Zolpidem

Zolpidem � o nome de um dos medicamentos hipn�ticos indicados para ins�nia, cujas vendas explodiram no Brasil nos �ltimos anos

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Um v�deo postado numa rede social no fim de dezembro fez soar um alerta entre os amigos de Matias (nome fict�cio). Era o registro de um inusitado passeio na chuva pela orla do Rio de Janeiro, narrado com uma voz estranhamente embargada. "Eu tomei um zolpidem de tarde porque estava muito ansioso e queria dormir, mas fiquei mexendo no celular, e essa � a �ltima lembran�a que eu tenho daquele dia", conta � reportagem o estudante de administra��o de 22 anos, que foi resgatado por um amigo e levado para casa.
 
Zolpidem � o nome de um dos medicamentos hipn�ticos indicados para ins�nia, cujas vendas explodiram no Brasil nos �ltimos anos. Segundo a Anvisa, entre 2019 e 2021, elas cresceram 73% para a vers�o de 5mg, a mesma que Matias tomou. Esses rem�dios s�o conhecidos como drogas Z, em raz�o dos nomes que as subst�ncias receberam: zolpidem, zopiclona (ou eszopiclona) e zaleplona. Ingeridos durante qualquer atividade, promovem estados dissociados, como confus�o e sonambulismo, o que coloca a pessoa em risco. E geram depend�ncia quando usados durante longos per�odos.
 
golfista Tiger Woods

Em 2017, o golfista Tiger Woods atribuiu ao zolpidem o fato de ter sido preso e processado ap�s ser encontrado desacordado, dentro de seu carro, numa estrada

Mike Ehrmann / GETTY IMAGES /AFP - 18/12/22
 
 
As redes sociais est�o repletas de relatos de pessoas que, sob o efeito de zolpidem, fizeram compras extravagantes para muito al�m de seus recursos, deram declara��es desconexas ou embara�osas e agiram de maneira confusa ou mesmo violenta.
 
"As parassonias, comportamentos n�o desej�veis durante o sono, s�o um efeito colateral importante do uso de drogas Z", explica a neurofisiologista Let�cia Azevedo Soster, especialista em medicina do sono e coordenadora da p�s-gradua��o em sono do Hospital Israelita Albert Einstein. "Tem hist�rias de pessoas que se machucaram, que compraram coisas e que agrediram outras pessoas, com implica��es forenses. � bastante perigoso", alerta.
 
 
Diversas celebridades j� culparam o zolpidem por comportamentos inoportunos. Em 2018, a atriz Roseanne Barr teve seu programa na TV americana cancelado depois de um tu�te racista que, afirmou ela, foi redigido sob o efeito do medicamento. O laborat�rio Sanofi, fabricante do rem�dio que Barr afirmava ter tomado, emitiu uma nota dizendo que "racismo n�o era um efeito colateral" de seu produto.
 
Tu�tes bizarros de Elon Musk tamb�m foram creditados pelo bilion�rio como obra do zolpidem. Em 2017, o golfista Tiger Woods foi preso e processado ap�s ser encontrado, desacordado, dentro de seu carro numa estrada, num efeito que atribuiu ao medicamento.
 
E, ainda em 2010, o ator Charlie Sheen culpou o rem�dio pela quebradeira que promoveu no quarto de um hotel em Nova York. "� a aspirina do dem�nio", disse, um ano depois, numa entrevista.
As drogas Z emergiram h� cerca de 20 anos com a promessa de combater a ins�nia e promover um sono r�pido e com poucos efeitos colaterais em compara��o aos medicamentos at� ent�o dispon�veis. "Os pacientes relatam que s�o drogas que fazem a pessoa fechar os olhos e dormir, como se fosse um bot�o de desligar", conta Soster. "A ind�stria vendeu essas drogas como se elas n�o promovessem o efeito-ressaca de outras medica��es nem tivessem efeitos colaterais. N�o � verdade", alerta.
 
A m�dica aponta para riscos e problemas relacionados ao uso prolongado ou excessivo dessas subst�ncias. "As pessoas est�o usando cada vez maiores quantidades de drogas Z porque, com o tempo, se tornam refrat�rias a elas. J� recebi um paciente que estava tomando 40 comprimidos por noite de zolpidem para conseguir dormir."
 
Foi o caso de Marcelo (nome fict�cio), de 19, que come�ou a tomar zolpidem aos 15, ap�s o diagn�stico de ansiedade e depress�o associado � dificuldade para dormir. Chegou a tomar 30 comprimidos por semana e admite ter usado o medicamento n�o s� para dormir, mas para ter alucina��es durante o per�odo de vig�lia.
 
"A cada semana, eu usava mais e mais. Passei a confundir o que era sonho com o que era realidade, vivia em atrito com a minha fam�lia, foi destruidor", diz. Para conseguir medica��o suficiente, o hoje estudante de arquitetura conta que falsificava c�pias das receitas e mentia para psiquiatras.
ANSIEDADE Soster explica que, no processo de difus�o de drogas Z no Brasil, dois fatores s�o complicadores. "Primeiro, o fato de o brasileiro ser um povo que tende a ser ansioso, o que potencializa a ocorr�ncia de problemas com o sono", aponta.
 
Segundo estudo realizado por cientistas da USP e da Unifesp e publicado na revista Sleep Epidemiology, 65% dos brasileiros relatam ter algum problema relacionado ao sono.
"O segundo fator � o fato de o Brasil ter um sistema h�brido de sa�de, meio p�blico e meio privado. Ent�o, o paciente vai num sistema, recebe indica��o do rem�dio, vai em outro, recebe tamb�m", conta. "E como os sistemas n�o est�o interligados, ningu�m percebe essa duplicidade, que tem acontecido muito com as drogas Z, que s�o rem�dios controlados. Isso sem falar no mercado clandestino."
 
A m�dica explica que os problemas de sono ganharam maior amplitude durante a pandemia da COVID-19, quando o gasto energ�tico do cotidiano ficou reduzido com o distanciamento social e o aumento do uso de telas incrementou os est�mulos do c�rebro que nos mant�m acordados.
 
"Isso fez a preocupa��o relacionada ao sono aumentar, e essa � a base da ins�nia cr�nica. A preocupa��o se torna maior do que o problema em si, ativando o mecanismo de alerta e gerando o desejo de controle do sono", explica. "As pessoas querem deitar e dormir imediatamente, sem assumir as responsabilidades pelos seus pr�prios processos f�sicos necess�rios para isso."
 
Regular o hor�rio de dormir e de se levantar, fazer exerc�cios f�sicos regulares, expor-se � luminosidade durante o dia, reduzir o tempo de tela de noite e cess�-lo horas antes de ir para a cama s�o algumas dessas responsabilidades a que Soster se refere. "� como numa dieta: a pessoa quer emagrecer, mas n�o quer cortar gorduras nem carboidratos. E, ent�o, toma um rem�dio para isso." 
O desejo de um controle absoluto sobre o sono com o m�nimo esfor�o, diz ela, tamb�m est� por tr�s da epidemia de drogas Z. "N�o tem absurdo maior do que tomar uma droga para dormir e outra para acordar. � isso o que est� acontecendo hoje em dia."