Estudo mostra que tratar a perda auditiva � estrat�gico contra a deteriora��o neurocognitiva
Em todo o mundo, mais de 55 milh�es de pessoas vivem com algum tipo de dem�ncia, n�mero que deve quase triplicar em 2030, segundo estimativas da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS). Embora multifatorial, a deteriora��o neurocognitiva tem fatores de risco evit�veis. Entre eles, a perda auditiva n�o tratada, segundo um estudo com dados de 438 mil pessoas, considerado um marco hist�rico por especialistas. Os autores destacam que h� v�rios elementos que podem influenciar a associa��o, incluindo a conex�o de neur�nios relacionados � audi��o e � cogni��o.
Apesar de n�o ser o primeiro estudo a identificar um risco aumentado de dem�ncia em pessoas com surdez parcial n�o tratada, este � o maior j� realizado. Publicada na revista The Lancet Public Health, a pesquisa descobriu que pessoas entre 40 e 69 anos t�m um risco 42% maior de desenvolver degenera��o neurocognitiva caso tenham perda auditiva e n�o usem aparelho, comparada �s que utilizam os dispositivos.
Para investigar como os aparelhos auditivos podem impactar a dem�ncia, os pesquisadores analisaram o UK Biobank, um banco de dados que inclui informa��es gen�ticas e de sa�de detalhadas de quase meio milh�o de pessoas no Reino Unido. Dos avaliados, 111.822, um quarto, apresentaram perda auditiva - desse grupo, apenas 13.092 (12%) usavam o dispositivo.
Os autores, ent�o, descobriram que aqueles com perda auditiva que n�o usavam aparelhos tinham um risco 42% maior de desenvolver dem�ncia por todas as causas. Ao mesmo tempo, nenhuma probabilidade aumentada foi encontrada entre os que tinham surdez parcial, mas utilizavam o equipamento. "Isso foi um tanto inesperado", conta Fan Jiang, do Centro de Gerenciamento de Sa�de e Pesquisa de Pol�ticas da Universidade de Shandong, na China, e principal autor do estudo. "O que me surpreendeu � que aqueles que usavam aparelhos auditivos eram t�o propensos a serem diagnosticados com dem�ncia quanto algu�m que tinha audi��o perfeita."
Os pesquisadores chegaram a esses resultados mesmo ap�s considerar outros fatores que podem contribuir para a dem�ncia. "Tamb�m conduzimos uma extensa an�lise de sensibilidade e intera��o para testar a robustez de nossas descobertas", destaca Fan. "Nosso estudo fornece a melhor evid�ncia at� o momento para sugerir que os aparelhos auditivos podem ser um tratamento minimamente invasivo e econ�mico para mitigar o impacto potencial da perda auditiva na dem�ncia."
Priva��o sensorial
A associa��o precisa entre os dois fatores n�o est� clara. Por�m, h� algumas pistas. A primeira � que a perda auditiva leva � priva��o sensorial, algo com impactos em larga escala. Por exemplo, mudan�as estruturais em regi�es cerebrais como o hipocampo, crucial na mem�ria e na aprendizagem. Essas altera��es podem reduzir a reserva cognitiva e, consequentemente, aumentar o risco de dem�ncia. "A estimula��o auditiva � vital. A capacidade auditiva total aumenta o alcance da entrada no lobo temporal superior do c�rebro - e o lobo temporal � o centro da mem�ria", destaca a neurologista Anna Norvig, do Centro de Dist�rbios da Mem�ria da Weill Cornell Medicine, nos EUA, que n�o participou do estudo.
Outra possibilidade � que os neur�nios e as vias cerebrais associadas � audi��o e � cogni��o estejam conectadas diretamente. Uma das teorias, hoje, prop�e uma intera��o entre a atividade cerebral alterada no lobo temporal medial quando h� dificuldade para se escutar e a pr�pria patologia org�nica do Alzheimer, com altera��es fisiol�gicas no c�rebro. Tamb�m j� se levantou a hip�tese de a perda auditiva sobrecarregar o �rg�o.
Dificuldades
"O estudo aumenta nossa compreens�o de que manter a audi��o protege o c�rebro. Mostra que isso, provavelmente, se deve parcialmente � capacidade de permanecer socialmente conectado e aos efeitos diretos na conectividade cerebral que n�o s�o totalmente compreendidos", destaca Tracey Newman, professora de neuroimunologia da Universidade de Southampton, na Inglaterra. "Em suma, esse � um trabalho importante que apoia e se baseia em outras descobertas na �rea. Um aspecto �nico � o tamanho da popula��o do estudo e a amplitude das medidas de sa�de inclu�das, o que possibilitou uma an�lise mais detalhada."
"O estudo aumenta nossa compreens�o de que manter a audi��o protege o c�rebro. Mostra que isso, provavelmente, se deve parcialmente � capacidade de permanecer socialmente conectado e aos efeitos diretos na conectividade cerebral"
Tracey Newman, professora de neuroimunologia da Universidade de Southampton
De acordo com Charles Marshall, professor de neurologia preventiva na Universidade Queen Mary, em Londres, in�meras pessoas com perda auditiva n�o utilizam os aparelhos porque a qualidade do som que chega a elas n�o � boa. "Os aparelhos auditivos produzem um som levemente distorcido, e o c�rebro precisa se adaptar a isso para serem �teis", diz. "Pessoas com risco de desenvolver dem�ncia podem apresentar altera��es precoces no c�rebro que afetam essa adapta��o, e isso pode lev�-las a decidir n�o us�-los", afirma.
Por�m, Fan Jiang, principal autor do estudo publicado na The Lancet, diz que fonoaudi�logos treinados podem ajustar os aparelhos. Um forte impeditivo para o uso dos equipamentos, diz o cientista, � o pre�o. "Aparelhos auditivos s�o caros", lamenta. Fan destaca a import�ncia de fazer exames auditivos a partir dos 40 anos caso se esteja notando alguma altera��o, j� que a dem�ncia � um processo demorado, que pode se desenvolver ao longo de d�cadas.
Palavra de especialista
Ot�vio Castello, m�dico geriatra, fundador e ex-presidente da Associa��o Brasileira de Alzheimer, regional DF
Estudo � “marco de era”
"Esse � um artigo muito bom, publicado por um grande grupo de pesquisadores em uma revista respeitad�ssima. � um daqueles artigos que � marco de era, porque traz uma robustez de informa��es muito importantes. Em s�ntese, ele diz que, se a gente tratar surdez de verdade a partir da meia-idade, teremos uma redu��o muito grande nos casos de dem�ncias no mundo.
Os estudos que falam sobre preven��o de dem�ncia procuram saber quantos casos seriam evitados se fossem eliminados fatores de risco. O controle de obesidade, diabetes e dislipidemia reduz de 3% a 4%, o que � muita coisa, em um universo de mais de 50 milh�es de pessoas. Mas o tratamento da surdez na meia-idade � o que traz as maiores redu��es. Os casos seriam reduzidos em 8%, segundo outro estudo publicado anteriormente na The Lancet. � muito expressivo.
Nesse contexto, o novo estudo mostra que pessoas com surdez tratadas com aparelhos auditivos t�m um risco de dem�ncia igual ao de pessoas que n�o t�m surdez. Isso significa que, se a pessoa tem surdez e n�o tratar, ela tem 42% mais risco de desenvolver dem�ncia. Mas se tratar, o risco � como se n�o tivesse surdez. Ou seja, � um fator de risco extremamente preven�vel. A grande contribui��o do estudo � que, se n�s tratarmos a surdez o mais precocemente poss�vel, podemos eliminar uma quantidade enorme de casos de dem�ncia. Pol�ticas p�blicas para o enfrentamento da surdez precisam ser feitas urgentemente."
Prot�tipo da tecnologia EEG: monitoramento do Parkinson e do Alzheimer. Perda auditiva, surdez
Dispositivo para mapear sinais precoces
Na Dinamarca, a Universidade de Aarhus uniu for�as com empresas de tecnologia de sa�de para desenvolver e testar um dispositivo semelhante a um par de fones intra-auriculares com objetivo de rastrear pacientes para as doen�as de Parkinson e Alzheimer. A tecnologia EEG de ouvido l� a atividade el�trica do c�rebro e mapeia suavemente os padr�es de sono. Pesquisas recentes mostram que dormir mal pode dar pistas precoces dos dois males neurodegenerativos.
“Alzheimer e Parkinson s�o doen�as que se arrastam ao longo de muitos anos. Geralmente, s� s�o descobertas quando voc� come�a a desenvolver problemas cognitivos e relacionados � mem�ria, dist�rbios do sono ou do sistema m�sculo esquel�tico, por exemplo", diz o professor Preben Kidmose, chefe do Centro de EEG de ouvido da Universidade de Aarhus. "O diagn�stico, geralmente, � t�o tardio que a �nica op��o � tratar os sintomas. No projeto, vamos tentar identificar sinais das duas doen�as de 10 a 15 anos antes que os primeiros problemas comecem a ocorrer e, se pudermos, as op��es de tratamento ser�o muito melhores", acredita.
O pequeno dispositivo � colocado no ouvido para medir a atividade el�trica no c�rebro. O m�todo capta mudan�as de voltagem extremamente pequenas na superf�cie da pele causadas pela ativa��o dos neur�nios e � uma tecnologia muito mais suave e menos intrusiva do que as medi��es tradicionais do sono. O equipamento tamb�m tem um ox�metro para medir o oxig�nio no sangue, um term�metro e um microfone que pode ouvir a respira��o e os batimentos card�acos, como um estetosc�pio.
"Esperamos poder usar o EEG de ouvido para substituir, em parte, o monitoramento do sono existente e um pouco mais problem�tico. Tentaremos tornar a tecnologia t�o simples que possa ser usada em casa e por um per�odo mais longo de tempo. Idealmente, esperamos que seja poss�vel medir o pr�prio sono ao longo de alguns dias, semanas ou at� meses, todos os anos", destacou, em nota, Poul J�rgen Jennum, chefe do Centro Dinamarqu�s de Medicina do Sono no Rigshospitalet, um dos maiores hospitais do pa�s.
"O objetivo � identificar altera��es que possam ser sinais precoces de doen�as cerebrais graves, como Alzheimer e Parkinson, para diagnosticar os pacientes mais facilmente e mais cedo do que hoje. Isso seria uma grande vantagem. Outra vantagem � que podemos examinar os pacientes em suas vidas cotidianas e monitorar as mudan�as nos padr�es de sono e o efeito dos tratamentos."
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