01/08/2023  Crédito: Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF. Ciência e Saúde. Benefícios da amamentação. Gláucia Porfíria e sua filha.

01/08/2023 Cr�dito: Carlos Vieira/CB/DA Press. Bras�lia, DF. Ci�ncia e Sa�de. Benef�cios da amamenta��o. Gl�ucia Porf�ria e sua filha.

(Carlos Vieira)

Agosto, o m�s do aleitamento materno, carrega a cor dourada para simbolizar o padr�o ouro desse alimento. M�e de duas filhas — Mariana, 2 anos, e Catarina, 8 meses —, Marcela Carneiro vivencia os frutos dessa preciosidade. "Al�m de ser nutritivo, � anticorpo, conforto, consolo e conex�o entre a m�e e a crian�a. Eu, particularmente, acho um momento gostoso de se viver", diz a arquiteta. A lista de benef�cios �, de fato, extensa — conforme a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), beb�s amamentados t�m menos propens�o a desenvolver sobrepeso e diabetes mais tarde na vida, por exemplo — e n�o para de ganhar refor�os: pesquisas cient�ficas revelam novos benef�cios desse superalimento regularmente.

Divulgado no �ltimo dia 28 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), um estudo da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, mostra que uma mol�cula de a��car presente no leite materno humano pode ser essencial para a sa�de do c�rebro de rec�m-nascidos. Os cientistas descobriram que o micronutriente mio-inositol est� mais presente no leite durante os primeiros meses de lacta��o, justamente o per�odo em que as conex�es neurais est�o se formando de maneira r�pida no c�rebro do beb�.

Testes mostraram que o mio-inositol aumentou tanto o tamanho quanto o n�mero de conex�es sin�pticas entre neur�nios em desenvolvimento, indicando uma maior conectividade neural. "A maioria das conex�es no c�rebro humano se forma nos primeiros meses ap�s o nascimento. Nossos resultados mostram que a mol�cula apoia esse desenvolvimento", conta Thomas Biederer, autor principal do estudo e pesquisador s�nior da universidade americana.

Vanessa Macedo, pediatra do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, sublinha que o leite materno tem elementos capazes de modular e estimular o desenvolvimento cognitivo de beb�s. "Essas subst�ncias n�o podem ser encontradas em f�rmulas infantis. Os estudos mostram que nen�ns amamentados t�m QI (quociente de intelig�ncia) mais elevado na vida adulta.A especialista tamb�m destaca que, quando n�o � poss�vel que a crian�a seja amamentada pela m�e, uma boa estrat�gia � recorrer aos bancos de leite. "O leite materno doado e pasteurizado pode ajudar a garantir alguns benef�cios imunol�gicos", diz.

Mortalidade

A curto prazo, alimentar-se com do leite materno � vital, mostra um grande trabalho divulgado, em julho, na revista American Journal of Preventive Medicine. O estudo com dados de quase 10 milh�es de crian�as mostra que os rec�m-nascidos amamentados t�m 33% menos probabilidade de morrer durante o per�odo p�s-perinatal, que vai do s�timo at� o 364º dia de vida.

O ensaio, liderado por Julie Ware, pesquisadora do Cincinnati Children's Center for Breastfeeding Medicine, um centro voltado � sa�de materno-infantil nos Estados Unidos, analisou informa��es referentes ao primeiro ano de vida de crian�as colhidas entre 2016 e 2018. Segundo Ware, uma das causas de morte minimizadas pelo aleitamento � a s�ndrome da morte s�bita infantil (SMSI). "Foram constatadas uma redu��o de at� 40% com qualquer amamenta��o por pelo menos dois meses e uma diminui��o de at� 60% se o aleitamento continuar por quatro meses ou mais", detalha.

Ware conta que muitas infec��es tamb�m podem ser reduzidas. "O leite humano est� repleto de mol�culas protetoras e confere prote��o significativa ao beb�. � muito importante incluir a promo��o, a prote��o e o apoio � amamenta��o em nossos esfor�os de redu��o da mortalidade infantil. Essa � a base de uma boa sa�de ao longo da vida", defende.

Rossiclei Pinheiro, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), narra que a amamenta��o � a principal forma de combate � desnutri��o e � mortalidade infantil. Por isso, deve estar entre as prioridades dos agentes p�blicos. "� uma estrat�gia de sa�de p�blica que, sozinha, pode diminuir a quantidade de mortes por causas evit�veis. O leite � rico em imunoglobulinas, anticorpos e v�rias prote�nas, lip�deos e carboidratos adequados para a nutri��o do rec�m-nascido", lista. 

O trabalho de cientistas tamb�m ajuda a fortalecer a import�ncia desse alimento, diz Biederer, que constatou com os colegas os benef�cios cerebrais para os rec�m-nascidos. "Nossos resultados fazem parte de um conjunto de trabalhos que deixam claro que o leite humano � complexo e tem muitos benef�cios. Estamos apenas come�ando a compreend�-los. Esperan�osamente, esperamos que o estudo apoie iniciativas que auxiliem as m�es a terem mais oportunidades para amamentar", diz o pesquisador da Universidade de Tufts.

Gl�ucia Porf�ria Andrade, 21 anos, faz quest�o, mesmo com as dificuldades, de amamentar a filha Manuela, de quatro meses. A estudante de jornalismo descreve que o in�cio do aleitamento foi um grande desafio. "Na primeira semana, quase desisti. Fiquei dois dias com o coletor nos seios, n�o conseguia nem mesmo usar bombinha. Dormia com o coletor para poder tirar leite e dar para ela na mamadeira. N�o conseguia amamentar, o peito do�a muito." Os planos s�o de seguir com o aleitamento at� os 12 meses. "� de extrema import�ncia para a conex�o da m�e e do beb�, s� que � muito desgastante, exaustivo. Acredito que uma m�e n�o se torna menos m�e por n�o conseguir." 

Riscos do desmame precoce

O per�odo em que a crian�a recebe exclusivamente o leite materno e os desdobramentos a longo prazo de adotar ou n�o essa pr�tica tamb�m � alvo de estudos cient�ficos. Um artigo das universidades de Uppsala e de Sophiahemmet, na Su�cia, e divulgado, neste ano, na revista International Breastfeeding Journal mostra que, quanto mais cedo os beb�s come�am a provar outros alimentos, mais rapidamente eles param de mamar.

A Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) n�o recomenda a introdu��o alimentar antes dos seis meses de vida do beb�. Durante o ensaio, por�m, os estudiosos constataram que 48% das crian�as avaliadas receberam degusta��o de comida aos quatro meses. O grupo, orientado por Eva-Lotta Funkquist, professora de Uppsala, avaliou informa��es fornecidas por m�es de mais de 1.200 crian�as.

Conforme o artigo, quanto mais cedo os beb�s ingeriram pequenas quantidades de comida, mais rapidamente passaram a comer grandes por��es, o que levou a um fim precoce da amamenta��o. Funkquist explica que o paladar dos pequenos muda quando conhecem outros sabores. "Geralmente, � tentador para a crian�a comer alimentos que contenham mais calorias", diz. 

 

Rossiclei Pinheiro, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), refor�a que o desmame precoce traz riscos � sa�de do beb�: "A introdu��o alimentar deve ser oportuna e ap�s seis meses de vida. Se a m�e precisar se ausentar antes, deve ser orientada a retirar e conservar o pr�prio leite", aconselha. Mesmo ap�s a introdu��o alimentar, � recomendado que a crian�a continue a ser amamentada. Conforme a OMS, o aleitamento materno deve ir at� os 2 anos de idade ou mais.

Sabrina Rodrigues, m�e da Helena, 9 anos, e da Vit�ria, 2 anos, conhece bem as vantagens da amamenta��o prolongada. A mais velha recebeu leite materno at� os 4 anos e 2 meses, e a vontade da empres�ria � que a ca�ula mame at� os 3 anos. "� natural, normal, saud�vel, aumenta o elo e o v�nculo entre m�e e filho. A crian�a tem maior imunidade contra doen�as e se recupera melhor quando adoece. � um momento nosso, de olho no olho. Muita gente julga a amamenta��o prolongada, eu n�o me importo. Fa�o por minha filha o que ningu�m mais pode", diz.

Segundo Vanessa Macedo, pediatra do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, os benef�cios se mant�m com o passar do tempo. "Ainda tem muitas coisas boas. Ajuda, por exemplo, na parte imunol�gica, supre necessidade de vitaminas. Ent�o, manter a amamenta��o o maior tempo poss�vel ainda tem muito benef�cio." 

Mulheres protegidas contra o diabetes

 A prote��o contra o c�ncer de mama e ov�rio em decorr�ncia da amamenta��o � bem evidenciada cientificamente. E parece n�o ser o �nico benef�cio. Um estudo apresentado, em junho, no encontro anual da Sociedade de Endocrinologia dos Estados Unidos revela uma associa��o com a melhora, no p�ncrea, no n�mero de c�lulas produtoras de insulina e com um aumento a sensibilidade � insulina nas m�es — fatores que evitam a ocorr�ncia do diabetes tipo 2.

Para o trabalho, a equipe orientada por Julie Hens, pesquisadora da Universidade de Yale em New Haven, nos EUA, estudou camundongos que deram � luz filhotes e os dividiram em dois grupos: que amamentou ou n�o. Ao comparar os grupos, cientistas descobriram que camundongos n�o lactantes tiveram aumento em um tipo de gordura semelhante � gordura visceral em humanos e conhecida por elevar o risco para o diabetes. Essas cobaias tamb�m apresentaram menos c�lulas produtoras de insulina no p�ncreas. Segundo os pesquisadores, isso significa que o corpo tem menos reserva de insulina, o que leva a maiores chances de desenvolvimento da doen�a metab�lica.

Julie Hens conta que existem evid�ncias circunstanciais mostrando que mulheres que amamentam t�m um risco reduzido para doen�as metab�licas e cardiovasculares. Ela e sua equipe pretendem continuar investigando o tema. "Estamos planejando examinar o p�ncreas e outros �rg�os com mais detalhes para entender melhor o que encontramos."

Conforme Jo�o Lindolfo Borges, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia no Distrito Federal, os efeitos da amamenta��o na preven��o do diabetes podem ser atribu�dos a v�rios fatores. "Ela � associada a uma redu��o da perda de peso p�s-parto e tamb�m tem sido ligada a uma menor preval�ncia de s�ndrome metab�lica, que � um conjunto de condi��es que aumentam as chances de diabetes tipo 2, entre outras quest�es."