
Comprar online � confort�vel, pr�tico, �gil e se tornou uma febre mundial ap�s a pandemia da Covid-19, quando as lojas f�sicas fecharam para seguir as normas de distanciamento social. Mas, em S�o Paulo, os mais pobres n�o t�m essa chance.
Na maior e mais rica cidade da Am�rica Latina, as encomendas n�o sobem os morros das favelas nem entram em �reas consideradas de risco, como ruas dos bairros da Brasil�ndia, Itaim Paulista e Parelheiros. Pessoas ouvidas pela BBC News Brasil, que moram nessas regi�es, disseram que precisam pedir para que as encomendas delas sejam entregues em bairros vizinhos, considerados "seguros" pelos servi�os de entrega - como os Correios.
Incomodado com essa situa��o, o morador de Parais�polis Giva Pereira, de 21 anos, fundou o Favela Brasil Xpress. Trata-se de uma rede de entregadores que moram na pr�pria favela e entregam as mercadorias onde os Correios e as transportadoras contratadas pelas empresas de e-commerce n�o entram.A empresa surgiu em setembro de 2020, em meio � necessidade de possibilitar que as doa��es feitas durante a pandemia chegassem �s casas dos moradores da segunda maior favela de S�o Paulo.
"Definimos que a cada 50 casas da favela haveria um morador volunt�rio, que chamamos de presidente, para monitorar as necessidades de cada fam�lia. Eles analisavam quem mais precisava de cesta b�sica, marmita e doa��es. Mas, por medo de serem assaltados, por conta do preconceito com a favela e pelo receio de se contaminar com o coronav�rus, muitos doadores n�o subiam o morro e n�s mesmos mont�vamos as cestas b�sicas e entreg�vamos", contou ele.
Giva afirmou que essa coordena��o criou naturalmente uma rede de log�stica na favela. Funcionava da seguinte forma: os volunt�rios buscavam os itens nas casas ou empresas doadoras para levar at� Parais�polis, onde eram distribu�dos de porta em porta para as fam�lias mais necessitadas, identificadas pelos presidentes de rua.
"A comunidade de Parais�polis teve um crescimento desordenado muito grande desde o seu surgimento e isso causou uma desorganiza��o dos n�meros das casas. O entregador coloca o endere�o no GPS, mas n�o encontra. J� os moradores conhecem tudo e entregam sem problemas.", afirmou o jovem empreendedor.
Com o crescimento do e-commerce, a ideia de Giva Pereira foi ent�o sugerir parcerias com as empresas para que os pr�prios moradores fizessem as entregas.
Procurados pela reportagem, os Correios dizem que "estudam a formaliza��o de parceria para realiza��o de entregas nos citados endere�os" com a Favela Brasil Xpress.
Como funciona

O Favela Brasil Xpress implanta um centro de distribui��o na entrada da regi�o onde os servi�os de entrega n�o t�m restri��es. No local, que pode ser um cont�iner ou uma sala, s�o armazenadas as mercadorias.
No momento da compra, o cliente apenas precisa colocar o endere�o da casa dele. A passagem pelo centro de distribui��o � feita de maneira autom�tica e n�o tem custo extra para o consumidor.
Atualmente, o Favela Brasil Xpress tem parceria com Americanas, Dafiti, Total Xpress e Via Varejo. A iniciativa ganhou o Pr�mio BBM de Log�stica, tido como o Oscar do setor, na categoria startup.
De acordo com uma pesquisa feita pela consultoria Outdoor Social Intelig�ncia, nas 15 maiores favelas do pa�s, 38% dos entrevistados disseram que fazem compras online, principalmente no setor de vestu�rio. Isso representa que 62% deste p�blico ainda n�o compra e n�o � assistido pelo com�rcio digital.
A Outdoor Social Intelig�ncia apontou ainda ter identificado uma tend�ncia de alta nas compras online e que "ainda h� muito o que ser feito e investido".
Investimento e expans�o nacional
Em nove meses de funcionamento, o Favela Brasil Xpress j� tem 90 pessoas contratadas apenas em Parais�polis. Sendo 41 funcion�rios com carteira assinada, entre operadores e entregadores. Todos os trabalhadores moram na pr�pria favela.
O projeto j� foi implantado em Heli�polis, a maior favela de S�o Paulo, na Cidade Julia (Diadema, na Grande SP), no Cap�o Redondo (zona sul da capital), al�m das favelas da Rocinha e Vila Cruzeiro, ambas no Rio de Janeiro.
O idealizador do projeto, Giva Pereira, conta que o sucesso do projeto atraiu a aten��o de diversas empresas e investidores. Segundo ele, h� negocia��es em andamento para levar o Favela Brasil Xpress para outras regi�es do pa�s.
O atual plano de expans�o prev� 50 novas bases em 50 favelas do Brasil at� o fim de 2022, al�m da moderniza��o do sistema atual para melhorar a velocidade das entregas. Hoje, o Favela Brasil Xpress entrega aproximadamente 800 encomendas por dia, apenas em Parais�polis, avaliadas em cerca de R$ 500 mil.
"Isso � uma prova de que a favela consome no mercado online. Antes, o morador fazia a compra e colocava o endere�o do trabalho ou de algu�m que morasse fora da comunidade. Hoje, ele vai colocar o CEP dele, pagar o pre�o normal e receber na porta de casa", conta Giva Pereira com orgulho.
Essa ainda � a realidade da universit�ria Elisangela da Silva Cardoso, de 26 anos. Ela mora no Itaim Paulista, no extremo leste de S�o Paulo, e sempre pede para entregar suas encomendas na casa de vizinhos ou no escrit�rio onde a m�e dela trabalha.
"Meses atr�s, eu comecei a usar a op��o de entregar na ag�ncia dos Correios perto da minha casa, porque isso � previsto no site. Eu recebi duas vezes, mas as seguintes colocaram um aviso de 'destinat�rio desconhecido' e devolveram para o remetente", contou.
Procurados, os Correios disseram que as entregas "encontram-se regulares" nos endere�os dos bairros da Brasil�ndia, Itaim Paulista e Parais�polis, questionados pela reportagem a partir da reclama��o de moradores. "Para uma avalia��o pontual, � necess�rio informar detalhes como o c�digo de rastreamento dos objetos reclamados'', informou o servi�o de entregas por meio de nota.
Os Correios disseram ainda que "existem algumas localidades com modalidade de entrega diferenciada de encomendas, seja por n�o apresentarem condi��es de seguran�a favor�veis aos trabalhadores, clientes e encomendas ou, ainda, por n�o atenderem �s condi��es para a entrega domicili�ria (conforme previsto na Lei 6.538/78 (Lei Postal) e Portaria MCOM nº 2.729, de 28 de maio de 2021)."
Nesses locais, explicam, os clientes devem fazer a retirada da encomenda em unidades indicadas.
De acordo com o coordenador do MBA de marketing digital na FGV, Andre Miceli, todos os aplicativos ter�o espa�o para atuar em contextos sociais e resolver problemas como esses.
"Qualquer grupo social que se re�na sobre uma caracter�stica em comum cria espa�o para uma oferta de conte�do, porque ele usa o assunto para capturar a aten��o das pessoas daquele grupo. Do ponto de vista de neg�cio, faz todo o sentido e a gente deve ver uma expans�o desse tipo de solu��o nos pr�ximos anos", afirmou.
Segundo o professor da FGV, ainda h� um grande espa�o para o crescimento desse tipo de iniciativa. Ele afirma, por exemplo, que o iFood est� presente em 2 mil cidades do pa�s, os Correios em pouco mais de 2 mil e a Loggi em 600. Enquanto o pa�s tem 5.570 munic�pios.
"Ser� cada vez mais comum ver empresas grandes tentando participar desses projetos. Mas as iniciativas locais levam vantagem porque ela tem a linguagem, o conhecimento daquele grupo e a no��o do que desperta o interesse dela. Essa proximidade faz toda a diferen�a", disse Andre Miceli.
Bolsa de Valores das Favelas
O G10 Favelas, que re�ne as lideran�as das dez maiores favelas do Brasil, lan�ou, em parceria com a gestora de investimentos DIVI•hub, na sexta-feira (19), a Bolsa de Valores das Favelas. Por meio da plataforma, que tem a permiss�o da Comiss�o de Valores Mobili�rios para regular os ativos, tornou-se poss�vel comprar fra��es de empresas que operam nas favelas brasileiras, a partir de R$ 10.
No dia seguinte, s�bado (20/11), a favela de Parais�polis recebeu celebridades como o apresentador Luciano Huck, a Luiza Helena Trajano, dona da rede Magazine Luiza, e o prefeito de S�o Paulo, Ricardo Nunes, para a cerim�nia de inaugura��o da venda de a��es. O evento teve direito aos tradicionais touro e sino que simbolizam as bolsas de Nova York e, mais recentemente, tamb�m a B3, em S�o Paulo. Al�m de atrair investidores para os projetos desenvolvidos dentro das favelas.
Gilson Rodrigues, fundador do G10 Favelas e presidente da Uni�o dos Moradores e do Com�rcio de Parais�polis, disse que a inten��o do grupo � construir uma ponte entre as startups da favela e os empreendedores.
"S�o 18 iniciativas que podem ser escaladas por esses investidores para que ambos possam estar bem. Queremos organizar, dar mentoria e captar recursos. Nossa proje��o para o Favela Brasil Xpress � instalar 50 novas bases e fazer 1 milh�o de entregas nos primeiros 6 meses de 2022", afirmou.
Gilson afirma que a favela tem um grande potencial de consumo, mas hoje se sente bloqueada por n�o ter o conforto de receber suas encomendas em casa.
Nosso mercado � potente e, se estimulado, pode ser ainda maior. A forma que a gente v� para escalar � por meio de franquias. De forma que empreendedores de outras favelas possam ter acesso ao nosso sistema e implantar em suas comunidades", afirmou.
No plano de expans�o do Favela Brasil Xpress, ainda est� previsto um servi�o de coleta e entrega de mercadorias nas casas dos pequenos empreendedores da favela. Dessa forma, por exemplo, uma mulher que confecciona panos de prato poder� disponibilizar seus produtos em um grande marketplace e contar com um servi�o de entrega �gil e barato.
Al�m da op��o de franquias, a pr�pria Favela Brasil Xpress poder� mandar uma equipe para criar uma base e montar uma estrutura na regi�o.
"A inseguran�a n�o se combate com seguran�a, mas com conviv�ncia. Por isso, vamos trazer empresas de fora da comunidade, com o olhar de que a favela � uma pot�ncia e tem oportunidade. Todos v�o querer investir porque vale a pena, n�o por caridade", concluiu o idealizador Giva Pereira.
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