Menino com l�bio leporino
A maioria dos estudos considera as fissuras labiopalatinas como defeitos de n�o fus�o de estruturas embrion�rias. Ou seja, tanto o l�bio como o palato - o c�u da boca - s�o formados por estruturas que, nas primeiras semanas de vida, est�o separadas. N�o h� apenas uma causa para a ocorr�ncia da fissura. Acredita-se que se d� por uma intera��o de genes associados a fatores ambientais.
Neste s�bado, 24 de junho, � o Dia Nacional de Conscientiza��o sobre a Fissura Labiopalatina. A institui��o da data visa estimular a divulga��o de informa��es sobre a malforma��o, contribuindo para a redu��o do preconceito.
Hoje com 28 anos, Costa diz que sofreu preconceito. “Sofri muito na minha �poca de col�gio, inf�ncia e adolesc�ncia, uma fase infernal que todas as pessoas que carregam alguma diferen�a consigo sofrem. O , que antes era visto apenas como “coisas de crian�a“, hoje � um problema grave. Esses tipos de preconceitos, discrimina��o e , s�o reflexo da sociedade na qual vivemos. Os ambientes acad�micos e as escolas precisam ter um espa�o para conhecimento sobre as diferen�as”, defende o estudante do curso de Servi�o Social.
Associa��o
Al�m de acad�mico, Costa � paciente e atual vice-presidente da Associa��o Beija Flor (ABF), em Fortaleza (CE). “Superei tudo isso, hoje me tornei vice-presidente da Associa��o Beija Flor, onde eu luto por direitos para as pessoas com fissura labiopalatina”.
A Associa��o Beija Flor atende pessoas com fissura labiopalatina desde o nascimento � idade adulta no Cear�. Segundo a ABF, atualmente s�o 1.320 cadastrados. No ano de 2022 foram atendidos 528 pacientes e feitos 3.416 atendimentos nas diversas especialidades dispon�veis.
A ABF nasceu por iniciativa de profissionais de sa�de que vivenciavam as dificuldades enfrentadas pelos pacientes que precisam do Sistema �nico de Sa�de (SUS) para o tratamento de deformidades craniofaciais e fissura labiopalatina. A entidade atua na reabilita��o e reintegra��o social dos pacientes e suas fam�lias, abrangendo pessoas do Cear� desde 2002, sendo centro de refer�ncia no tratamento no estado.
“O tratamento de fissura � um tratamento multidisciplinar muito complexo, exige v�rios profissionais, s�o evolu��es bem diversas, os tipos de abordagens e terapias s�o diferentes e precisam de profissionais especializados, para que o paciente seja melhor tratado. A associa��o tem ampliado essa assist�ncia”, explica a fonoaudi�loga Elyne Lacerda Santana Gir�o, presidente da ABF.
Entre as especialidades da unidade est� o exame de nasofibroscopia da fun��o velofaringe. “� a fun��o que movimenta o palato mole, que que determina se a comunica��o daquele paciente ficar� alterada, com aquele aspecto mais fanhoso, com a voz anasalada, que � um estigma t�o grande para os pacientes. � o �nico ambulat�rio do Cear� que realiza este exame na rede p�blica”, conta a atual presidente da ABF.
Outra iniciativa da ABF � a equipe de assist�ncia perinatal. “Quando a fam�lia recebe o diagn�stico na fase pr�-natal � assistida pela equipe que acompanha a gesta��o e est� presente no dia do nascimento, com avalia��o, orienta��o na alimenta��o e depois da alta � acompanhado ambulatorialmente, percorrendo todo o tratamento da crian�a”.
Elyne afirma que o amparo � fam�lia pode evitar interven��es. “Acompanhamos nas primeiras horas de vida para que evite receber, at� se for o caso, uma sonda de alimenta��o sem necessidade e evitar de ir para a UTI neonatal. A equipe oferece esse amparo total, com cirurgi�o, fonoaudi�logo e tamb�m psic�logo, para ajudar essa fam�lia nesse luto do beb� ideal para o beb� real. Percorremos esse lado com a fam�lia antes do beb� nascer”, completa.
Estigmas
Na avalia��o da fonoaudi�loga, os preconceitos com a pessoas tratadas com l�bio leporino acontecem pelas sequelas. “Se o paciente n�o vive o tratamento no tempo certo, ele passa a ter sequelas no desenvolvimento, porque � um tratamento longo, geralmente vai at� o final do crescimento da face, no in�cio da idade adulta. A crian�a j� nasce com um tratamento longo”.
Para diminuir os estigmas, o tratamento deveria ser assegurado, opina Elyne. “Se a gente conseguisse desenvolver pol�ticas p�blicas para ter esse tratamento assegurado, com crian�a atendida no tempo certo, as sequelas seriam evitadas e com certeza ela estaria inserida socialmente de forma mais igualit�ria. Esse dia de conscientiza��o � para olhar a fissura como um tratamento que deve ser visto com a sua import�ncia”, ela defende.
O Projeto de Lei 1267/22, em tramita��o na C�mara dos Deputados, determina que o SUS preste o servi�o de cirurgia pl�stica reconstrutiva de l�bio leporino ou fenda palatina, bem como os tratamentos pr�-cir�rgicos e p�s-cir�rgicos necess�rios.
Pela proposta, na aus�ncia de especialistas nas redes de unidades p�blicas, o SUS dever� fornecer a cobertura de todos os procedimentos em algum hospital da rede particular, seguindo os crit�rios definidos pela administra��o p�blica.
Em entrevista a Ag�ncia C�mara de Not�cias, o autor do projeto, deputado Ossesio Silva (Republicanos-PE), disse que, embora o SUS ofere�a a cirurgia e o acompanhamento dos pacientes que nascem com essas m�s-forma��es cong�nitas, “sua cobertura n�o � integral e tamb�m � considerada prec�ria, havendo necessidade de um regramento para que haja essa presta��o de procedimento”.
A Associa��o Beija Flor est� em campanha para poder ampliar a capacidade de atendimento da unidade e abrir a assist�ncia cir�gica . Em parceria com ONG Internacional SmileTrain, a ABF recebeu financiamento para constru��o de um Centro de Reabilita��o Craniofacial especializado em fissura labiopalatina – Hospital Smile Train. As doa��es podem ser feitas no site da associa��o.
Com isso, espera-se reduzir a demanda reprimida, que contribui para o surgimento de poss�veis sequelas que podem afetar este p�blico quando n�o � oferecido um tratamento na idade certa, pr�-estabelecida pelos protocolos que hoje determinam os procedimentos necess�rios para total reabilita��o. Atualmente as cirurgias corretivas s�o realizadas em parceria com o Hospital Infantil Albert Sabin.
Bullying
Para evitar o que passou Alber Costa, o youtuber Iarley Bermudes, de 16 anos, vem desde a inf�ncia trabalhando na conscientiza��o da malforma��o. Aos 9 anos ele come�ou a dar palestras para falar sobree . Ficou conhecido e se tornou youtuber. Nas redes sociais dele, que contam com mais de 22 mil seguidores, o jovem publica conte�do para contribuir com a redu��o do preconceito em rela��o �s pessoas que nascem com a malforma��o.
“N�o se omitam diante de casos de , o que causa o maior impacto no n�o � somente o ato, mas � o que acontece posteriormente. Ent�o procure os pais, o respons�vel e, principalmente, se acontecer dentro do espa�o escolar, � muito importante procurar um professor, alguma figura da equipe pedag�gica da escola para falar do assunto”.
Iarley tem uma mensagem para as crian�as em tratamento. “Tente elevar a sua autoestima, porque durante o tratamento, quem tem a autoestima elevada sempre vai estar feliz e ver� a situa��o da melhor maneira poss�vel. � importante entender que essa dor vai passar, pode doer, pode machucar, mas a gente tem que saber que essa dor � passageira”. Estudioso, o adolescente foi aprovado em concurso p�blico de t�cnico banc�rio e sonha em estudar direito, “para atuar em magistratura”, conta.
Refer�ncia
A escolha do Dia Nacional de Conscientiza��o sobre a fissura labiopalatina refere-se � funda��o, em 24 de junho de 1967, do Hospital de Reabilita��o de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da Universidade de S�o Paulo (USP), pioneiro e centro de refer�ncia no tratamento de anomalias craniofaciais e defici�ncias auditivas. O HRAC, localizado em Bauru (SP) � mantido com recursos da USP, do Governo do Estado de S�o Paulo, do Sistema �nico de Sa�de (SUS) e de conv�nios institucionais.
A excel�ncia do trabalho realizado pelo HRAC j� foi reconhecida por diversos pr�mios e certifica��es, concedidos por �rg�os de renome do Brasil e do exterior.
Conhecido como “Centrinho”, foi l� que o Iarley iniciou o tratamento. “Ele nasceu com m� forma��o cong�nita, fissura quatro, j� passou por 18 cirurgias at� o momento, mas ainda tem cirurgias pela frente”, conta Cristiane Bermudes, m�e de Iarley. Moradores do Esp�rito Santo, Cristiane e Iarley frequentam o Centrinho desde que ele nasceu.
Cirurgi�o craniofacial do HRAC e professor do Curso de Medicina da USP-Bauru, o m�dico Cristiano Tonello explica as complica��es da malforma��o. “A fissura l�biopalatina tem um impacto na fala, especialmente pela fissura palatina no c�u da boca, e obviamente na oclus�o dos dentes, porque uma vez que a fissura compromete a �rea da regi�o alveolar, da gengiva dos dentes, existe um comprometimento, ent�o o tratamento necessariamente precisa ser multiprofissional”.
O cirurgi�o conta como ocorrem as primeiras cirurgias. “O tratamento inclui, a partir dos tr�s meses, o fechamento da fissura l�bio palatina, a repara��o do l�bio. Aos 12 meses idealmente acontece o fechamento do palato, para a crian�a poder desenvolver adequadamente a fala e acompanhar o crescimento facial. Tamb�m observamos a necessidade de, eventualmente, realizar outras cirurgias, alguma delas a restabelecer o contorno da gengiva por meio de um enxerto �sseo. Mais para a frente pode fazer uma cirurgia ortogn�tica, cirurgia na maxila e como final de tratamento, a rinoplastia”.
Apoio emocional
No HRAC todas as quest�es que permeiam a reabilita��o s�o consideradas. “A parte cir�rgica � primordial para sua reabilita��o, mas nunca � considerada de forma isolada. Aspectos sociais e emocionais, al�m dos odontol�gicos, fonoaudiol�gicos, gen�ticos, entre outros s�o abordados durante todo o tratamento”, explica a psic�loga Mariani Ribas, chefe t�cnica da Se��o de Psicologia do HRAC.
Mariani detalha que a psicologia atua no in�cio do tratamento, auxiliando familiares na elabora��o do diagn�stico. “Busca desenvolver uma vis�o mais positiva em rela��o � fissura e direciona a fam�lia para o desenvolvimento de pr�ticas parentais que favore�am e fortale�am a autoestima do filho com a malforma��o”.
No decorrer do tratamento, a atua��o psicol�gica se direciona ao desenvolvimento de estrat�gias de enfrentamento aos procedimentos cir�rgicos. “Trabalhamos tamb�m para a resolu��o de problemas, como os eventuais epis�dios de ”.
A psic�loga considera fundamental o conhecimento para a respeito da doen�a.
“Ter acesso a informa��es � fundamental para que n�o s� os familiares, mas todo o c�rculo social do paciente favore�a sua adapta��o em seus diferentes contextos de vida. Esta data se torna uma ferramenta muito importante para que a popula��o em geral tenha informa��es realistas e de qualidade acerca da fissura labiopalatina e seu processo de reabilita��o”, completa Mariani.
Inspira��o
Ela passou por cinco cirurgias, a primeira com oito meses de nascimento. “Sigo meu tratamento h� 27 anos, � um longo processo at� que tenha uma qualidade de vida melhor.
Estou na fase odonto h� 15 anos, para finalizar os procedimentos cir�rgicos necess�rios”. A modelo � paciente do Centrinho.
Hoje, ela � inspira��o: se tornou modelo de batom, j� posou para revistas e produz conte�do no Instagram @raizabernardooficial para combater o preconceito. Em entrevista � , ela aconselha as pessoas com fissura labiopalatina a se amarem. “A todos que nasceram com fissura assim como eu, se permita ser quem voc� �, se permita se amar, se encorajar, existe lugar para todos, ent�o ocupe”.
Uma publica��o compartilhada por R A I Z A B E R N A R D O (@raizabernardooficial)
A modelo comemora a data de conscientiza��o. “O Dia Nacional de Conscientiza��o da Fissura Labiopalatina � um dia memor�vel, a marca de nossas cicatrizes vai nos lembrar hoje e sempre a import�ncia de que, por mais processos e momentos de reconstru��o, nunca deixaremos de sermos fissurados, que essa consci�ncia possa partir de n�s mesmos at� que o mundo nos veja com mais respeito e inclus�o”.
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