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Estado de Minas DESIGUALDADE SOCIAL

Copa do Mundo 2022: como � a pobreza no multimilion�rio Catar

Pequeno pa�s ficou conhecido como um dos mais ricos do mundo, mas pouco se fala sobre a pobreza que afeta os estrangeiros que l� vivem, 90% da popula��o.


26/11/2022 08:16 - atualizado 26/11/2022 17:02


Um trabalhador de Bangladesh descansa na cama em um campo de trabalho privado no Catar
Pobreza afeta trabalhadores estrangeiros no Catar (foto: AFP via Getty Images)

O Catar, que sedia o Mundial de 2022, se tornou conhecido como um dos pa�ses mais ricos do mundo, mas pouco se fala sobre a pobreza nessa pequena na��o do Oriente M�dio. Esta � experimentada por parte dos estrangeiros, que s�o 90% de sua popula��o.

 

Em 1971, quando ganhou independ�ncia do Reino Unido, o Catar tinha um PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e servi�os de um pa�s) de cerca de US$ 400 milh�es. Hoje, sua economia gira em torno de US$ 180 bilh�es, ou seja, um aumento de 45.000%.

 

Isso se deveu, principalmente, pela descoberta do petr�leo e g�s natural — juntas, essas duas mat�rias-primas respondem por mais da metade das receitas do pa�s.

 

Com tanto dinheiro, a pequena na��o atraiu um n�mero extraordin�rio de migrantes e p�de investir maci�amente em infra-estrutura, com constru��es suntuosas em meio ao clima des�rtico.Tamb�m praticamente "eliminou" a pobreza — pelo menos, conforme as estat�sticas oficiais.

 

Mas, na verdade, esses dados mascaram um problema profundo na sociedade catariana. O Catar tem hoje cerca de 3 milh�es de habitantes. Mas, desse total, apenas 350 mil (cerca de 10% da popula��o) s�o catarianos — o restante � estrangeiro.

 

No entanto, nativos e estrangeiros que vivem no Catar n�o s�o tratados da mesma forma aos olhos do Estado. Quem � cidad�o do pa�s tem direito a uma s�rie de benef�cios sociais, como acesso gratuito ao sistema de sa�de, aux�lio-moradia e aux�lio-transporte.

 

N�o � de se surpreender, portanto, que nesse grupo n�o haja pobres.

E, como as estat�sticas oficiais s�o normalmente baseadas apenas na renda dos catarianos, a imagem de um pa�s livre da pobreza percorreu o mundo.

Mas essa � apenas uma ilus�o.


Logo da Copa do Mundo no Catar
Alega��es de condi��es de trabalho prec�rias se multiplicaram durante constru��o de infraestrutura para Copa do Mundo no Catar (foto: Reuters)

Os estrangeiros, que compreendem a imensa maioria da popula��o, muitos dos quais de Bangladesh, �ndia, Nepal e Paquist�o, vivem outra realidade.

Esses migrantes, que deixaram seus pa�ses de origem para escapar da pobreza e alcan�ar estabilidade financeira para si e suas fam�lias, t�m que aceitar sal�rios muito mais baixos, al�m de condi��es de trabalho prec�rias.

Milhares de trabalhadores estrangeiros morreram, por exemplo, na constru��o dos est�dios e da infraestrutura desde que o pa�s foi escolhido para sediar a Copa do Mundo.

Tratamento desigual

Para se ter uma ideia, um trabalhador migrante da �rea de constru��o ganha cerca de US$ 2 mil anuais. J� os cidad�os do Catar t�m um sal�rio m�dio de cerca de US$ 700 mil por ano.

 

Perante a lei, os estrangeiros tampouco s�o tratados de forma igual aos nativos. At� bem pouco tempo, vigorava o kafala (sistema de patroc�nio, em �rabe) pelo qual os trabalhadores migrantes n�o podiam deixar o pa�s ou mudar de emprego sem a permiss�o do empregador.

 

Se eles mudassem de emprego sem essa autoriza��o, enfrentavam acusa��es criminais por "fuga", o que podia levar � pris�o, deten��o e deporta��o.

 

Empregadores do Catar tamb�m eram conhecidos por confiscar os passaportes dos empregados, mantendo-os no pa�s indefinidamente e gerando muitas alega��es de trabalho for�ado.

 

Em dezembro de 2016, o Catar aprovou uma lei que permitiu a trabalhadores que tivessem conclu�do seus contratos a mudar de emprego livremente e imp�s multas �s empresas que confiscavam os passaportes dos funcion�rios.


Trabalhadores no estádio Al Bayt no Catar
Segundo OIT, Catar subestimou n�mero de mortes de trabalhadores estrangeiros (foto: AFP via Getty Images)

Mas a reten��o do documento ainda era poss�vel legalmente, caso houvesse um consentimento por escrito — uma realidade para muitos trabalhadores.

Outro obst�culo para quase todos os migrantes no Catar envolvia os custos iniciais de recrutamento que os trabalhadores normalmente pagavam aos recrutadores antes de se mudarem para o pa�s.

 

Era praxe pagar uma quantia substancial, que variava entre US$ 500 e US$ 3.500, antes de deixar seus pa�ses de origem para conseguir um emprego.

Isso significava, na pr�tica, que a grande maioria desses migrantes tinha que contrair empr�stimos com taxas de juros variadas para pagar esses custos de recrutamento, deixando-os numa posi��o ainda mais vulner�vel.

 

Importante lembrar que, diferentemente do Brasil, onde basta nascer em territ�rio nacional para ser cidad�o brasileiro, s� � catariano quem tem pai catariano. Se a m�e for catariana e o pai estrangeiro, o filho n�o tem nacionalidade catariana.

 

 

� pouco prov�vel, portanto, obter cidadania do pa�s sendo estrangeiro — isso � legalmente poss�vel, mas depende de uma s�rie de exig�ncias, entre as quais resid�ncia legal cont�nua por 25 anos, ter excelente "reputa��o e car�ter" e conhecimento pr�tico da l�ngua �rabe, entre outras.

 

Finalmente, em 2020, sob press�o internacional e amea�ado de perder o direito de realizar o Mundial, o Catar se tornou o primeiro pa�s �rabe a abolir o sistema kafala, possibilitando que trabalhadores migrantes mudassem de emprego sem a permiss�o do empregador.

 

 

Tamb�m estabeleceu um sal�rio m�nimo para todos os trabalhadores, independentemente da nacionalidade, a segunda na��o do mundo �rabe a fazer isso, ap�s o Kuwait. As mudan�as tamb�m envolveram os trabalhadores migrantes exclu�dos das prote��es da lei trabalhista, como trabalhadores dom�sticos.

 

No entanto, outras disposi��es legais que facilitam o abuso e a explora��o de trabalhadores migrantes permaneceram.


Funeral de trabalhador nepalês morto durante construção de estádio no Catar
Fam�lia de trabalhador nepal�s morto durante constru��o de est�dio no Catar realizou ritos f�nebres depois que seu caix�o foi trazido de volta ao Nepal (foto: BBC)

Segundo a ONG Human Rights Watch, "os trabalhadores migrantes — e seus dependentes — ainda devem contar com seus empregadores para facilitar a entrada, resid�ncia e emprego no pa�s, o que significa que os empregadores s�o respons�veis por solicitar, renovar e cancelar suas autoriza��es de resid�ncia e trabalho".

 

"Os trabalhadores podem ficar sem documentos sem que tenham culpa por isso quando os empregadores falham em realizar tais processos, e s�o eles, n�o seus empregadores, que sofrem as consequ�ncias", disse a HRW em relat�rio publicado em 2020.

 

"O Catar continua a impor penalidades severas por "fuga" — quando um trabalhador migrante deixa seu empregador sem permiss�o ou permanece no pa�s al�m do per�odo de car�ncia permitido depois que sua permiss�o de resid�ncia expira ou � revogada. As penalidades incluem multas, deten��o, deporta��o e proibi��o de reentrada", acrescentou.

 

No ano passado, a HRW apontou que os trabalhadores estrangeiros ainda sofrem com "dedu��es salariais punitivas e ilegais" e enfrentam "meses de sal�rios n�o pagos por longas horas de trabalho extenuante".

 

E, segundo a ONG Anistia Internacional, as empresas ainda pressionam os trabalhadores para impedi-los de trocar de empregador.

Um porta-voz do governo do Catar disse � BBC que as reformas implementadas pelo pa�s est�o melhorando as condi��es de trabalho da maioria dos trabalhadores estrangeiros. "Foi feito um progresso significativo para garantir que as reformas sejam efetivamente aplicadas", disse o porta-voz.

 

"O n�mero de empresas que quebram as regras continuar� diminuindo � medida que as medidas de fiscaliza��o forem implementadas", acrescentou ele.

Copa do Mundo

Para a Copa do Mundo, o Catar construiu sete est�dios, al�m de um novo aeroporto, sistema de metr�, uma s�rie de estradas e cerca de 100 novos hot�is.Uma cidade inteira foi constru�da em torno do est�dio que sediar� a partida final.

 

O governo do Catar diz que 30 mil trabalhadores estrangeiros foram contratados apenas para construir os est�dios. A maioria vem de Bangladesh, �ndia, Nepal e Filipinas.

 

Segundo o jornal brit�nico The Guardian, 6.500 trabalhadores migrantes da �ndia, Paquist�o, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka morreram no Catar desde que o pa�s foi escolhido para sediar o Mundial.

Esse n�mero � baseado em dados fornecidos pelas embaixadas dos pa�ses no Catar.

 

No entanto, o governo catariano disse que essa cifra � enganosa, porque nem todas as mortes registradas eram de pessoas que trabalhavam em projetos relacionados � Copa do Mundo.

 

E acrescentou que muitos dos que morreram trabalharam no Catar por v�rios anos e podem ter morrido de velhice ou outras causas naturais.

 

O governo catariano informou que seus registros de acidentes mostraram que, entre 2014 e 2020, houve 37 mortes de trabalhadores nas obras de constru��o de est�dios da Copa do Mundo, apenas tr�s das quais foram

"relacionadas ao trabalho".

 

No entanto, a Organiza��o Internacional do Trabalho (OIT) diz que esse n�mero � subestimado. O Catar n�o contabiliza as mortes por ataques card�acos e insufici�ncia respirat�ria como relacionadas ao trabalho — embora esses sejam sintomas comuns de insola��o, causados por trabalhos pesados em temperaturas muito altas.

 

A organiza��o compilou seus pr�prios n�meros para incidentes relacionados � Copa do Mundo, coletados de hospitais p�blicos e servi�os de ambul�ncia no Catar.

Segundo a OIT, 50 trabalhadores estrangeiros morreram e mais de 500 ficaram gravemente feridos apenas em 2021, enquanto outros 37.600 sofreram ferimentos leves a moderados.

O servi�o �rabe da BBC tamb�m reuniu evid�ncias apontando que o governo do Catar subestimou as mortes entre trabalhadores estrangeiros.

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