O tratamento atual com vitiligo depende da extens�o e localiza��o das manchas de despigmenta��o
Hosein Shirvani/Unsplash
M�nica Tarantino - UNESP
Na �ltima d�cada, a ci�ncia descobriu que as manifesta��es do vitiligo, uma doen�a cr�nica de origem autoimune, n�o se restringem � perda da pigmenta��o da pele e ao aparecimento de manchas brancas irregulares na superf�cie cut�nea. Uma s�rie de estudos tem mostrado que a condi��o pode causar tamb�m respostas inflamat�rias mais intensas, problemas oculares e perdas auditivas importantes. Al�m de motivar novos estudos, esses trabalho est�o levando a medicina a repensar a abordagem do vitiligo.
Em vez de uma doen�a autoimune de pele, como se acreditou por anos, a enfermidade passou a ser considerada um problema sist�mico com manifesta��es na pele e mucosas, mas que pode estar associado ao aparecimento de sinais e sintomas associados com altera��es neurol�gicas em diversas partes do corpo.
A contribui��o mais atual ao estudo do impacto ampliado do vitiligo veio de um time de pesquisadores brasileiros que investigou a associa��o entre a doen�a e um tipo espec�fico de perda auditiva com padr�es neurol�gicos (SNHL, sigla em ingl�s para Sensorineural hearing loss) em pessoas com o vitiligo n�o segmentar (quando as manchas s�o bilaterais e assim�tricas).
“J� era sabido que pessoas com vitiligo tinham maior chance de perda auditiva, mas as causas ainda precisam ser estudadas em profundidade. Demos um passo importante nessa dire��o”, disse a principal autora do estudo, a m�dica dermatologista Helena Marchioro, que � doutoranda no programa de p�s-gradua��o em Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB). “O estudo trouxe uma contribui��o valiosa ao mostrar que uma parte dos casos de perdas auditivas com padr�o neurol�gico em pessoas com vitiligo ocorre por causa de uma doen�a autoimune no ouvido interno”, avalia H�lio Amante Miot, coautor do estudo e professor adjunto de Dermatologia e Radioterapia da FMB.
Os dados e as conclus�es do trabalho foram compartilhados em uma carta enviada ao editor da revista Autoimmunity Reviews. A comunica��o, intitulada Prevalence of immune-mediated inner ear disease in non-segmental vitiligo: A cross-sectional study, foi publicada no in�cio deste ano.
O grupo liderado por Helena investigou uma amostra de 112 pacientes com idades entre 19 e 64 anos e diagn�stico de vitiligo n�o segmentar recrutados em ambulat�rio da Santa Casa de Miseric�rdia de Curitiba, no Paran�. Tamb�m participaram do trabalho 23 volunt�rios saud�veis que fizeram parte de um grupo controle. Todos foram submetidos a testes audiom�tricos e tamb�m a exames de sangue para rastrear a presen�a de um anticorpo, o anti-Hsp70, associado ao vitiligo e a outras doen�as autoimunes, a exemplo de uma condi��o imunomediada que acomete o ouvido interno.
Os dados obtidos levaram a descobertas surpreendentes. “Quase 40% dos pacientes com vitiligo apresentaram alguma altera��o auditiva neurossensorial bilateral, contra 18% no grupo sem a doen�a. � o dobro da frequ�ncia esperada na popula��o brasileira adulta”, observa a pesquisadora. Ao todo, 28 pacientes com vitiligo e mais uma pessoa do grupo controle apresentaram perdas com padr�o neurol�gico nos dois ouvidos. J� os exames de sangue indicaram a presen�a dos anticorpos anti-Hsp70 em 30 participantes do estudo, uma propor��o equivalente a 26,8% da popula��o estudada.
Riscos desconhecidos
O passo seguinte da pesquisa foi excluir os casos explic�veis por fatores de risco conhecidos para a patologia auditiva, como o envelhecimento, a exposi��o ao ru�do excessivo, uso de medicamentos otot�xicos, altera��es metab�licas como o diabetes mellitus, infec��es auriculares pr�vias, traumas e casos de perda unilaterais.
Feito isso, a equipe identificou 17 pessoas com SNHL de origem indeterminada (16,2%). E foi a� que os pesquisadores se viram diante de uma informa��o in�dita. Ao sobrepor as informa��es desses pacientes com perda auditiva com a positividade dos testes para o anticorpo anti-Hsp70, os pesquisadores viram que seis volunt�rios (5,4%) preenchiam todos os crit�rios diagn�sticos para a presen�a da doen�a imunomediada do ouvido interno (IMIED), considerada rara e de dif�cil diagn�stico. “A expectativa para a popula��o geral seria de 0,1%, ent�o esse foi um dado muito elevado”, diz Miot.
Ele explica que esses pacientes apresentam um perfil diferente da doen�a. “Eles s�o mais jovens, tiveram in�cio mais precoce da doen�a e apresentam uma quantidade maior de anticorpos”, diz. “Isso aponta a exist�ncia de um subgrupo de pacientes com perdas auditivas neurossensoriais e vitiligo, mas a liga��o entre as doen�as precisa ser investigada”, explica.
Uma das hip�teses dos pesquisadores para investiga��es futuras dessa perda auditiva associada com a doen�a imunomediada do ouvido interno � a presen�a de melan�citos (as c�lulas produtoras da melanina, o pigmento respons�vel pela colora��o da pele, cabelos e olhos) na c�clea, uma estrutura em forma de caracol que converte as vibra��es sonoras em impulsos el�tricos a serem interpretados pelo c�rebro. A c�clea tamb�m abriga as c�lulas ciliadas, que transmitem os est�mulos sonoros para o nervo auditivo. Na presen�a do vitiligo, por raz�es ainda n�o completamente compreendidas pela medicina, o sistema imunol�gico ataca os melan�citos.
Abordagem multidisciplinar
As conclus�es dos pesquisadores refor�am a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para tratar o paciente com vitiligo. “Queremos mudar o comportamento do dermatologista de olhar apenas para a pele dos pacientes com vitiligo, e que ele passe a avaliar poss�veis perdas neurol�gicas associadas � doen�a”, diz Helena Marchioro.
“Se houver perda com padr�o neurossensorial, a recomenda��o � que o profissional d� segmento para encontrar a causa e fa�a tamb�m o exame para identificar o anticorpo anti-Hsp70. Se for o caso de uma perda por doen�a imunomediada do ouvido interno, � poss�vel tratar e impedir que progrida para uma surdez", completa Helena Marchioro.
Tratamento atual
De acordo com os pesquisadores, o tratamento atual com vitiligo depende da extens�o e localiza��o das manchas de despigmenta��o. Alguns dos m�todos empregados envolvem o uso de medicamentos corticosteroides ou imunomodulares t�picos, fototerapia e uso subst�ncias para aumentar a sensibilidade da pele ao m�todo e tatuagem m�dica, entre outros.
“Por�m, em um paciente que tem vitiligo e diagn�stico de perdas auditivas por doen�a imunomediada, � preciso pensar tamb�m no uso de medicamentos imunossupressores”, diz Helena Marchioro. “A maior compreens�o dessas conex�es � fundamental para oferecer cuidados abrangentes que melhorem a qualidade de vida dos pacientes e reduzam os impactos das condi��es neurol�gicas associadas ao vitiligo.”
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