Foto de cogumelos

Foto de cogumelos

(Reprodu��o/Unsplash/Phoenix Han)

Nosso olhar se volta para os avan�os not�veis na interse��o entre a ci�ncia moderna e a sabedoria ancestral. Os cogumelos, que h� muito tempo s�o reverenciados por culturas antigas, est�o se tornando um pilar revolucion�rio na abordagem de problemas complexos, como ansiedade, depress�o e v�cios . O conhecimento acumulado ao longo de s�culos � agora enriquecido pelas �ltimas descobertas no campo da neuroci�ncia e da biologia, redefinindo o futuro da medicina psicod�lica.

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Esses organismos podem ser divididos em dois grupos distintos: os comest�veis e os psicod�licos. Enquanto alguns s�o amplamente utilizados na alimenta��o di�ria e oferecem benef�cios nutricionais, outros possuem propriedades psicotr�picas e podem causar efeitos alterados de percep��o e consci�ncia.

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"A estrutura que chamamos de cogumelo � o corpo de frutifica��o. Alguns s�o comest�veis, utilizados na alimenta��o di�ria, e incluem champignon, shiitake, shimeji, cogumelo Paris, funghi secchi, entre outros", explica o professor de ci�ncias biol�gicas do Ceub Stefano Aires. J� os psicod�licos, tamb�m chamados de cogumelos m�gicos, possuem propriedades psicotr�picas e s�o diferentes dos comest�veis. "O psilocybes � o cogumelo psicod�lico mais conhecido no Brasil, mas h� v�rias outras esp�cies com propriedades psicotr�picas, algumas delas utilizadas para pesquisa nos EUA."

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Estudos demonstraram que a terapia assistida com psilocibina, composto psicod�lico de ocorr�ncia natural encontrado em certas esp�cies, pode ter efeitos positivos nas condi��es de sa�de mental, incluindo depress�o resistente ao tratamento, ansiedade e transtorno de estresse p�s-traum�tico (TEPT) . "A psilocibina tem o potencial de induzir experi�ncias m�sticas, que podem levar a percep��es profundas e processamento emocional aprimorado", explica o neurocientista e mestre em psicologia Fabiano Rodrigues.

Entenda as diferen�as

- Geralmente, � dif�cil identificar cogumelos sem o aux�lio de um especialista, especialmente distinguir cogumelos t�xicos dos comest�veis ou psicod�licos. Os t�xicos, em geral, s�o coloridos, como a amanita musc�ria, um cogumelo vermelho com bolinhas brancas. Eles podem conter subst�ncias psicotr�picas, mas tamb�m s�o letais em certas quantidades.

- Al�m dos cogumelos psicod�licos, existem outros que podem conter toxinas, como as aflatoxinas, que s�o produzidas por fungos que podem contaminar o trigo e o amendoim, causando problemas hep�ticos se ingeridas.

- Encontrar cogumelos na natureza e consumi-los sem conhecimento pode ser perigoso, uma vez que muitos cogumelos s�o t�xicos e possuem mecanismos de defesa para evitar a preda��o. Para identific�-los com seguran�a, � necess�rio o aux�lio de especialistas com conhecimento espec�fico sobre cogumelos.

Potenciais medicamentosos

As pesquisas do neurocientista e mestre em psicologia Fabiano Rodrigues, pesquisador no campo de nutrigen�tica, genoma e neuroci�ncias, t�m contribu�do para o avan�o do conhecimento nessas �reas. Autor de diversos artigos cient�ficos e livros, ele explica melhor os estudos sobre o uso de cogumelos pela ci�ncia:

Psilocibina

� um composto psicod�lico de ocorr�ncia natural encontrado em certas esp�cies de cogumelos, muitas vezes referidos como cogumelos m�gicos ou cogumelos de psilocibina. Quando ingerida, a psilocibina � convertida em sua forma ativa, a psilocina, que interage com os receptores de serotonina no c�rebro, particularmente os 5-HT2A. Isso resulta em percep��o, humor e consci�ncia alterados.

Iboga�na

� um alcaloide psicoativo derivado da casca da raiz do arbusto Tabernanthe Iboga, nativo da �frica central. Tem sido investigado por seu potencial no tratamento de depend�ncias qu�micas, particularmente de opi�ceos. Atua em v�rios sistemas de neurotransmissores, incluindo os de serotonina, dopamina e opioides.

Mecanismos de a��o

- Aumento da produ��o de citocinas (regula��o e coordena��o da resposta imunol�gica do corpo).

- Alguns cogumelos medicinais t�m demonstrado a capacidade de ativar c�lulas imunol�gicas, como c�lulas Natural Killer (NK) e macr�fagos, que s�o importantes para a defesa do organismo contra pat�genos e c�lulas cancer�genas.

- Aumento da atividade de c�lulas T (c�lulas-chave do sistema imunol�gico, respons�veis por reconhecer e destruir c�lulas infectadas ou anormais).

- Propriedades antioxidantes (polissacar�deos e triterpenos, que podem ajudar a proteger as c�lulas imunol�gicas dos danos causados pelos radicais livres).

Aten��o para o uso

- Pacientes e profissionais de sa�de devem estar cientes antes de considerar o uso terap�utico de cogumelos no tratamento de doen�as mentais, depend�ncias qu�micas ou para melhorar o sistema imunol�gico , portanto as devidas precau��es devem ser tomadas, como:

- Consultar um m�dico
- Saber a proced�ncia
- Ficar atento �s quest�es legais

- Saber o hist�rico de sa�de mental
- Saber a dosagem adequada, a prepara��o e a integra��o
- Estar cientes dos riscos e efeitos colaterais

Como usar

- � determinada uma dosagem adequada de cogumelos para o tratamento e que pode variar de acordo com as diferentes condi��es de sa�de e hist�rico dos pacientes. Para isso, avalia-se o peso corporal, a sensibilidade � subst�ncia, o prop�sito de interven��o, as condi��es de sa�de, o hist�rico do paciente e os compostos ativos da subst�ncia.

- "Em minha experi�ncia profissional, a depress�o, o transtorno de estresse p�s-traum�tico (TEPT), a depend�ncia qu�mica (especialmente tabagismo), a ansiedade e seus derivados foram doen�as e transtornos de depend�ncia qu�mica que t�m mostrado resultados promissores com o uso terap�utico de cogumelos", afirma Fabiano Rodrigues.

- � importante destacar que os cientistas estudam e extraem subst�ncias dos cogumelos para a produ��o de um medicamento — estes, sim, s�o aprovados para fins medicinais. Ch�s e derivados ainda est�o em fase de estudos.

Palavra do especialista/ Raphael Boechat � psiquiatra e professor da Universidade de Bras�lia (UnB)

O uso de cogumelos � uma quest�o complexa e experimental?

Sim. � preciso ter cautela ao abordar o uso terap�utico de cogumelos. Embora esse tema esteja ganhando destaque, � importante n�o perder de vista os riscos associados ao consumo de cogumelos como alucin�genos. H� estudos sobre o uso da psilocibina para v�rias condi��es, desde dores de cabe�a at� quest�es neurol�gicas. � essencial abordar o tema com cuidado e evitar expectativas infundadas de ganhos milagrosos.

Qual � a rela��o entre o uso de cogumelos com prop�sitos alucin�genos ao longo do tempo e o desenvolvimento de quadros psic�ticos graves?

O uso de cogumelos com prop�sitos alucin�genos � uma pr�tica antiga, que remonta h� muitos anos. No entanto, � necess�rio compreender que algumas pessoas desenvolvem quadros psic�ticos graves, de dif�cil tratamento ou at� mesmo irrevers�veis, como a esquizofrenia.

Como a a��o colin�rgica da psilocibina, presente em certos cogumelos, se compara � a��o da esketamina, um medicamento recentemente aprovado para casos graves de depress�o?

A psilocibina, uma subst�ncia encontrada em certos cogumelos, possui uma a��o colin�rgica. Quando ingerida, pode levar a um quadro de del�rio colin�rgico, com alucina��es, altera��es na percep��o e sintomas de intoxica��o, como n�useas e v�mitos.

Qual � o papel da Anvisa na classifica��o e regulamenta��o de subst�ncias psicoativas e como isso pode afetar a sua classifica��o legal?

A classifica��o legal dessas subst�ncias pode variar de acordo com a legisla��o e as normas da Anvisa, que � respons�vel por regular e aprovar medicamentos psicotr�picos no Brasil. Existem subst�ncias que possuem efeitos psicoativos ou mentais, mas que n�o s�o consideradas drogas. Isso � um assunto bastante debatido, n�o apenas no Brasil. � poss�vel que alguns ch�s, como o ch� de cogumelo ou de outras subst�ncias psicoativas, possam se enquadrar nessa classifica��o e exigir cuidados extras por parte do consumidor. Algumas subst�ncias t�m uma aprova��o espec�fica para uso terap�utico pela Anvisa, ou seja, aqueles que atuam no c�rebro para tratar doen�as psiqui�tricas ou neurol�gicas. A esketamina � um exemplo desses derivados, que s�o opioides, e que possuem aprova��o para uso terap�utico.

Como a aprova��o da melatonina como suplemento alimentar nos Estados Unidos influenciou a sua importa��o para o Brasil, e qual a percep��o de subst�ncias que s�o consideradas drogas?

A melatonina � uma subst�ncia com a��o psicoativa que gera muita pol�mica. Nos Estados Unidos, essa subst�ncia � aprovada como suplemento alimentar, o que levava muitas pessoas a irem para l� e trazerem grandes quantidades de caixas para o Brasil, antes mesmo de sua aprova��o no pa�s, e que inclusive era vendida em farm�cia sem receita. Esse assunto gera discuss�es amplas que envolvem quest�es jur�dicas, e culturais, e existe uma diferen�a entre o que a justi�a considera como droga e o que o nosso corpo considera como droga, e esse exemplo dos cogumelos � bem claro. Ningu�m vai ser preso se tiver portando um cogumelo alucin�geno, mas vai ser preso se tiver portando maconha. Al�m disso, alguns tipos de cogumelos s�o muito mais delet�rios e t�m o risco de dar problemas muito mais graves, inclusive a morte.

 

*Estagi�ria sob a supervis�o de Sibele Negromonte