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Estado de Minas

Cr�nio de 9 mil anos escondido por m�os amputadas � achado em Minas Gerais

S�tio arqueol�gico Lapa do Santo, na Grande BH, tem novo elemento que indica a sofistica��o ritual�stica de grupo humano que habitou a regi�o de Matozinhos


postado em 24/09/2015 07:01 / atualizado em 23/09/2015 20:35

Crânio na sepultura, a 55cm de profundidade. Ao lado (D), detalhe da mão amputada que esconde a cabeça(foto: Max Planck de Antropologia Evolucionária/Divulgação )
Cr�nio na sepultura, a 55cm de profundidade. Ao lado (D), detalhe da m�o amputada que esconde a cabe�a (foto: Max Planck de Antropologia Evolucion�ria/Divulga��o )
Em uma de suas cr�nicas sobre o Brasil, o colonizador Pero de Magalh�es G�ndavo dizia que a l�ngua dos �ndios carecia de tr�s letras: “f”, “l” e “r”. “Coisa digna de espanto”, acrescentava, “porque assim n�o h� f�, nem lei, nem rei, e, dessa maneira, vivem desordenadamente”. Na vis�o dos europeus de ent�o, os “homens pardos” eram apenas b�rbaros sem regras, distantes de qualquer tra�o de civiliza��o. A vis�o euroc�ntrica, no entanto, foi demolida nos �ltimos s�culos. Um olhar mais atento e menos preconceituoso, adotado por cientistas, revelou a complexidade e a riqueza cultural dos primeiros americanos, que at� hoje podem surpreender. � o que mostra um estudo publicado na edi��o desta semana da revista Plos One, que detalha o mais antigo caso de decapita��o ritual�stica das Am�ricas, ocorrido h� 9 mil anos e descoberto agora em uma caverna no s�tio arqueol�gico de Lapa do Santo, munic�pio de Matozinhos, a 51 quil�metros de Belo Horizonte.

Decapita��o pode parecer, como diria G�ndavo, coisa de b�rbaros. Mas a cena encontrada em uma sepultura a 55cm de profundidade pelos pesquisadores aponta na dire��o oposta. N�o se trata de um evento de viol�ncia e puni��o, mas que, ao contr�rio, revela a sensibilidade e a sofistica��o ritual�stica de um povo que tinha apenas o corpo humano para expressar seus princ�pios cosmol�gicos a respeito da morte. “A ideia n�o � de sacrif�cio. A decapita��o fazia parte de um ritual funer�rio no qual era importante proceder a redu��o do corpo do falecido, ou seja, a decapita��o n�o foi a causa da morte. Ela foi realizada depois da morte do indiv�duo”, esclarece ao Estado de Minas o antrop�logo brasileiro Andr� Strauss, principal autor do estudo e pesquisador do Departamento de Evolu��o Humana do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucion�ria, na Alemanha.

Descoberto em 2007, o sepultamento descrito no trabalho � o de n�mero 26, entre os j� encontrados em Lapa do Santo. O esqueleto enterrado pertencia a um homem jovem do Povo de Luzia, nome dado ao grupo de ca�adores-coletores que habitava a regi�o (leia Palavra de especialista). O cr�nio decapitado estava coberto pelas duas m�os do morto, amputadas e posicionadas com cuidado: a direita sobre o lado esquerdo da face, com os dedos apontando para o queixo; e a esquerda, colocada da por��o direita do rosto, mas na dire��o contr�ria. An�lises feitas com um microsc�pio que gera modelos tridimensionais de marcas e cortes indicaram que os tecidos moles foram removidos com lascas de pedra.

Triagem do material encontrado na Lapa do Santo é feito cuidadosamente(foto: Roberto Rocha/Esp. EM 30/6/12)
Triagem do material encontrado na Lapa do Santo � feito cuidadosamente (foto: Roberto Rocha/Esp. EM 30/6/12)
A interpreta��o dos detalhes � fruto de um amplo trabalho de equipe, que inclui pesquisadores da Universidade de S�o Paulo e renomados peritos forenses, como antrop�loga Sue Black, diretora do Centro de Anatomia e Identifica��o Humana da Universidade de Dundee, no Reino Unido. Curiosamente, a especialista conta que os padr�es de decapita��o da Lapa do Santo lembram o de um caso moderno, criminoso, no qual ela trabalhou. “O caso ainda n�o foi resolvido, e a v�tima ainda n�o foi n�o identificada, o que restringe as informa��es que posso fornecer”, diz. “No entanto, os padr�es de fratura visto sobre os ossos do pesco�o da ossada s�o como os da v�tima de assassinato que examinei: sua cabe�a foi hiperestendida e girada, causando impacto e fratura torsional. Foi interessante ver isso nesse cr�nio brasileiro t�o antigo, que estava quase na mesma posi��o.”

A configura��o peculiar e cuidadosa na qual a ossada foi enterrada sugere que ela n�o pertencia a um inimigo, mas, provavelmente, a um indiv�duo de status �nico, como algu�m venerado. N�o foram encontradas, por exemplo, marcas de viol�ncia nem caracter�sticas t�picas de uma cabe�a-tr�feu, como buracos preenchidos com cordas que facilitariam a exposi��o do cr�nio. O enterro ocorreu pouco tempo ap�s a morte. “O sepultamento 26 faz parte de um padr�o mortu�rio em que a redu��o de cad�veres frescos e a remo��o de partes do corpo eram um elemento central, mas o foco n�o era, necessariamente, a cabe�a”, diz Strauss.

Reformula��o Esse achado levou o pesquisador a repensar suas impress�es sobre as pr�ticas funer�rias de Lapa do Santo. “Durante muito tempo, os arque�logos acreditaram que o enterro dos mortos em Lapa do Santo era um processo simples e trivial. Foi justamente com a descoberta do sepultamento 26 e de outros semelhantes que come�amos a perceber que essa vis�o estava equivocada”, explica Strauss. A ossada permite que, do ponto de vista cronol�gico, os pesquisadores reformulem as teorias sobre a �poca em que se iniciaram os rituais de decapita��o na Am�rica do Sul. At� ent�o, o caso mais antigo era do s�tio Asia 1, no Peru, datado em cerca de 4 mil anos atr�s.

O novo trabalho tamb�m oferece novos dados sobre a geografia desse tipo de ritual, pois achava-se que a pr�tica, em tempos pr�-coloniais, era registrada apenas na regi�o dos Andes, no lado oposto do continente. “O desafio agora � entender como o caso que reportamos se relaciona com os do outro lado do continente. Se � que h� alguma rela��o”, diz Strauss. Enquanto a quest�o permanece aberta, os estudos em Lapa do Santo seguem a todo vapor, com esfor�os concentrados em extrair o DNA do Povo de Luzia e estudar os microf�sseis do s�tio. “E claro, seguimos escavando o s�tio. A cada ano, descemos cerca 40cm. � um processo de longa dura��o.”


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