Proposta para regulamentar ozonioterapia como tratamento complementar foi aprovada com pouca resist�ncia no Congresso
O presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) tem at� esta sexta-feira (4/8) para decidir se sanciona ou veta uma lei que autoriza profissionais de sa�de com curso superior a aplicarem a ozonioterapia como um tratamento complementar (ou seja, de forma adicional a outros tratamentos).
O Conselho Federal de Farm�cia, por sua vez, enviou carta ao presidente apoiando a san��o.
A ozonioterapia consiste em aplicar uma mistura de g�s oxig�nio e oz�nio no corpo humano. Defensores da t�cnica dizem que o oz�nio tem propriedades anti-inflamat�rias, antiss�pticas e melhora a oxigena��o do corpo.
Hoje, a ozonioterapia s� � autorizada no Brasil para alguns procedimentos odontol�gicos e est�ticos. Apesar disso, dezenas de cl�nicas operam de forma irregular, conforme mostrou reportagem da BBC News Brasil em 2021.
Propagandas proliferam na internet oferecendo aplica��es do g�s oz�nio atrav�s do �nus, da vagina e por via intravenosa, por exemplo, que ajudariam, segundo os an�ncios, na cura do c�ncer, no combate a infec��es virais, endometriose, h�rnia, doen�as circulat�rias e depress�o — benef�cios n�o comprovados cientificamente, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), que em 2018 realizou uma revis�o dos estudos dispon�veis.
Questionado pela BBC News Brasil, o CFM n�o respondeu se est� a favor ou contra a san��o da nova lei. A pedido da Associa��o Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), o conselho tem hoje um novo grupo estudando se h� embasamento cient�fico para regulamentar a t�cnica no Brasil, mas n�o quis fornecer detalhes � reportagem.

O presidente Luiz In�cio Lula da Silva tem at� esta sexta-feira para decidir se sanciona ou veta nova lei
ReutersPor meio de nota, o CFM esclareceu que “a ozonioterapia n�o tem reconhecimento cient�fico para o tratamento de doen�as” e que “trata-se de procedimento ainda em car�ter experimental, cuja aplica��o cl�nica n�o est� liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos cient�ficos, conforme crit�rios definidos pelo Sistema CEP/CONEP”.
“Entre as condi��es previstas para participa��o desses estudos, est�o: a concord�ncia dos interessados com as condi��es em que a pesquisa ser� realizada, a garantia de sigilo e anonimato para os que se submeterem � pr�tica, a oferta de suporte m�dico-hospitalar em caso de efeitos adversos e a n�o cobran�a do tratamento em qualquer uma de suas etapas”, disse ainda a nota.
Outros conselhos da �rea de sa�de, por sua vez, autorizam seus profissionais a aplicar a t�cnica, como os conselhos federais de Farm�cia (CFF), Odontologia (CFO), Fisioterapia (COFFITO) e Enfermagem (COFEN).
No entanto, como a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) s� aprovou o uso de equipamentos de ozonioterapia para alguns tratamentos odontol�gicos e est�ticos, hoje esses profissionais n�o podem aplicar a t�cnica para outras finalidades, o que constituiria infra��o sanit�ria, pun�vel por multas e fechamento do estabelecimento.
“A ozonioterapia � um procedimento de car�ter complementar e multidisciplinar, que n�o substitui as t�cnicas e tratamentos j� incorporados ao sistema de sa�de, mas sim vem agregar aos tratamentos estabelecidos, como uma nova op��o terap�utica, promovendo melhor qualidade de vida aos pacientes”, defendeu o Conselho Federal de Farm�cia (CFF) em carta � Lula.
“A import�ncia da ozonioterapia para a sa�de p�blica est� amplamente evidenciada, haja vista a incorpora��o desta pr�tica pelo SUS � lista de Pr�ticas Integrativas e Complementares em Sa�de (PICS)”, diz ainda a carta.
Uma portaria de 2018 do Minist�rio da Sa�de, durante a gest�o do ministro Ricardo Barros, de fato incluiu a t�cnica no rol dessas pr�ticas, ao lado de outros tratamentos como homeopatia e acupuntura. As PICS s�o descritas pela pasta como “recursos terap�uticos que buscam a preven��o de doen�as e a recupera��o da sa�de, com �nfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do v�nculo terap�utico e na integra��o do ser humano com o meio ambiente e a sociedade”.
No entanto, o Minist�rio da Sa�de disse � reportagem que a ozonioterapia s� � oferecida no SUS para tratamento odontol�gico, seguindo as regras da Anvisa.
O que poderia mudar com a nova lei?
A proposta de lei aprovada autoriza a ozonioterapia como procedimento de car�ter complementar dentro de algumas condi��es: a t�cnica s� poder� ser aplicada por profissional de sa�de de n�vel superior inscrito em seu conselho de fiscaliza��o profissional e por meio de equipamento de produ��o de oz�nio medicinal autorizado pela Anvisa. Al�m disso, o paciente dever� ser informado do car�ter complementar da t�cnica.
A BBC News Brasil consultou a Anvisa sobre como seria a aplica��o da lei, caso entre em vigor. Segundo a resposta, n�o haveria mudan�a, na pr�tica: na vis�o do �rg�o, os equipamentos de ozonioterapia autorizados pela Anvisa para uso odontol�gico e est�tico continuariam permitidos apenas para essa finalidade.
“� importante esclarecer que as empresas que, porventura, ensejem a submiss�o de regulariza��o de novos equipamentos emissores de oz�nio com indica��es de uso diferentes daquelas citadas na Nota T�cnica Nº 43/2022 dever�o apresentar estudos cl�nicos com resultados eficazes e seguros a fim de corrobor�-las, conforme disposto na RDC nº 546/2021 e, quando aplic�vel, na RDC nº 548/2021”, disse a Anvisa.
“Assim, somente depois de aprovados junto � Anvisa � que os equipamentos poder�o ser utilizados para outras finalidades”, refor�ou o �rg�o.
J� o advogado e sanitarista Silvio Guidi disse � BBC News Brasil ter leitura diferente. No seu entendimento, a lei d� abertura para que profissionais de sa�de usem os equipamentos j� aprovados pela Anvisa em outros tipos de tratamento complementar.
A expectativa de Guidi, por�m, � que a lei n�o ser� aplicada. Na hip�tese de Lula sancionar a nova legisla��o ou de o Congresso derrubar seu veto, o advogado acredita que a lei tende a ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, da mesma forma que ocorreu em 2020 com a lei que autorizava o uso da fosfoetanolamina sint�tica, conhecida como “p�lula do c�ncer”, por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.
Para Guidi, apenas o Conselho Federal de Medicina e a Anvisa poderiam ampliar os usos da ozonioterapia no pa�s. “A sensa��o que eu tenho � que o Congresso (ao aprovar essa lei) est� dando uma volta numa t�cnica regulat�ria institu�da dentro do nosso pa�s para a aprova��o de equipamentos e procedimentos m�dicos”, criticou.

Pessoa manipulando aparelho de ozonioterapia
Getty ImagesO projeto de lei passou no Congresso sem grande controv�rsia.
A mat�ria foi aprovada inicialmente em 2017 na Comiss�o de Assuntos Sociais do Senado em car�ter terminativo, ou seja, foi enviada para an�lise da C�mara sem passar pelo plen�rio.
Depois, foi aprovado em 2021 pelos deputados em duas comiss�es e voltou ao Senado tamb�m sem passar pelo plen�rio da C�mara.
E, em julho deste ano, os senadores aprovaram o projeto em vota��o simb�lica, remetendo a mat�ria para san��o presidencial.
A BBC News Brasil tentou ouvir o senador Otto Alencar (PSD-BA), que � m�dico e relatou o projeto no Senado, mas ele n�o atendeu aos pedidos de entrevista.
Tamb�m m�dico, o senador Hiran Gon�alves (PP-RR) foi o �nico que se pronunciou durante a vota��o simb�lica, e manifestou preocupa��o com a aprova��o da lei. Na sua vis�o, o Congresso n�o � a institui��o adequada para autorizar tratamentos m�dicos no pa�s.
Ele teme que a lei, caso entre em vigor, leve pacientes a negligenciarem outros tratamentos, por acreditarem nos benef�cios da ozonioterapia.
“O problema (com a aprova��o dessa lei) � que voc� termina por estimular as pessoas de maneira indireta a usarem uma t�cnica que n�o � um tratamento eficaz e deixar seus tratamentos mais eficazes e com mais comprova��o cient�fica de lado”, disse � reportagem.
Para o obstetra C�sar Fernandes, presidente da Associa��o M�dica Brasileira (AMB), n�o � correto promover um tratamento que, al�m de n�o ser comprovadamente eficaz, traz riscos aos pacientes, a depender das doses aplicadas.
“H� v�rias vias de aplica��o. Pode queimar as mucosas do reto, da bexiga e da boca, por exemplo. E, a depender das quantidades em que ele � inalado ou � absorvido pelo organismo, pode causar danos vasculares, cardiol�gicos, cerebrais. Ent�o, n�o � totalmente in�cuo. Vai depender da dose, da via de administra��o”, ressalta.
O que diz a Associa��o Brasileira de Ozonioterapia?
A aprova��o da lei contou com forte atua��o da Associa��o Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), entidade que promove a t�cnica e comercializa cursos para sua aplica��o.
O presidente da institui��o, Ant�nio Teixeira, sustenta que existem avan�os cient�ficos para a comprova��o da efic�cia da ozonioterapia especialmente no tratamento complementar de dores e inflama��es, como osteoartrite de joelho e lombalgia (dor lombar) associada � h�rnia de disco. � nesse campo que a Aboz tenta hoje ampliar a regulamenta��o na Anvisa e na CFM, explicou.
Teixeira, por�m, diz que a t�cnica traz benef�cios mais amplos. O site da Aboz lista patologias que poderiam ser tratadas, como tumores de c�ncer, hepatite, �lceras, h�rnias de disco, inflama��es intestinais, entre outras.
“A grande quest�o que precisa ficar clara � que oz�nio n�o � um rem�dio, ele n�o atua da mesma forma que um medicamento, agindo sobre uma doen�a espec�fica”, disse Teixeira � reportagem.
“O oz�nio medicinal � um recurso terap�utico que modula o sistema antioxidante end�geno, melhora a oxigena��o dos tecidos, ativa c�lulas imunocompetentes e tem atividade antimicrobiana t�pica. Sua aplicabilidade, portanto, � ampla e suas indica��es est�o baseadas nestes mecanismo de a��o moleculares”, defende.

Presidente da Aboz afirma que h� avan�os cient�ficos para a comprova��o da ozonioterapia especialmente no tratamento complementar de dores e inflama��es, como osteoartrite de joelho
Getty ImagesEm defesa do tratamento, a Aboz tamb�m destaca o uso da ozonioterapia em outros pa�ses, como Cuba, China, Portugal e Espanha. O portal da entidade d� amplo destaque para a informa��o de que, “na Alemanha, este procedimento m�dico faz parte dos tratamentos pagos pelos seguros-sa�de do governo” e acrescenta que, “anualmente, milh�es de pacientes s�o tratados com a Ozonioterapia” no pa�s.
No entanto, o �rg�o respons�vel por definir os tratamentos cobertos pelos seguros-sa�de na Alemanha (Gemeinsamer Bundesausschuss) disse � BBC News Brasil que a ozonioterapia foi exclu�da da cobertura padr�o no ano 2000.
“Isso significa que a terapia com oz�nio n�o pode ser reivindicada atrav�s do regime de seguro de sa�de estatut�rio. � oferecido como um servi�o de pagamento privado na Alemanha, mas n�o coletamos n�meros sobre a frequ�ncia de utiliza��o”, disse o �rg�o.
A resolu��o sobre a decis�o informa que a revis�o da literatura cient�fica existente naquele momento n�o apontou evid�ncia confi�vel de benef�cio e necessidade m�dica. O documento tamb�m diz que a decis�o do �rg�o foi un�nime e que n�o houve contesta��o do Minist�rio da Sa�de alem�o.
A reportagem tamb�m consultou o �rg�o alem�o correspondente � Anvisa (Bundesinstitut f�r Arzneimittel und Medizinprodukte). A institui��o informou que “o oz�nio n�o � um medicamento autorizado” no pa�s. Por outro lado, esclareceu que “existe a chamada liberdade de terapia” na Alemanha.
“Isso significa que um produto n�o precisa necessariamente de uma autoriza��o como medicamento para ser selecionado por um m�dico como terapia para um paciente”, acrescentou o �rg�o.
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