic�logos demonstraram que a indecis�o, muitas vezes, � fruto do perfeccionismo. Os perfeccionistas t�m medo da vergonha ou do arrependimento que pode vir da tomada de uma decis�o errada.

Por isso, postergam a tomada de decis�es at� terem a certeza de que est�o tomando a decis�o certa. E, em alguns casos, simplesmente nunca atingem esse n�vel de confian�a.
A frustra��o decorrente pode ser uma barreira para a felicidade. Geralmente, quanto mais alta a avalia��o na escala, menor ser� a satisfa��o com a vida, segundo um estudo do professor de Psicologia Eric Rassin, da Universidade Erasmus, na Holanda.
Eles s�o menos propensos a concordar com declara��es como "as condi��es da minha vida s�o excelentes", por exemplo, ou "se pudesse iniciar minha vida de novo, n�o mudaria quase nada".
Saltar para as conclus�es
A julgar por estes resultados, a indecis�o parece ser uma caracter�stica totalmente indesej�vel.
Mas pesquisas recentes indicam que a dificuldade para chegar a uma decis�o r�pida - por mais desconfort�vel que seja - tamb�m pode ter um lado positivo, porque protege as pessoas de certos vieses cognitivos importantes.
As evid�ncias desses benef�cios v�m de um trabalho recente da pesquisadora Jana-Maria Hohnsbehn e da professora de Psicologia Social Iris Schneider, da Universidade T�cnica de Dresden, na Alemanha.
Em vez de usar a Escala de Indecis�o de Frost, Hohnsbehn e Schneider concentraram-se na medida da "ambival�ncia de caracter�sticas", que examina mais especificamente os pensamentos e sensa��es subjacentes � tomada de decis�es das pessoas (ou sua aus�ncia).
Pediu-se �s pessoas, por exemplo, que avaliem afirma��es como:
- Meus pensamentos s�o frequentemente contradit�rios;
- Muitas vezes, sinto-me dividido entre dois lados de uma quest�o;
- �s vezes, quando penso em um assunto, quase me sinto como se estivesse me movendo fisicamente de um lado para outro.
"Se essas afirma��es encontrarem resson�ncia, provavelmente temos ambival�ncia de caracter�sticas em alto grau", afirma Hohnsbehn.
� esperado que pessoas com alto grau de ambival�ncia de caracter�sticas levem mais tempo para tomar decis�es. Mas Hohnsbehn e Schneider conclu�ram que elas s�o menos sujeitas a vieses em seus julgamentos.
Em um experimento, por exemplo, elas pediram aos participantes que se confrontassem com uma s�rie de cen�rios, como este:
Voc� conhece uma pessoa e gostaria de descobrir se ela � introvertida ou extrovertida. Voc� acredita que a pessoa seja extrovertida. Quais das perguntas abaixo voc� faria para ela?
- Voc� gosta de ficar sozinho(a) em casa?;
- Voc� gosta de ir para festas?
Muitas pessoas escolhem a segunda pergunta, mas este � um sinal de vi�s de confirma��o - voc� est� procurando informa��es que estejam de acordo com o que voc� acredita e n�o buscando evid�ncias de que voc� pode estar errado.
Hohnsbehn e seus colegas conclu�ram que pessoas com alto grau de ambival�ncia de caracter�sticas eram menos propensas a esse vi�s. Elas decidem questionar sua cren�a, para ter certeza de que t�m as informa��es necess�rias para chegar a uma resposta correta.
Em outro experimento, os participantes leram sobre um funcion�rio, o sr. M�ller, que queria renovar seu contrato de trabalho. Depois de uma decis�o preliminar sobre manter ou n�o o sr. M�ller no cargo, os participantes receberam afirma��es adicionais sobre ele de especialistas no setor.
Algumas dessas afirma��es estavam de acordo com as decis�es iniciais dos participantes e outras, n�o. A tarefa dos participantes foi avaliar a credibilidade e a import�ncia de cada uma dessas afirma��es.
Hohnsbehn e Schneider conclu�ram que as pessoas com alto grau de ambival�ncia eram mais propensas a ter a mente mais aberta para as afirma��es contr�rias ao seu ponto de vista inicial e sua avalia��o de credibilidade e import�ncia era mais alta, enquanto as que tinham baixa ambival�ncia de caracter�sticas eram mais dispostas a menosprez�-las.
Essas conclus�es s�o importantes, porque o vi�s de confirma��o � um dos nossos erros cognitivos mais comuns. Ele nos impede de analisar racionalmente as evid�ncias em todos os aspectos da vida, desde os relacionamentos pessoais at� nossas vis�es pol�ticas.
A ambival�ncia de caracter�sticas ajuda a nos proteger desse tipo de pensamento excessivamente simplista - e pode tamb�m nos ajudar de outras formas.

Estudos de Schneider indicam, por exemplo, que pessoas com alto grau de ambival�ncia de caracter�sticas tamb�m s�o menos propensas ao "vi�s da correspond�ncia", que � uma tend�ncia a ignorar o contexto do comportamento de algu�m e, em vez disso, atribuir fracassos e sucessos diretamente �s pr�prias pessoas.
Para dar um exemplo direto: se algu�m escorregar, o vi�s de correspond�ncia pode nos levar a concluir que ele � inerentemente desajeitado (fator interno), sem reconhecer que o piso pode estar escorregadio (fator externo).
O vi�s de correspond�ncia pode tamb�m nos levar a considerar que algu�m tem dificuldades de aprendizado simplesmente por falta de intelig�ncia, sem considerar suas dificuldades financeiras ou responsabilidades na fam�lia.
Pessoas com alto grau de ambival�ncia de caracter�sticas s�o mais propensas a reconhecer esses outros fatores do que as pessoas que fazem julgamentos r�pidos e confiantes.
A��o sobre a ina��o
As pesquisas de Hohnsbehn devem ser boas not�cias se voc� j� se sentiu impaciente com sua incapacidade de chegar a uma decis�o com rapidez.
"A experi�ncia geral de ser ambivalente precisa ser aceita", sugere ela. "Ela pode nos dar a pausa necess�ria, sinalizando que as coisas s�o complexas e que precisamos nos dedicar a pensar com mais cuidado, por mais tempo, sobre nossa decis�o."
Somente quando esse processo se torna excessivo, come�amos a enfrentar problemas. "Como ocorre com a maioria das quest�es, existe um equil�brio que precisa ser atingido", acrescenta Hohnsbehn.
Isso pode explicar por que as pessoas indecisas, muitas vezes, t�m avalia��es mais baixas em termos de satisfa��o na vida. Sua ambival�ncia, ao enfrentar escolhas importantes, � devastadora.
Uma medida simples pode ser estabelecer um limite de tempo para sua decis�o final, para n�o passar tempo demais ruminando sobre as diferentes op��es sem avaliar novas perspectivas.
Dependendo do tipo de problema que voc� esteja enfrentando, Hohnsbehn sugere at� considerar uma s�rie de tarefas - como dedicar duas horas � busca de novas informa��es, por exemplo, antes de passar um certo per�odo de tempo deliberando.
Se, mesmo assim, voc� ainda se sentir paralisado, pode buscar inspira��o em um estudo do economista Steven Levitt, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, que examinou a felicidade geral das pessoas depois de realizar mudan�as importantes na vida.
Levitt � um dos autores do livro Freakonomics e criou um site onde as pessoas descreveram diversos dilemas que estavam enfrentando nas suas vidas - desde fazer uma tatuagem at� mudar de casa, voltar a estudar ou pedir demiss�o. Pede-se ent�o aos participantes que joguem cara-ou-coroa para que o resultado defina se eles devem ou n�o tomar uma atitude.
Ao acompanhar os participantes nos meses que se seguiram, Levitt concluiu que muitas pessoas haviam corrido o risco. Quando a moeda disse que eles deveriam seguir em frente, a maioria fez a mudan�a de vida.
E eles relataram estar significativamente mais felizes do que aqueles que continuaram como estavam (independentemente do resultado do cara-ou-coroa), sem sair do emprego, mudar-se ou fazer aquela tatuagem.
Podemos supor que, antes do estudo, a maioria desses participantes j� havia pensado cuidadosamente sobre a situa��o em quest�o, mas suas preocupa��es em fazer a escolha errada haviam evitado que elas corressem o risco. A moeda agiu simplesmente como um empurr�ozinho para que eles finalmente superassem sua ambival�ncia.
A moral do estudo, portanto, n�o � que devemos basear todas as decis�es em um resultado de cara-ou-coroa. Mas que superar a d�vida e a hesita��o pode deixar voc� mais feliz do que imagina.
"Uma boa regra geral na tomada de decis�es � que, sempre que voc� n�o conseguir decidir o que fazer, escolha a a��o que represente uma mudan�a, em vez de manter o seu status quo", conclui Levitt.
Como Chidi em The Good Place, podemos ponderar todos os pr�s e contras de cada situa��o e essa ambival�ncia nos ajudar� a tomar decis�es mais inteligentes.
Mas, depois que o pensamento ambivalente tiver cumprido sua fun��o, voc� precisa aprender a coloc�-lo de lado - com a certeza de que qualquer decis�o frequentemente � melhor que n�o fazer nenhuma escolha.
*David Robson � escritor de Ci�ncias e autor do livro O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar sua vida (em tradu��o livre do ingl�s).
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Worklife.
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63788527