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Estado de Minas HIST�RIA

Ex-atacante do Galo relembra a saga da conquista do t�tulo 'Campe�o do Gelo

Setenta anos depois, o jogador Vav� fala das aventuras e dificuldades vividas pela equipe do Atl�tico no torneio europeu de 1950, imortalizado no hino do clube


18/12/2020 04:00 - atualizado 26/12/2020 21:00

Vavá guarda em sua casa várias recordações do torneio, disputado na Europa na década de 1950(foto: Ivan Drummond/EM/D.A Press)
Vav� guarda em sua casa v�rias recorda��es do torneio, disputado na Europa na d�cada de 1950 (foto: Ivan Drummond/EM/D.A Press)
Uma aventura aos 19 anos. Hoje, aos 89, Walter Jos� Pereira, o Vav�, ainda carrega aquela viagem dos anos 1950 na mem�ria e no cora��o. O Atl�tico se tornaria o primeiro time profissional de Minas – e um dos primeiros do Brasil – a excursionar pela Europa, com jogos na Alemanha, �ustria e Fran�a. E a campanha no inverno europeu, repleta de hist�rias rocambolescas e precariedade (mas tamb�m encantamento), acabou batizada pela cr�nica esportiva e popularizada como “Campe�o do Gelo”. Terminou com os jogadores recebidos em festa na segunda quinzena de dezembro em Belo Horizonte.
 
Vav� � o �nico remanescente daquela equipe. Ali�s, a hist�ria come�ou, segundo ele, por conta do interesse dos alem�es, em especial, no aprimoramento de seu futebol. A t�o decantada arte sul-americana, de jogadores brasileiros, argentinos e uruguaios, j� existia e o fato de o Brasil sediar a Copa do Mundo, agu�ou, ainda mais, o interesse europeu. E por esse motivo que surgiu o convite para o Atl�tico viajar � Europa.
 
 
Uma comiss�o de alem�es, comandada pelo ent�o jornalista, empres�rio e dirigente do Hamburgo, Eld Kaltenecker, veio para a Am�rica do Sul dois meses antes da Copa do Mundo. Segundo Vav�, com objetivo de aprimorar a modalidade na Alemanha. “O interesse n�o era s� o futebol brasileiro, pois eles foram tamb�m � Argentina e ao Uruguai, mas encontraram no nosso pa�s uma melhor organiza��o do esporte. O objetivo era iniciar um interc�mbio, o que posteriormente se confirmou.”
 
Por que esse interesse? Vav� diz que esse grupo considerava o futebol europeu muito incipiente. No Brasil, o interesse inicial era o eixo Rio-S�o Paulo. “E por que o Atl�tico foi o escolhido? Observaram Palmeiras e Corinthians. Era a op��o inicial. No Rio, Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Mas um jornalista, Canor Sim�es Coelho, que era o embaixador do futebol mineiro junto � extinta CBD (Confedera��o Brasileira de Futebol), sugeriu que viessem a Belo Horizonte. Indicou o Atl�tico. Eles vieram e viram um time bom, com jogadores de n�vel. E que sempre endureceu jogos contra equipes de Rio e S�o Paulo. E escolheram nosso time.” 
Em Viena, antes do jogo contra o Rapid, Vavá encontrou tempo para brincar e dar autógrafos para as crianças
Em Viena, antes do jogo contra o Rapid, Vav� encontrou tempo para brincar e dar aut�grafos para as crian�as

O projeto dos alem�es n�o se baseava apenas em uma equipe. Depois do Galo, viajaram para l� S�o Paulo e Bangu. “O Atl�tico abriu as portas para o futebol brasileiro na Europa”, afirma Vav�, um dos 19 'her�is do gelo'. A assinatura do contrato para a excurs�o ocorreu em 14 de julho de 1950, exatamente dois dias antes da final entre Brasil e Uruguai pela Copa do Mundo, no Maracan�, com surpreendente vit�ria uruguaia.

A dura viagem e muitas hist�rias

No fim de outubro, o Galo seguiria viagem, numa rota que durou mais de dois dias, de Belo Horizonte a Munique, onde ocorreria o primeiro jogo. BH-Rio-Recife-Dakar-Lisboa-Zurique-Frankfurt-Munique era o roteiro.
 
Vav� avalia que, por ser jovem, n�o sentiu o peso das quase 29 horas no ar, mas hoje qualifica como uma verdadeira aventura. “Sa�mos de BH para o Rio. Esse voo foi � tarde. Mas havia um detalhe que hoje seria considerado um absurdo. Jogamos contra o Cruzeiro na v�spera. Ganhamos por 2 a 1. Est�vamos cansados. Mas est�vamos indo para a Europa, jogar l�. N�o havia nada mais inspirador.”
Momento em que Vavá chegava ao aeroporto da Pampulha para iniciar a viagem rumo à Europa
Momento em que Vav� chegava ao aeroporto da Pampulha para iniciar a viagem rumo � Europa

No dia seguinte, depois do caf� no Rio, a ida para o Aeroporto de Santos Dumont. “Entramos num avi�o da Scandinavian Airline System. Era um quadrimotor. Seria a nossa casa nos dois dias seguintes. Embarcamos para Recife. L�, paramos para almo�ar e depois voltamos ao avi�o”. Dali para Dakar.
 
“O calor era insuport�vel. Jamais hav�amos sentido algo assim, perto daquilo. Devia estar uns 40 graus. O Oswaldo, que era um gozador, tentou conversar com algumas pessoas, e depois disse: 'Eles s�o mais inteligentes que a gente, pois falam franc�s'. Foi gargalhada geral”.
 

"Era uma farra"

De Dakar para Lisboa. Cansados? Nada. “Era uma farra. Nem sentimos”. Da capital de Portugal para Zurique, na Su��a. Um passeio pelas lojas do aeroporto e logo um incidente. “O pessoal come�ou a pegar pacotes de balas aos montes, coisa que n�o tinha no Brasil, e punha nas sacolas. Os funcion�rios perceberam e, quando fomos sair, cada um com um saquinho apenas para pagar, veio uma surpresa. Um funcion�rio disse que ia dar uma cortesia e o presente foram as balas”.
O mapa e as anotações ajudam a relembrar os 70 anos da conquista dos torneios do Campeão do Gelo
O mapa e as anota��es ajudam a relembrar os 70 anos da conquista dos torneios do Campe�o do Gelo

E de Zurique para Frankfurt, na Alemanha, e dali para Munique. A alegria de chegar contrastou com o medo, o frio. “N�o t�nhamos levado blusas de frio para enfrentar aquilo tudo. Era muito frio. Tinha neve, coisa que a gente nunca tinha visto, s� ouvido falar e visto em revista. Mas l� est�vamos n�s, na neve. O que fazer? O jeito foi comprar roupas. Blusas, luvas, gorros, camisa de manga comprida, estola, camisetas de malha para vestir por baixo das camisas. Foi essa a solu��o. Nem passamos direito no hotel. Deixamos a bagagem e fomos para uma loja”, relembra Vav�.
 

Come�am os jogos

No dia seguinte � chegada a Munique, em 1º de novembro, o primeiro jogo. O advers�rio, Munique 1860. Vav� conta que o time sentiu o frio. “Ganh�vamos por 4 a 1 e eles marcaram dois no segundo tempo. A gente parecia duro dentro de campo. Mas, enfim, ganhamos por 4 a 3, uma bela carta de apresenta��o”. A segunda partida, tr�s dias depois. O advers�rio era mais forte, o Hamburgo. Goleada alvinegra. “Foi um de nossos melhores jogos. Ganhamos por 4 a 0. Goleada. Demos um show de bola. N�o demos qualquer chance a eles. Dominamos do in�cio ao fim”.

Mas se houve uma folga do primeiro para o segundo jogo, para o terceiro, n�o. Um dia depois, a viagem a Bremen, onde o time chegou na hora do almo�o e foi direto para o est�dio, onde enfrentaria o Werden Bremen. O resultado, a primeira derrota: 3 a 1. “Era um domingo. Jogamos contra o Hamburgo no s�bado. O jogo tinha sido desgastante. Corremos muito. Acordamos cedo para viajar. O time estava cansado. Ainda houve um outro problema, pois tinha nevado. O campo virou um verdadeiro lama�al. Kafunga chegou a ficar preso no barro num dos gols”, descreve Vav�.

A CAMPANHA DO GELO

  • 10 jogos

  • 6 vit�rias

  • 2 empates

  • 2 derrotas

Em meio � viagem, nos jantares, havia discursos formais de dirigentes, traduzidos pela ent�o campe� brasileira de lan�amento de dardos, Teodora Breickport, que seguira com a delega��o. Faltava alegria, segundo Vav�. O goleiro Kafunga mudaria aquilo tudo. “Ele chamou a tradutora e disse a ela apenas para repetir 'A Alemanha � o melhor pa�s do mundo'. Virou o orador da excurs�o. Era aplaudido efusivamente”.
 
O Galo s� voltaria a campo em 12 de novembro, em Gelsenkirchen, contra o Schalke 04. “Foi bom, pois deu pra treinar e passear. Foi como recarregar as baterias”, conta Vav�. O resultado, 3 a 1 para o Atl�tico. Nova folga, agora de tr�s dias. Mas outra maratona esperava pelos jogadores. “O jogo seria em Viena, na �ustria. Fomos de trem. Havia um vag�o s� para o Atl�tico. Era pra ser uma viagem tranquila, mas acabou virando um mart�rio”, conta Vav�.
 
Os dois goleiros, Kafunga e M�o de On�a, resolveram dar uma volta pelo trem. “Houve uma parada e desengataram um vag�o, justamente onde os dois estavam. Quando chegamos a Viena, cad� Kafunga e M�o de On�a?”. Horas e horas de espera, e nada. “N�o t�nhamos goleiro. Seria um vexame. Na hora de entrar em campo, os dois apareceram esbaforidos, colocaram o uniforme”. O resultado, por�m, foi negativo: 3 a 0 para os austr�acos.

O TIME DO ATL�TICO DE 1950


GOLEIROS
Kafunga
M�o de On�a

DEFENSORES
Moreno
Afonso
Oswaldo
Juca
Vicente Perez

MEIO-CAMPISTAS
Z� do Monte
Barbatana
M�rcio
Haroldo

ATACANTES
Lucas Miranda
Lauro
Zezinho
Alvinho
N�vio
Vav�
Murilinho
Vaguinho

T�CNICO
Ricardo Diez

O sexto jogo, dia 20 de novembro, contra o desconhecido Sarrebr�ck, numa regi�o entre a Fran�a e a Alemanha. Segundo Vav�, uma mistura de jogadores alem�es, austr�acos e franceses: 2 a 0 para o Atl�tico. Dali para Bruxelas, na B�lgica. O advers�rio, o forte Anderlecht. Pela primeira vez, um jogo � noite na excurs�o. Um detalhe chamou a aten��o de Vav�, o centroavante advers�rio. “Era caolho. Ficava fustigando o Kafunga. Juca era esquentadinho e numa bola alta, ele foi com um p� na bola e outro na cara do sujeito. O rival caiu apagado, teve de ir para o hospital”. No placar, triunfo por 2 a 1.
 
O oitavo jogo leva o Atl�tico de volta � Alemanha, para Braunschweig, contra o Eintracht. Vit�ria por 3 a 1. Ali, os jogadores, segundo Vav�, j� sentiam saudade de casa. O s�timo compromisso, contra a Sele��o de Luxemburgo, em 5 de dezembro: 3 a 3. “O time j� estava cansado”, conta.
 
O Atl�tico viaja ent�o para Paris. Seria o �ltimo jogo, ainda que Eld Kaltenecker quisesse estender a excurs�o, mas se desentenderia com a diretoria atleticana pelas condi��es adversas de viagem, com comida escassa, quartos sem aquecimento e falta de acerto financeiro. “Chegamos e fomos para o hotel. O Ricardo Diez (t�cnico) era cheio de precau��es. Reuniu todos e disparou: 'Vou avisar uma vez s�. Essa � uma cidade muito perigosa. N�o quero que saiam sozinho e nem sem avisar. Tenho de saber onde est�o indo'”.
 
O jogo era contra o Stade de Francais (o hoje Paris Saint Germain). L� ocorreria uma situa��o dram�tica no 2 a 1 para o Galo. “Estava muito frio e o Barbatana teve hipotermia. Desmaiou em campo. Teve de ser levado para o hospital. A gente jogando e sem saber o que tinha acontecido com ele. Foi preciso coloc�-lo numa banheira de �gua quente para recobrar os sentidos”.
 
Se dependesse de Kaltenecker, o Atl�tico ainda jogaria na Inglaterra (Arsenal) e It�lia (Milan). “A gente queria voltar. Fizemos uma esp�cie de greve. Dissemos que n�o jogar�amos mais”. O grupo venceu, mas s� viabilizou o retorno com apoio do governo de Minas, que pagou as passagens de volta, e apoio da embaixada brasileira em Paris.
 
O elenco teve de ser dividido. Foi chegando aos poucos, se concentrando no Rio de Janeiro, at� que, em 18 de dezembro, todo o grupo chegou a Belo Horizonte. Desembarcou na Pampulha com direito a festa e desfile em caminh�o do Corpo de Bombeiros. “A gente n�o tinha a dimens�o do significado da excurs�o. O jornal dizia que os 'campe�es do gelo' estavam voltando. Sa�mos do aeroporto e a Avenida Ant�nio Carlos estava lotada. Gente de um lado e do outro. Fomos at� o Pal�cio da Liberdade. Fomos recebidos pelo governador Milton Campos. Aquilo foi o m�ximo, ainda mais pra mim, que tinha apenas 19 anos”.
 
Mas a maratona n�o acabava ali. Dois dias depois, o time j� estava novamente treinando para a fase final do Campeonato Mineiro de 1950. No dia 31 de dezembro, jogo com o Am�rica. O Galo ganhou por 6 a 2. Vav� fez tr�s gols. Em 7 de janeiro de 1951, derrota para o Villa Nova, 3 a 1, mas bastava vencer o Sete de Setembro para levantar o trof�u. E uma goleada por 8 a 2 selou o bicampeonato.

TODOS OS JOGOS

Munique 1860 3 x 4 Atl�tico
Gols: Lucas (2), Lauro e Vaguinho
P�blico: 30 mil

Hamburgo SV 0 x 4 Atl�tico
Gols: Lucas, N�vio (2) e Alvinho
P�blico: 20 mil

Werden Bremen 3 x 1 Atl�tico
Gol: Lucas
P�blico: 26 mil

Schalke 04 1 x 3 Atl�tico
Gols: Vaguinho (2) e Lucas
P�blico: 30 mil

Rapid Viena 3 x 0 Atl�tico
P�bico: 60 mil

Sarrebr�ck 0 x 2 Atl�tico
Gols: N�vio (2)
P�blico: 16 mil

Anderlecht 1 x 2 Atl�tico
Gols: Vaguinho e Alvinho
P�blico: 35 mil

Eintracht Braunschweig 3 x 3 Atl�tico
Gols: Vaguinho, Alvinho e Murilinho
P�blico: 30 mil

Union Luxembourg 3 x 3 Atl�tico
Gols: Vaguinho, Lauro e N�vio
P�blico: 1.800

Stade Fran�ais 1 x 2 Atl�tico
Gols: N�vio e Lucas
P�blico: 40 mil

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