O ChatGPT utiliza a intelig�ncia artificial para responder perguntas de usu�rios
Desde que foi lan�ado, no final de 2022, o programa de intelig�ncia artificial ChatGPT despertou admira��o pelo avan�o tecnol�gico que representa — mas, tamb�m, temores sobre seus impactos futuros.
Diante desse chatbot capaz de responder a quase todas as perguntas do usu�rio e de produzir textos que parecem ter sido escritos por um humano, surgiram perguntas como: os estudantes v�o us�-lo para fazer o dever de casa? E os pol�ticos para escrever seus discursos?
Ser� que esse artigo que voc� est� lendo foi escrito por um humano ou um rob�?
Mas existe uma outra pol�mica at� agora pouco falada: ela tem a ver com as centenas de milhares de trabalhadores, muitos de baixa renda, sem os quais sistemas de intelig�ncia artificial (IA) como o ChatGPT n�o existiriam.
Estamos falando da "for�a de trabalho oculta", como chamou a organiza��o sem fins lucrativos Partnership on AI (PAI), que re�ne representantes de universidades, de organiza��es da sociedade civil, da m�dia e da pr�pria ind�stria envolvida com a IA.
Essa for�a oculta � composta por pessoas subcontratadas por grandes empresas de tecnologia, geralmente em pa�ses pobres do Hemisf�rio Sul, para "treinar" sistemas de IA.

Centenas de milhares de pessoas, a maioria sem v�nculos empregat�cios, s�o contratadas para ensinar programas de intelig�ncia artificial a trabalhar
Getty Images'Rotuladores'
Esses homens e mulheres realizam uma tarefa tediosa — e potencialmente prejudicial � sa�de mental, como abordaremos adiante — mas que � essencial para que programas como o ChatGPT funcionem.Eles rotulam milh�es de dados e imagens para ensinar a IA a agir.
Tomemos, por exemplo, o chatbot do momento.
Quando voc� faz uma pergunta ao ChatGPT, o programa usa cerca de 175 bilh�es de "par�metros" ou vari�veis %u200B%u200Bpara decidir o que responder.
Como j� mencionamos, esse sistema de IA usa como fonte principal as informa��es obtidas na internet. Mas como distinguir os conte�dos? Gra�as �s refer�ncias "ensinadas" por seres humanos.
"N�o h� nada de inteligente na intelig�ncia artificial. Ela tem que aprender � medida que � treinada", explica Enrique Garc�a, co-fundador e gerente da DignifAI, empresa americana com sede na Col�mbia.
A empresa contrata esses "rotuladores" de dados (data taggers).
Na ind�stria de tecnologia, esse tipo de atividade � chamado de "enriquecimento de dados".
Ironicamente, apesar de ser um trabalho essencial para o desenvolvimento da IA, o enriquecimento de dados � o elo mais pobre da cadeia produtiva das grandes empresas de tecnologia.
Um fato que foi reconhecido pela organiza��o Partnership on AI.
"Apesar do papel fundamental que esses profissionais de enriquecimento de dados desempenham, um crescente corpo de pesquisa revela as prec�rias condi��es de trabalho que esses trabalhadores enfrentam", disse a organiza��o, a qual a OpenAI, empresa que criou o ChatGPT, faz parte.
Menos de US$2 a hora

A maioria dos 'rotuladores' ganha sal�rios baixos e trabalha em condi��es prec�rias
Getty ImagesUma investiga��o da revista Time revelou que muitos dos "rotuladores" terceirizados pela OpenAI para treinar seu ChatGPT recebiam entre US$ 1,32 e US$ 2 por hora (cerca de R$ 6 a R$10) .
Segundo reportagem do jornalista Billy Perrigo, a empresa de tecnologia, que tem a Microsoft entre seus principais investidores, terceirizou o trabalho de enriquecimento de dados por meio de uma companhia chamada Sama, com sede em San Francisco — que por sua vez contratou trabalhadores no Qu�nia para a atividade.
Atrav�s de um comunicado, um porta-voz da OpenAI disse que a terceirizada era respons�vel pela gest�o dos sal�rios e condi��es de trabalho dos taggers contratados para trabalhar no ChatGPT.
"Nossa miss�o � garantir que a IA beneficie toda a humanidade, e trabalhamos duro para construir sistemas de IA seguros e �teis que limitem o vi�s e o conte�do nocivo", disse o porta-voz.
A Sama tamb�m contrata para o Google e a Meta "rotuladores" em outros pa�ses de baixa renda, como Uganda e �ndia. A empresa se apresenta como uma "IA �tica" e afirma ter tirado mais de 50 mil pessoas da pobreza.
No entanto, Martha Dark, diretora da organiza��o ativista brit�nica Foxglove — cujo objetivo � "enfrentar gigantes da tecnologia e governos, por um futuro onde a tecnologia seja usada para beneficiar a todos, n�o apenas os ricos e poderosos" —, avalia que as empresas de tecnologia usam a terceiriza��o para pagar aos trabalhadores muito menos do que deveriam.
"Todas essas empresas s�o multibilion�rias e � francamente inadequado que estejam pagando US$ 2 por hora para as pessoas que tornam essas plataformas poss�veis", disse ele.
Mas para Enrique Garc�a, do DignifAI, a pol�mica sobre os sal�rios “� uma quest�o de perspectiva”.
Na Europa e nos Estados Unidos, pode-se entender que ganhar essa quantia n�o � suficiente, mas em outras partes do mundo, este pode ser um bom sal�rio, argumenta.
"Muitas pessoas criticam nosso setor pela quest�o salarial, mas na DignifAI nosso piso salarial � de US$ 2,30 a hora, o que representa 1,8 vezes o sal�rio m�nimo na Col�mbia", diz.
"Se o projeto for mais complexo e exigir profissionais especializados, como arquitetos ou m�dicos, o sal�rio pode chegar a US$ 25 por hora", diz Garc�a.
Embora reconhe�a que existem empresas que pagam abaixo do sal�rio m�nimo, o empres�rio considera injusto focar apenas neste setor.
"Existem din�micas de terceiriza��o em muitos setores, n�o apenas neste, ent�o tamb�m n�o � justo nos rotular por 'explora��o digital'", diz ele.
Impacto social
Garc�a tamb�m destaca que existem v�rias empresas do setor, como a sua, que t�m impacto social e o objetivo de "aumentar a produtividade e a dignidade das pessoas".
O lema do DignifAI � "terceirizar a dignidade atrav�s da intelig�ncia artificial".
A empresa est� sediada em C�cuta, na fronteira entre a Col�mbia e a Venezuela, e busca dar trabalho aos migrantes venezuelanos e a colombianos que migraram internamente.
"Muitos deles, antes de trabalhar conosco, ganhavam US$ 4 ou US$ 5 por dia. Para essa popula��o vulner�vel e sem op��es de mercado de trabalho, ganhar 1,8 vezes o sal�rio m�nimo colombiano � bastante atraente", afirma.
Ingrid, uma venezuelana de 42 anos que chegou � Col�mbia no final de 2018, ratifica isso.
Licenciada em pedagogia, Ingrid, que preferiu n�o fornecer seu sobrenome, disse � BBC que atualmente n�o pode dar aulas porque ainda n�o validou seu diploma na Col�mbia.

'Rotuladores' da DignifAI, empresa americana baseada na Col�mbia
Divulga��o/DignifAIEla afirma que trabalhar como "rotuladora" para o DignifAI lhe permitiu ganhar a vida e tamb�m se preparar para outra profiss�o.
"Eu trabalho quatro horas por dia e tenho conseguido usar o tempo restante fazendo um curso de design", diz a pedagoga.
Apesar de n�o trabalhar mais como data tagger, por ter sido promovida ao cargo de supervisora %u200B%u200Bde projetos, ela n�o hesita em recomendar esse trabalho.
"� mais gratificante, menos cansativo e mais bem pago do que ser gar�onete, auxiliar de meio per�odo ou fazer trabalhos f�sicos", avalia, acrescentando que a maioria de seus colegas s�o donas de casa, vendedores ambulantes ou estudantes.
Sa�de mental
Al�m do sal�rio, outra quest�o sobre as condi��es de trabalho dos data taggers � o efeito na sa�de mental.
N�o � o t�dio da tarefa que mais preocupa alguns especialistas — embora esta seja outra cr�tica que se faz a este trabalho — mas o material t�xico ao qual alguns deles est�o expostos.
Uma das fun��es desses trabalhadores � ensinar ao programa de IA quais informa��es n�o s�o adequadas para publica��o — mergulhando nos cantos mais sombrios da internet e rotulando os materiais violentos, sinistros e perversos que ali estiverem, de forma a ordenar que a m�quina ignore tudo isso.
De acordo com Martha Dark, da organiza��o Foxglove, fazer esse trabalho "pode %u200B%u200Bcausar estresse p�s-traum�tico e outros problemas de sa�de mental para muitos trabalhadores".

Assistir a material violento e t�xico pode desencadear estresse p�s-traum�tico nos 'rotuladores' de dados, diz Martha Dark, da organiza��o Foxglove
Getty ImagesSua organiza��o d� assist�ncia a um ex-funcion�rio da Sama que trabalhou como moderador do Facebook no Qu�nia. Em 2022, ele processou a Sama e a Meta, dona da rede social, pelos danos psicol�gicos que sofreu. O caso ainda tramita na Justi�a de Nair�bi.
"Esses trabalhos t�m um custo para a sa�de mental de quem os faz e devem fornecer tratamento psiqui�trico adequado, al�m de um sal�rio mais justo", disse Dark � BBC.
Segundo a ativista, as grandes empresas de tecnologia t�m muitos recursos financeiros para prestar esse tipo de assist�ncia, mas n�o o fazem porque "colocam o lucro acima da seguran�a de seus trabalhadores".
Enrique Garc�a reconhece que as grandes empresas poderiam investir mais na contrata��o de taggers, mas afirma que exigir muito delas pode lev�-las a procurar trabalhadores em outros lugares.
"Pode ser que a grande tecnologia possa pagar mais, mas estamos muito gratos pelas oportunidades", diz ele.
"Pelo menos estamos trazendo oportunidades de gera��o de renda para c� onde, sem essa alternativa, n�o existiriam."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3gze230pj1o
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