
O caso de um menino de 13 anos da Para�ba que, no dia 19 de mar�o, confessou ter matado a m�e e o irm�o e ferido o pai com uma arma de fogo ap�s ser proibido de usar o celular reacendeu o debate sobre os efeitos que smartphones, tablets e outros aparelhos eletr�nicos podem ter na sa�de mental de crian�as e adolescentes.
Embora esse seja um epis�dio extremo, especialistas consultados pela BBC News Brasil relatam que � poss�vel notar um aumento nas queixas que chegam at� os consult�rios relacionadas ao uso excessivo de aparelhos eletr�nicos.
Nesta reportagem, mostramos que pesquisa com fam�lias brasileiras apontou que o uso de dispositivos eletr�nicos diminuiu a capacidade de comunica��o, de resolu��o de problemas e de sociabilidade de crian�as at� 5 anos. E o problema n�o se limita � primeira inf�ncia — o contato excessivo com telas mexe com o c�rebro de jovens, que ainda n�o est� suficientemente amadurecido para controlar impulsos, fazer julgamentos, manter a aten��o e tomar decis�es.
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"Fa�o parte de uma rede de pediatras e m�dicos de adolescentes e nunca vi tantos relatos de problemas causados pelo exagero na internet, seja nas redes sociais, seja pelos jogos online", analisa a m�dica Evelyn Eisenstein, que coordena o Grupo de Trabalho em Sa�de Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
E uma pesquisa feita em 2019 pelo Comit� Gestor da Internet no Brasil d� uma ideia da popularidade das plataformas online entre os jovens do pa�s. O levantamento aponta que 89% da popula��o de 9 a 17 anos est� conectada, o que representa 24,3 milh�es de crian�as e adolescentes. Desses, 95% (ou 23 milh�es) usam o celular como o principal dispositivo para acessar sites e aplicativos.Mas os n�meros que mais preocupam os especialistas v�m a seguir: 43% dos jovens brasileiros j� testemunharam epis�dios de discrimina��o online. E as meninas s�o as mais impactadas por conte�dos prejudiciais: 31% foram tratadas de forma ofensiva, 27% acabaram expostas � viol�ncia e 21% acessaram materiais sobre estrat�gias para ficar muito magra.
O levantamento ainda indica que um quarto dos jovens brasileiros consideram que ficam muito tempo conectados e n�o conseguem controlar muito bem esse per�odo na frente das telas.
Por um lado, � preciso considerar que os celulares fazem parte da rotina e � muito dif�cil viver sem eles. Inclusive, quando utilizados na medida certa, esses dispositivos trazem mais benef�cios que preju�zos.
"Nem tudo � ruim quando falamos dos smartphones. Eles tamb�m trazem coisas boas e fazem parte da viv�ncia do que � ser jovem hoje em dia", pondera o psic�logo Thiago Viola, do Instituto do C�rebro do Rio Grande do Sul.
Por outro, o exagero faz mal � sa�de da mente e do corpo — e os efeitos podem ser ainda mais danosos nas duas primeiras d�cadas de vida.
"Como tudo, o problema est� no excesso e na falta de controle adequado", complementa Viola, que tamb�m � professor da Escola de Medicina da Pontif�cia Universidade Cat�lica do Rio Grande do Sul.
Entenda a seguir como ficar muitas horas grudado nas telas e nas redes faz mal � sa�de de crian�as e adolescentes — e o que fazer quando o uso da internet ultrapassou todos os limites.
Problema que vem de ber�o
Uma cena que se torna cada vez mais comum em shoppings centers, restaurantes e outros espa�os p�blicos � a de um adulto colocando v�deos cheios de est�mulos sonoros e visuais na frente de um beb�. A ideia � que a crian�a fique entretida enquanto os pais ou os tutores fazem uma determinada atividade (como almo�ar ou comprar algo, por exemplo).
Os especialistas alertam que exagerar nessa exposi��o �s telas, ainda mais numa idade t�o precoce, pode prejudicar o desenvolvimento do rec�m-nascido.
"Quando os pais fornecem � crian�a um v�deo no celular ou no tablet, isso ativa as vias de processamento cerebral que s�o predominantemente passivas", explica o m�dico Rodrigo Machado, do Ambulat�rio Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Cl�nicas de S�o Paulo.
"E esse tipo de atividade passiva ocupa um tempo em que o beb� poderia ser estimulado com atividades mais ativas, que aperfei�oam a capacidade de coordena��o motora e outras habilidades importantes nessa faixa et�ria."

Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Cear� e pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em parceria com outras institui��es, d� uma dimens�o do preju�zo que o acesso aos celulares e tablets nos primeiros anos de vida pode trazer.
Os cientistas acompanharam 3.155 crian�as cearenses desde o nascimento at� elas completarem 5 anos de idade. Eles descobriram que, em m�dia, 69% de todos os participantes foram expostos a um tempo excessivo de tela.
Nos primeiros 12 meses de vida, 41,7% dos rec�m-nascidos tiveram acesso a v�deos e outros est�mulos visuais passivos al�m da medida, porcentagem que aumenta e bate os 85,2% quando eles chegam aos 4 e 5 anos.
O trabalho ainda apontou que cada hora de uso desses dispositivos eletr�nicos diminuiu consideravelmente a capacidade de comunica��o, de resolu��o de problemas e de sociabilidade dos pequenos.
Os autores concluem que "o excesso de exposi��o �s telas � altamente prevalente e esteve associado de forma independente aos problemas de desenvolvimento em crian�as menores de 5 anos".
Uma cabe�a em constru��o
Mas o problema n�o se limita � primeira inf�ncia: mesmo crian�as um pouco mais velhas precisam ter o acesso limitado e supervisionado ao mundo digital, garantem os especialistas.
Para entender como o contato excessivo com as telas afeta o bem-estar mental dos jovens, � preciso considerar que o c�rebro n�o nasce pronto: ele se desenvolve pouco a pouco ao longo das primeiras tr�s d�cadas de vida. Algumas partes desse �rg�o vital s� amadurecem completamente quando chegamos l� pelos 25 ou 30 anos.
� o caso, por exemplo, do c�rtex pr�-frontal. Essa regi�o cerebral � respons�vel, entre outras coisas, por controlar impulsos, fazer julgamentos, resolver problemas, manter a aten��o e tomar decis�es.
"� por isso que os adolescentes s�o mais impulsivos e t�m esse comportamento t�pico de explorar e experimentar", relaciona Machado.
"Com o c�rtex pr�-frontal ainda imaturo nessa faixa et�ria, ficamos mais propensos a buscar o prazer sem pensar em todas as consequ�ncias", complementa o psiquiatra.
Agora, imagine o que acontece quando esse c�rebro em forma��o � exposto a um turbilh�o de est�mulos prazerosos, dispon�veis facilmente em qualquer plataforma online.
"Os estudos que analisam o funcionamento cerebral mostram que algumas regi�es relacionadas � aceita��o do conv�vio em sociedade ficam muito ativas quando os jovens usam as redes sociais", detalha Viola.
"Se um adolescente posta algum conte�do, como uma foto ou um v�deo, e come�a a receber respostas em formas de curtidas, coment�rios e compartilhamentos, isso estimula um circuito cerebral relacionado � sensa��o de prazer e recompensa", continua o especialista.

E uma caracter�stica comum de todos os mam�feros, incluindo os seres humanos, � sempre querer mais. Quando somos expostos a uma fonte de prazer e sensa��es boas, vamos buscar aquilo de novo, numa frequ�ncia cada vez maior.
Ou seja: o retorno positivo que recebemos quando compartilhamos algo nas redes sociais � um incentivo para postarmos mais e mais, numa esp�cie de c�rculo vicioso marcado por uma busca constante por ser relevante e influente na internet.
E hoje em dia j� � consenso entre especialistas de que � poss�vel criar uma depend�ncia n�o apenas de subst�ncias qu�micas, mas tamb�m de comportamentos, como os jogos de azar ou o uso de dispositivos eletr�nicos.
"Do lado oposto, quando somos rejeitados, criticados ou cancelados nas m�dias sociais, isso ativa circuitos cerebrais relacionados ao medo e � agressividade, o que pode ter propor��es imensas no estado psicol�gico de um indiv�duo mais jovem", observa Viola.
Mais repercuss�es na cabe�a (e no resto do corpo)
Al�m desse balan�o delicado entre est�mulos positivos e negativos, o c�rebro de crian�as e adolescentes pode ser impactado pelo uso excessivo dos celulares por outros meios.
"A luz emitida pelas telas inibe a produ��o da melatonina, um horm�nio essencial para a indu��o do sono", exemplifica Eisenstein.
"E n�s sabemos que os mais jovens precisam dormir, no m�nimo, entre 9 e 10 horas por dia", acrescenta.
Boas noites de sono s�o essenciais para o desenvolvimento do corpo e da mente. Se o descanso noturno n�o � adequado logo nesses primeiros anos de vida, as consequ�ncias � sa�de podem perdurar por toda a vida.
"Quem n�o dorme bem t�m mais transtornos de irritabilidade e de comportamento e pode apresentar dificuldades de aprendizagem", lembra a pediatra.
A representante da SBP tamb�m chama a aten��o para os efeitos que o uso prolongado desses aparelhos pode trazer para outras partes do corpo em desenvolvimento nas crian�as e nos adolescentes.
"O excesso de telas pode levar � inatividade f�sica, que est� relacionada com sobrepeso e obesidade. Na dire��o oposta, o acesso a conte�dos sobre emagrecimento e a busca de um corpo idealizado aumenta o risco de transtornos alimentares", lembra.
"Fora a maior frequ�ncia de problemas auditivos, pelo uso de fones de ouvido num volume alto, e de vis�o, pela falta de viv�ncia em espa�os abertos, que estimulam uma vis�o de longo alcance", lista a pediatra.
Como desatar esse n�?
Considerando o fato de que os celulares s�o parte da rotina da vasta maioria das pessoas, ser� que � poss�vel ter uma rela��o mais saud�vel com a tecnologia? E como identificar as situa��es em que o uso desses dispositivos ultrapassou os limites, especialmente na inf�ncia e na adolesc�ncia?
"A primeira coisa � estabelecer limites. A crian�a e o adolescente precisam saber que podem entrar na internet por um determinado n�mero de horas por dia", sugere Viola.

A recomenda��o de tempo varia de acordo com a faixa et�ria. Em diretrizes publicadas recentemente, a SBP indica que crian�as menores de dois anos n�o tenham nenhum acesso �s telas.
Dos tr�s aos seis anos, � poss�vel ofertar atividades em dispositivos eletr�nicos por 30 minutos a uma hora, sempre com a supervis�o de um adulto.
E, entre o sexto e o d�cimo ano de vida, � poss�vel ampliar um pouquinho esse limite, desde que exista um acompanhamento de algu�m respons�vel.
"� muito importante mesclar as atividades online com outros momentos de lazer, brincadeiras e conversas presenciais entre familiares e amigos", continua o psic�logo.
"J� os pais de crian�as menores n�o podem usar o celular ou o tablet como bengala, para deixar a crian�a entretida enquanto eles fazem outras atividades", acrescenta.
Eisenstein tamb�m joga a responsabilidade no colo das grandes empresas de tecnologia. "Elas ganham bilh�es todos os anos e querem justamente fisgar esse p�blico mais jovem, para que eles se transformem em novos consumidores", critica.
"� preciso pensar na responsabilidade social de companhias como Google, YouTube, Facebook, entre outras, que s� est�o come�ando a se preocupar com esse aspecto mais recentemente", cita.
A pediatra tamb�m entende que os governos devem criar leis para proteger melhor a popula��o mais jovem de todos os malef�cios do abuso das plataformas digitais.
Por fim, vale refor�ar que existem formas de identificar e tratar os quadros de v�cio no uso de celular e outros dispositivos eletr�nicos.
"A primeira coisa � observar se a pr�tica est� prejudicando algum aspecto da vida daquele indiv�duo. Se ele apresenta dificuldades nos �mbitos social, profissional, educacional ou familiar, � necess�rio buscar a avalia��o de um profissional de sa�de", orienta Machado.
Alguns exemplos pr�ticos desse preju�zo s�o a queda no rendimento escolar, a substitui��o do dia pela noite, a aus�ncia do jovem nas refei��es e a falta de uma rotina estabelecida.
Para os casos em que h� diagn�stico de um transtorno, � poss�vel intervir por meio da terapia cognitivo-comportamental, uma abordagem da psicologia que busca analisar, racionalizar e propor interven��es nos h�bitos e nos pensamentos do paciente.
"Nesse contexto, a primeira interven��o � se desconectar aos poucos. De nada adianta castigar ou tirar o celular da crian�a ou do adolescente de forma brusca e definitiva", aponta Eisenstein.
"E, claro, esse ato de se desconectar da internet precisa envolver todos os integrantes da fam�lia, n�o apenas os jovens", destaca a pediatra.
A resposta das empresas
A BBC News Brasil entrou em contato com as principais empresas de tecnologia para saber como elas enxergam a discuss�o sobre o uso das plataformas e das m�dias sociais por crian�as e adolescentes.
Por meio da assessoria de imprensa, a Meta, que � dona de Facebook e Instagram, disse que � proibido que indiv�duos com menos de 13 anos criem perfis nas plataformas. O �nico contexto em que as crian�as t�m acesso a alguma ferramenta da companhia � no Messenger Kids, lan�ado em 2017.
"Em setembro de 2021, passamos a pedir a data de nascimento dos usu�rios do Instagram que ainda n�o a tinham compartilhado como parte de nossos esfor�os para evitar que crian�as tenham acesso � plataforma", informaram.
"Mais recentemente, em fevereiro deste ano, o Instagram lan�ou, globalmente, o 'Fa�a uma Pausa', um recurso desenvolvido para ajudar as pessoas a terem maior consci�ncia sobre o tempo que passam conectadas. Ap�s ativ�-lo, as pessoas recebem lembretes para fazer uma pausa no uso do aplicativo ap�s determinado per�odo de tempo navegando pela plataforma — 10, 20 ou 30 minutos. Durante o per�odo de testes da ferramenta, mais de 90% dos adolescentes que configuraram o recurso o mantiveram ativo."
"Semana passada, a Meta lan�ou, nos Estados Unidos, a Central da Fam�lia, um novo espa�o onde os pais podem supervisionar as contas de seus adolescentes nas tecnologias, configurar e utilizar recursos de supervis�o parental, al�m de acessar informa��es sobre a melhor forma de conversarem com os adolescentes sobre o uso da Internet em um hub educacional. A ferramenta foi desenvolvida em conjunto com especialistas, pais, tutores e adolescentes e deve chegar ao restante do mundo at� o fim do ano", finaliza o texto.

O Google declarou acreditar "que as crian�as devem poder experimentar o melhor da tecnologia, enquanto suas fam�lias se sentem seguras em deix�-los explorar a vida digital."
"Por isso, estamos continuamente criando e aprimorando ferramentas para que as experi�ncias online das crian�as sejam de qualidade e educativas, e, principalmente, que ajudem as fam�lias a construir h�bitos digitais saud�veis", escrevem os representantes da empresa.
Alguns exemplos dados como resposta desse aprimoramento cont�nuo do Google foram lan�amentos como o Family Link (que permite gerenciar as experi�ncias online das crian�as) e o Kids Space (um espa�o de aprendizado pela internet).
Clarissa Orberg, gerente de parcerias de conte�do para entretenimento infantil, educa��o e sa�de no YouTube e respons�vel pelo YouTube Kids no Brasil, salientou que o objetivo da plataforma "sempre foi promover um ambiente saud�vel e apropriado para as crian�as, adolescentes e fam�lias".
"Entendemos que, hoje, os jovens est�o se conectando cada vez mais cedo e por longos per�odos, por isso, ao longo dos �ltimos anos, lan�amos novas funcionalidades e adotamos medidas que ajudam na conscientiza��o sobre o uso dos aplicativos, tanto para as crian�as, quanto para seus pais e respons�veis", disse.
"Muitas vezes, as crian�as e adolescentes n�o t�m consci�ncia dos limites de conte�do e tempo de uso. Por isso, acreditamos que ferramentas que desenvolvemos como a de timer, desativar pesquisa, desativar a reprodu��o autom�tica, ou a de lembretes para pausas, s�o fundamentais para criar um ambiente mais saud�vel", exemplifica Orberg.
Por fim, o Twitter respondeu dizendo que "tem como prioridade oferecer um ambiente seguro �s pessoas e, para isso, estabelece parcerias com organiza��es em seguran�a online para o aprimoramento cont�nuo dos mecanismos de seguran�a na plataforma".
"Os servi�os do Twitter n�o s�o direcionados a crian�as e n�o podem ser usados por pessoas com menos de 13 anos de idade. Qualquer conhecimento sobre um usu�rio abaixo da idade permitida pode ser denunciado por meio da Central de Ajuda", conclui a nota, enviada � BBC News Brasil.
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