O uso da semaglutida na dosagem 2,4 mg (Wegovy) para tratar pacientes com sobrepeso ou obesidade reduziu em 20% o risco de eventos cardiovasculares graves
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O uso da semaglutida na dosagem 2,4 mg (Wegovy) para tratar pacientes com sobrepeso ou obesidade reduziu em 20% o risco de eventos cardiovasculares graves – como infarto, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e morte – em compara��o �s pessoas que usaram placebo. O benef�cio da medica��o foi constatado em estudo multic�ntrico (Select) envolvendo mais de 17 mil adultos diagnosticados com doen�a cardiovascular. Os resultados foram recebidos com entusiasmo pelos endocrinologistas, que afirmam que estamos entrando em uma “nova era” do tratamento da obesidade. Mas, os m�dicos ressaltam que o medicamento deve ser usado somente com indica��o m�dica, j� que pode trazer efeitos colaterais importantes se usado sem acompanhamento.
“Esse resultado � hist�rico. Este � o primeiro estudo que mostra que se tratarmos a obesidade com medicamento, diminu�mos desfechos cardiovasculares graves e mortalidade. At� ent�o existia muito preconceito com o tratamento da obesidade porque ainda existe muito charlatanismo, muitas terapias alternativas, muitas promessas vindas de um com�rcio grande por tr�s. Mas a medicina s�ria, que trata a obesidade como doen�a, agora tem ferramentas e medicamentos para serem usados e a semaglutida � o primeiro medicamento que mostra esse benef�cio de redu��o de desfechos cardiovasculares”, afirmou o endocrinologista Clayton Macedo, que coordena o N�cleo de Endocrinologia do Exerc�cio e do Esporte do Hospital Israelita Albert Einstein e do ambulat�rio de Endocrinologia do Esporte da Unifesp.
O SELECT foi um estudo duplo cego, realizado em 41 pa�ses (inclusive no Brasil) e que envolveu 800 centros de pesquisa. Ao todo, participaram 17.604 mil adultos com mais de 45 anos, com sobrepeso ou obesidade e doen�a cardiovascular estabelecida – mas sem hist�rico de diabetes. Os pesquisadores compararam a aplica��o subcut�nea de semaglutida 2,4 mg uma vez por semana com placebo como adjuvante no tratamento padr�o para a preven��o de eventos cardiovasculares adversos graves, por at� cinco anos. Ap�s esse per�odo, constataram a redu��o de 20% nesses desfechos graves.
Clayton Macedo, endocrinologista: "Esse benef�cio de redu��o de risco cardiovascular em 20% vai mudar a hist�ria natural do tratamento da obesidade"
“As pessoas que vivem com obesidade t�m um risco cardiovascular aumentado mas, at� o momento, n�o havia medicamentos aprovados para controle do peso que fossem eficazes para a perda de peso ao mesmo tempo em que reduzem o risco de um ataque card�aco, um AVC ou uma morte por evento cardiovascular. Portanto, estamos muito entusiasmados com os resultados do SELECT”, disse Martin Holst Lange, vice-presidente executivo de Desenvolvimento da Novo Nordisk, em nota sobre o an�ncio global.
O endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Abeso (Associa��o Brasileira para Estudo da Obesidade e S�ndrome Metab�lica), destacou os resultados do estudo em um v�deo postado nas suas redes sociais “Por muitos anos o tratamento medicamentoso da obesidade foi criticado e visto como perigoso. Esse resultado � importante para entendermos que tratar a obesidade � seguro e protege contra eventos cardiovasculares. O tratamento entra numa nova era de n�o somente reduzir peso, mas tamb�m diminuir risco de desfechos de sa�de extremamente relevantes”, afirmou.
Segundo Macedo, estudos mostram que atualmente menos de 3% dos pacientes com obesidade s�o tratados com medicamentos – um n�mero bem diferente dos quase 90% pacientes diagnosticados com diabetes, que s�o tratados com rem�dios. “Esse benef�cio de redu��o de risco cardiovascular em 20% vai mudar a hist�ria natural do tratamento da obesidade. � dif�cil dizer se o benef�cio ocorreu somente pela perda de peso ou se foi efeito do medicamento em si. Mas a redu��o de peso � algo important�ssimo e esse � o foco”, afirmou o especialista.
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Para o endocrinologista Marcio Mancini, chefe do Grupo de Obesidade do Hospital das Cl�nicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (USP) e vice-presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), os resultados do estudo SELECT contribuem para uma mudan�a na pr�tica cl�nica de olharmos o tratamento da obesidade como algo que realmente pode beneficiar clinicamente o paciente com sobrepeso ou obesidade – que s�o pessoas com risco aumentado de doen�as cardiovasculares.
“Isso � algo que o m�dico especialista j� enxerga, mas ainda existem muitos profissionais que veem o tratamento da obesidade como algo est�tico ou que poderia ser feito somente com mudan�as de estilo de vida, como se a obesidade fosse uma escolha pessoal. O estudo mostra que a obesidade � uma doen�a e n�o uma escolha do paciente”, frisou Mancini.
Na opini�o de Macedo, os resultados do SELECT poderiam servir de base para orientar pol�ticas de sa�de p�blica voltadas para o tratamento da obesidade, que � uma doen�a cr�nica, multifatorial, recidivante e progressiva – por isso exige tratamento a longo prazo. “� preciso mudar essa vis�o estigmatizada do tratamento da obesidade e esse estudo talvez mude a vis�o dos �rg�os gestores para oferecer � popula��o acesso a um tratamento mais efetivo, que al�m da perda de peso com efic�cia e seguran�a, tamb�m tem esse benef�cio de redu��o de morbidade e mortalidade cardiovascular”, disse.
J� Mancini, do HC, pondera que essa avalia��o custo-benef�cio deve ser feita para o Sistema �nico de Sa�de (SUS), mas talvez seja impratic�vel ofertar essa medica��o na rede p�blica por causa do seu alto custo mensal (estima-se que v� custar em torno de R$ 2.500 por m�s). “Temos uma popula��o de cerca de 40 milh�es de pessoas com sobrepeso ou obesidade. � muito mais fact�vel o SUS passar a oferecer a sibutramina, que custa 20 vezes menos, e pode ser usada por pacientes sem risco cardiovascular, do que oferecer a semaglutida”, disse.
Os especialistas ressaltam que existe uma preocupa��o grande da classe m�dica, do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) sobre o uso da semaglutida de forma indiscriminada por pessoas que �s vezes querem emagrecer poucos quilos, n�o tem nem sobrepeso nem obesidade, e acabam usando o rem�dio por conta pr�pria e tendo efeitos colaterais consider�veis.
“Os pacientes acompanhados nos estudos da semaglutida tinham sobrepeso ou obesidade e pesavam entre 100 quilos e 110 quilos. Quando uma pessoa de 60 quilos, por exemplo, quer emagrecer poucos quilos usando a medica��o por conta pr�pria, evidentemente que ela vai se expor a efeitos colaterais que, �s vezes, n�o foram documentados no estudo cl�nico com as pessoas que tinham a obesidade de fato ou o peso aumentado. Esse � um problema que n�o existe s� no Brasil, a automedica��o � um problema do mundo todo”, disse Mancini.
A Novo Nordisk informou que pretende solicitar aprova��es regulat�rias para expans�o da indica��o de r�tulo da semaglutida 2,4 mg (Wegovy) nos Estados Unidos e na Uni�o Europeia ainda em 2023. No Brasil, o Wegovy foi aprovado pela Anvisa em janeiro, mas ainda n�o h� previs�o de in�cio da comercializa��o nas farm�cias – por enquanto, os endocrinologistas prescrevem o uso da semaglutida 1 mg (Ozempic), que � a mesma medica��o, mas aprovada para tratamento de diabetes em dosagens menores. O pedido de expans�o da bula deve acontecer aqui tamb�m, mas ainda sem data estimada.
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