Danos causados por enchente em Hon�rio Bicalho, um distrito da cidade de Nova Lima, em Minas Gerais, que foi atingido por fortes chuvas no ano passado
"Eu fiquei espantada como psiquiatra", diz Debora Tseng Chou. "Os entrevistados citam p�nico, dificuldade para dormir e a sensa��o de que estamos atrasados para resolver um problema urgente."
S�o crian�as e adolescentes brasileiros que relataram � pesquisadora suas preocupa��es com as mudan�as clim�ticas — que se desenha como a maior crise desta e das pr�ximas d�cadas.
"A gente n�o espera deles pessimismo em rela��o ao futuro. Principalmente numa fase em que a vida � encarada com a perspectiva de que pode ser melhor", diz ela.
Chou e seu colega de pesquisa Emilio Abelama Neto ouviram 50 jovens entre 6 e 18 anos nas cidades de S�o Paulo, Itaparica (BA) e Salvador como parte de um estudo internacional liderado por Laelia Benoit, da Universidade de Yale, nos EUA, sobre emo��es relacionadas ao estado do planeta.
"A express�o 'ecoansiedade' come�a a aparecer na literatura, ainda em livros de ecopsicologia, na d�cada de 1990. Mas s� agora a gente est� vendo esse tema ganhar proje��o", diz Marco Aur�lio Biblio.
Ele � presidente da Sociedade Internacional de Ecopsicologia, um campo nascido formalmente em 1989 nos EUA e que considera o cuidado com o meio ambiente como condi��o fundamental para o equil�brio ps�quico de um indiv�duo.
� importante dizer que ecoansiedade "n�o � uma patologia, n�o � uma doen�a mental", como explica a psicoterapeuta brit�nica Caroline Hickman, uma das maiores especialistas no tema.
"A ansiedade tradicional gerada, por exemplo, pelo medo de andar de avi�o � algo mais particular de um indiv�duo. E a raiz do problema pode ser dif�cil de identificar", diz ela � BBC News Brasil.
A ang�stia ligada � crise clim�tica, por sua vez, possui uma causa bem definida e � caracterizada por um sentimento coletivo, afirma a psicoterapeuta.
"A sensa��o de impot�ncia e frustra��o surge com a a��o insuficiente dos poderes e a falta de consci�ncia em outros setores da popula��o."
Do ponto de vista do profissional, Biblio defende que o tratamento para esse tipo de transtorno n�o deve ser o mesmo da ansiedade tradicional.
"A ecoansiedade tem que ser acolhida como uma possibilidade real e para todos. Ent�o � mais inteligente numa situa��o dessas que o apoio terap�utico seja dado, junto � medica��o quando necess�rio, confirmando o valor da fantasia ps�quica do paciente, considerando como um dado real", diz ele.
"� importante tamb�m que a pessoa que est� sofrendo assuma o seu lugar dentro desse momento de grave crise. O profissional d� a confirma��o do que o paciente est� sentindo e o ajuda a encontrar uma maneira de se posicionar no mundo de maneira a aliviar o risco que a pessoa sente".

Fogo em Machadinho do Oeste, em Rond�nia, dentro da Floresta Amaz�nica
Ricardo Moraes/ReutersEle lembra que "o risco de emerg�ncias ecol�gicas j� vem sendo apontado h� um bom tempo. N�o � uma novidade. Mas continuamos a viver como se nada estivesse acontecendo. Dentro da ecopsicologia, come�ou a surgir a ideia de que vivemos uma esp�cie de nega��o coletiva".
"Ou seja, na nossa organiza��o das informa��es, n�s retiramos de circula��o aquelas que geram ang�stia. E aquilo que n�o se transforma em percep��o se torna tens�o. Assim, o n�vel de ansiedade aumenta."
Uma entrevistada do estudo internacional relatou, segundo a pesquisadora Chou, que os jovens procuram evitar o tema nos bate-papos informais.
"Uma menina me disse: 'A gente n�o conversa muito sobre isso, porque a gente tem 12, 13 anos. A gente quer conversar sobre outras coisas, fazer piada. Apesar de saber que essas coisas [as mudan�as clim�ticas] s�o importantes, a gente acaba tentando n�o pensar'."
No entanto, n�s recebemos de forma cada vez mais frequente evid�ncias concretas das mudan�as clim�ticas.
No Brasil, os exemplos mais vis�veis s�o as enchentes de 2022 em Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e Petr�polis (RJ) e, mais recentemente, em S�o Sebasti�o (SP) e no Maranh�o.
Eventos extremos se tornaram mais frequentes, e a grande maioria deles tem rela��o com o aumento da temperatura do planeta. O �ltimo relat�rio da ONU fala em "momento-chave" e "que esta � a d�cada da a��o, se n�s quisermos mudar esse quadro".
Hickman defende que a ang�stia tem um papel importante agora: um chamado para reconhecer os desafios e encarar a crise de frente.
"� uma resposta mentalmente saud�vel ao que est� acontecendo hoje no mundo."
Uma crise de 'ecoansiedade' uma d�cada atr�s

Chuva forte causou alagamentos na cidade de Santos, em S�o Paulo, em 2020
Felipe Beltrame/NurPhoto via Getty ImagesA ecoansiedade, de fato, est� relacionada ao grau de consci�ncia e n�vel de informa��o sobre a crise clim�tica. Antes dos jovens, os cientistas foram os primeiros a sofrer com essa tens�o.
O climatologista Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Cear� (UECE) e que mant�m no YouTube o canal "O que voc� faria se soubesse o que eu sei?", conta que h� quase 10 anos entrou em uma fase de depress�o profunda com elementos de ecoansiedade.
"Foi por ser pouco ouvido [como cientista] e por quest�es pessoais que se entrecruzaram. Em 2014, eu fui convidado para um simp�sio no Rio e perdi o voo por conta do que estava passando. Pelo carinho de colegas, eu fui convencido a entrar no avi�o no dia seguinte", relembra Costa.
Durante o evento, ele viveu um momento cat�rtico. Uma pessoa da plateia perguntou "como ele conseguia colocar a cabe�a no travesseiro, como conseguia seguir adiante?".
"Eu tirei da mala a caixa de rem�dios [ansiol�ticos] e disse: 'S� consigo jogando dopado'. Mas o fato de eu ter entrado fundo nisso anos atr�s me possibilitou construir minhas defesas mais cedo."
Chou observa que, entre seus 50 entrevistados, a inquieta��o tinha rela��o n�o apenas com a familiaridade desses jovens com o tema, mas tamb�m com o engajamento buscado por suas escolas e fam�lias.
Esse elementos s�o, quase sempre, reflexo do recorte socioecon�mico — crian�as e adolescentes de contextos com mais estrutura e poder aquisitivo possuem mais informa��es sobre as mudan�as clim�ticas.
Camadas sociais com menos recursos apresentam uma no��o mais microecol�gica (limpar a praia, reciclar o lixo) do que clim�tica.
Mas a psiquiatra conta que a resposta de alguns contra os gatilhos do tema foi "buscar o engajamento em algumas atividades, tanto na escola quanto por meio das suas fam�lias, para converter essa ansiedade em a��o e milit�ncia".
Um pedido de desculpa �s novas gera��es

Um menino participando de protesto ambiental em Cardiff, no Pa�s de Gales, em novembro do ano passado
Getty ImagesO problema tamb�m est� se refletindo na rela��o entre os jovens e os pais, diz Caroline Hickman. Um conflito geracional sobre as responsabilidades pelas mudan�as clim�ticas vem ganhando corpo.
"Eu j� vi filhos que se recusam a falar com os pais porque est�o t�o magoados, com tanta raiva. Ou que falam: 'Por que voc�s me tiveram sabendo que era esse o mundo em que eu ia nascer?'. Isso vem acontecendo. E vai crescer ainda mais".
Ela diz que h� outro caminho, apontado pelos trabalhos que realiza com pais e filhos juntos: "Se eles trabalham em conjunto para encontrar solu��es nem tudo est� perdido. N�s podemos encontrar solu��es intergeracionais".
"Mas s� vamos alcan�ar isso se pedirmos desculpa para as gera��es mais jovens. Precisamos reconhecer que n�s ferramos com as coisas", afirma a psicoterapeuta, de 61 anos.
"Por isso, a psicologia � importante. Para as gera��es mais velhas encararem o luto, a culpa e a vergonha que devem sentir."
"Porque as gera��es mais novas v�o olhar para n�s e perguntar: 'O que voc�s fizeram? S� porque voc�s n�o v�o lidar com esse problema, voc�s acharam que dava para esperar e deixaram para l�. Agora a escala das mudan�as est� r�pida demais'."
Hickman defende a normaliza��o do tema, mesmo com crian�as pequenas.
"Crian�as de tr�s anos conseguem entender em algum grau os desafios das mudan�as clim�ticas, mesmo que n�o entendam exatamente o todo. Adultos podem falar que nem sempre as decis�es certas s�o tomadas, mas que n�s podemos fazer ajustes para corrigir o rumo. E as crian�as da fam�lia podem fazer parte nisso, conversando sobre as escolhas do dia a dia da fam�lia".
O climatologista Alexandre Costa, que tem tr�s filhas, afirma:
"Hoje eu vou defender o que puder desse colapso. N�s precisamos do completo oposto do conformismo, do 'tanto faz'."
Como indaga um verso premonit�rio da banda alem� Atari Teenage Riot, escrito mais de uma d�cada atr�s: "ser� necess�ria outra crise para fazer uma outra gera��o entrar em a��o?".
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