cachorro

Mesmo n�o sendo esteticamente atraentes, animais feios nos cativam - por qu�?

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Em Petaluma, na Calif�rnia (Estados Unidos), jurados examinaram, em junho, uma s�rie de focinhos amassados, dentes irregulares, olhos saltados e bigodes salientes para decidir quem seria o vencedor do concurso do C�o Mais Feio do Mundo.


Todos os anos, os concorrentes a esta duvidosa homenagem conquistam os cora��es dos amantes dos animais em todo o mundo, enquanto fotos pouco lisonjeiras dos cachorros viralizam na internet.


Mas por que achamos os animais feios t�o atraentes? O que faz com que essas criaturas de apar�ncia estranha pare�am t�o fofas? Bem, parte da resposta est� na evolu��o.


O zo�logo austr�aco Konrad Lorenz afirma que a atra��o humana por caracter�sticas infantis, como olhos grandes, cabe�as enormes e corpos macios, � uma adapta��o evolutiva que ajuda a fazer com que os adultos cuidem dos seus filhotes, o que garante a perpetua��o da esp�cie.


Em 1943, Lorenz chamou essas caracter�sticas infantis de “esquema do beb�”.


Os animais com apar�ncia esquisita, como o peixe-bolha, os c�es da ra�a pug, os l�mures de Madagascar e os buldogues, possuem essas mesmas caracter�sticas infantis que ativam rea��es afetuosas entre os seres humanos e um instinto natural de cuidado e prote��o.


E essas caracter�sticas infantis aumentam o “comportamento protetor, a aten��o e a disposi��o ao cuidado” das pessoas pelos indiv�duos, reduzindo a “probabilidade de agress�o ao beb�”, segundo a pesquisadora Marta Borgi, do Instituto Superior de Sa�de de Roma, na It�lia. Borgi estudou como o esquema do beb� se relaciona com a intera��o entre os seres humanos e os animais.


Entre os seres humanos, cujos beb�s “dependem totalmente dos seus cuidadores para sustent�-los e proteg�-los, esta rea��o tem clara import�ncia porque contribui para aumentar as chances de sobreviv�ncia dos filhotes”, afirma ela.

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Um estudo de 2014 realizado por Borgi e outros pesquisadores concluiu que o conceito de “fofura” � comum � esp�cie e se desenvolve muito cedo. Crian�as com at� tr�s anos de idade demonstram prefer�ncia por animais e seres humanos com olhos grandes, nariz em forma de bot�o e rosto redondo.

 


“N�s demonstramos que a rea��o afetiva a caracter�sticas faciais infantis em c�es e gatos surge logo no in�cio do nosso desenvolvimento”, afirma Borgi.


Os pesquisadores analisaram os movimentos dos olhos das crian�as com tr�s a seis anos de idade e conclu�ram que eles se concentravam mais em imagens de c�es, gatos e seres humanos que haviam sido digitalmente modificadas para oferecer caracter�sticas mais infantis.


cão com coleira rosa e língua para fora

Os tra�os exagerados dos animais feios tamb�m s�o encontrados nos beb�s humanos. Cientistas acreditam que esses tra�os ativam alguns dos nossos instintos protetores

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Eles tamb�m pediram �s crian�as que avaliassem as imagens em uma escala de 1 a 5, em que 1 era “n�o � fofo” e 5 era “muito fofo”. As crian�as deram notas mais altas aos rostos redondos com testas grandes, grandes olhos e narizes pequenos, em compara��o com os tra�os menos infantis.


“N�s demonstramos que o grau de esquema do beb� no rosto de c�es e gatos � uma caracter�stica saliente que afeta a ‘percep��o de fofura’ das crian�as”, explica Borgi.


J� os animais feios frequentemente t�m outro valor. Alguns deles, como o peixe-bolha ou o rato-toupeira-pelado, vivem em ambientes extremos e se adaptaram de formas not�veis.


Os cientistas se dedicam a estudar esses animais para entender se a sua biologia pode oferecer novas ideias que podem gerar tratamentos de condi��es de sa�de humanas, como o c�ncer, doen�as card�acas e doen�as neurodegenerativas.


Mas, embora muitas criaturas feias sejam perfeitamente adaptadas � sua vida selvagem e possam fornecer enormes benef�cios aos ecossistemas onde vivem, elas, muitas vezes, n�o recebem tanta aten��o quanto os animais tradicionalmente mais fofos e graciosos. E isso pode resultar em um vi�s que leva as esp�cies menos atraentes a serem objetos de pesquisa com menos frequ�ncia.


Problemas de sa�de


Existem fatores culturais que tamb�m formam nossa obsess�o pelos animais feios, mas fofos.


“O feio mas fofo � muito elegante”, afirma Rowena Packer, professora de ci�ncias do bem-estar e comportamento de animais de companhia da Faculdade Real de Veterin�ria da Universidade de Londres. Em parte, isso � incentivado pelas redes sociais, com muitas celebridades e influenciadores exibindo pugs e buldogues franceses no Instagram, segundo Packer.


Mas existem s�rias preocupa��es em rela��o ao bem-estar dos animais sobre essa tend�ncia.


Os veterin�rios est�o aconselhando as pessoas a n�o escolher ra�as de c�es de focinho achatado, ou braquic�falas, pois eles sofrem s�rios problemas de sa�de.

Os pugs e buldogues franceses que passaram por cria��o seletiva apresentam dificuldades de respira��o, infec��es da pele frequentes e doen�as dos olhos.


Um estudo concluiu em 2022 que os pugs “n�o podem mais ser considerados cachorros t�picos, do ponto de vista da sa�de”, devido aos s�rios problemas que eles enfrentam. No Reino Unido, os pugs t�m probabilidade duas vezes maior de sofrer de um ou mais transtornos de sa�de por ano, em compara��o com as outras ra�as.


No ver�o, os pugs tamb�m apresentam risco de insola��o, pois eles t�m dificuldade de regular sua temperatura corporal.


“Se voc� pensar nos lobos, eles t�m narizes muito longos”, explica Packer. “Eles dependem da troca de calor atrav�s da passagem nasal, que permite que eles regulem eficientemente sua temperatura... eles n�o suam como n�s.”


Mas os pugs t�m narinas pequenas e vias a�reas estreitas, o que dificulta sua respira��o e o resfriamento dos seus corpos em dias de calor.


O resultado � que muitos pugs fazem ru�dos – eles roncam e bufam, o que as pessoas costumam achar “fofo”, um reflexo da personalidade do c�o, segundo Parker. “Mas, na verdade, � um sinal de que suas vias a�reas est�o obstru�das.”


E, apesar dos seus muitos problemas de sa�de, os pugs continuam sendo bastante populares.


Segundo a Faculdade Real de Veterin�ria brit�nica, os registros de pugs no Kennel Clube – o registro nacional de c�es do Reino Unido – aumentaram em cinco vezes entre 2005 e 2017. J� o Kennel Clube dos Estados Unidos relaciona os pugs como a 35ª ra�a de cachorro mais popular do pa�s, entre 280 ra�as registradas.


Em 2022, outra ra�a braquic�fala – o buldogue franc�s – tornou-se, pela primeira vez, o c�o mais popular nos Estados Unidos, segundo os registros norte-americanos.


“Existem muitas barreiras psicol�gicas que fazem com que as pessoas evitem aceitar os problemas de sa�de dos c�es braquic�falos”, explica Packer.


“As pessoas gostam do fato de que os pugs s�o muito engra�ados, muito pregui�osos, e n�o querem v�-los ficando mais moderados cruzando-os com outras ra�as. Elas receiam que ele n�o ser� mais aquele ‘come-dorme’ engra�ado, mesmo que aquilo, na verdade, seja causado pelas doen�as que n�s estamos impondo a eles.”


O cruzamento de c�es com focinho achatado com outras ra�as � “realmente essencial”, segundo ela. “Al�m de terem fen�tipos realmente extremos de formatos de corpo, eles tamb�m t�m diversidade gen�tica muito baixa.”


buldogue francês

O buldogue franc�s � agora a ra�a de cachorro mais popular nos Estados Unidos. Ele pode sofrer uma s�rie de problemas de sa�de.

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E a diversidade gen�tica � importante. Sem ela, doen�as e tra�os prejudiciais podem se espalhar rapidamente por uma popula��o e acabar fazendo mal a ela – ou at� causar sua extin��o.


Em 2016, uma an�lise de 102 buldogues ingleses registrados concluiu que eles tinham pouca diversidade gen�tica nas duas linhagens, materna e paterna, incluindo na parte do genoma que cont�m genes que regulam rea��es imunol�gicas normais.


Os buldogues est�o “se tornando caricaturas das suas formas originais”, segundo Packer.


“Existe uma enorme tend�ncia entre as pessoas de querer c�es com dobras da pele muito exageradas e corpos compactos”, afirma ela. “Mas, na verdade, isso reflete malforma��es da sua coluna – suas v�rtebras agora s�o malformadas, o que pode gerar uma enorme variedade de doen�as neurol�gicas.”


Por isso, caracter�sticas engra�adas como olhos saltados e focinhos cheios de rugas podem nos fazer rir, mas, pela sa�de e bem-estar dos animais, nossa obsess�o pelo “feio mas fofo” precisa ser reconsiderada.


Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.