
Nessa esteira de ideias diversas, tenho me perguntado se, no m�nimo h� 30 anos, o Brasil e o mundo n�o se deparam com as mesmas quest�es. E se a tecnologia n�o tem sido o grande motor que, cada vez mais, oblitera o pensamento e d� espa�o ao imediatismo, destr�i a capacidade criativa e reflexiva e estimula a mecaniza��o inconsciente das a��es.
Na semana passada, o Brasil viveu, em meio � euforia e � folia carnavalesca de milh�es de brasileiros, a trag�dia de alguns milhares em um dos locais mais “badalados” do litoral paulista. A trag�dia de S�o Sebasti�o tratou de refor�ar dois aspectos: as disparidades sociais e a aus�ncia de pol�tica urbana. O presidente, em visita � regi�o, chegou a pedir para n�o constru�rem mais pr�ximo a encostas, em discurso que demonstra ou o desconhecimento dos problemas urbanos, ou as raz�es que movem as escolhas habitacionais dos mais pobres.
A falta de planejamento urbano, ou a falta de execu��o do planejamento urbano, � pr�tica corrente de nossos governantes, sem contar casos escandalosos entre os setores p�blico e privado que acabam por beneficiar grupos minorit�rios.
O resultado dessa neglig�ncia tem sido, ao in�cio de cada ano, enchentes, desmoronamentos, mortes, perdas materiais e imateriais irrepar�veis enquanto as pol�ticas de planejamento urbano e de redu��o do d�ficit habitacional continuam sendo tratadas como h� 27 anos – per�odo que o governo federal passou a contar com a constru��o do c�lculo do indicador habitacional para a �rea urbana.
Conforme levantamento do jornal Folha de S.Paulo, h� 13 anos que pesquisadores da Unicamp publicaram estudo sobre a expans�o habitacional em �reas de risco no litoral paulista e, em 2020, o Minist�rio P�blico apontou que a manuten��o da atual situa��o do Sahy – regi�o mais afetada em S�o Sebasti�o - seria uma verdadeira trag�dia anunciada.
Mas as quest�es sociais sem tratamento adequado espalham-se pelas mais diversas �reas. Na �ltima sexta-feira, 24/3, terminou o prazo para inscri��o no Sistema de Sele��o Unificada (Sisu) daqueles que prestaram o Exame Nacional do Ensino M�dio - Enem 2023. H� 25 anos, criou-se o Enem, modalidade mais inclusiva e equitativa de avalia��o dos egressos do Ensino M�dio.
Com o passar dos anos e a utiliza��o das notas do Enem para ingresso na maioria das universidades p�blicas, tornaram-se ainda mais gritantes as disparidades de desempenho entre os alunos oriundos da rede p�blica vis-�-vis da privada. As cotas constitu�ram-se importante mecanismo de redu��o das disparidades de acesso ao ensino superior, muito embora os desafios da forma��o b�sica permaneceram latentes.
A pandemia da Covid-19 serviu para escancarar ainda mais essa discrep�ncia, muito embora dados indiretos j� dissessem muito sobre as desigualdades de acesso: segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira (INEP), h� 10 anos, 32% dos inscritos no Enem, egressos do ensino m�dio, n�o tinham computador em casa. Em 2019, esse percentual j� havia subido para 46% e, em 2021, com forte redu��o do n�mero de inscritos para fazerem a prova, esse percentual caiu para 42%.
A falta de acesso � tecnologia domiciliar para cerca de 40% dos alunos do ensino m�dio se somou � baixa disponibilidade de oferta de laborat�rios de tecnologia pelas escolas p�blicas, o que se tornou um verdadeiro desastre para, no m�nimo, 70% das crian�as e jovens do Pa�s entre os anos de 2020 e 2021. Acrescido �s diferen�as de forma��o e de acesso � tecnologia, tem-se a evas�o escolar, praticamente inalterada e quase nula para alunos da rede privada, mas ainda em torno de 5% a 6% ao ano, segundo os dados do Sistema de Avalia��o do Ensino B�sico (SAEB).
Na esteira de reinventar o que n�o foi corretamente desenhado e implementado, especialistas veem, no in�cio do novo governo, o momento de reconstru��o do Minist�rio da Educa��o e de redesenho das pol�ticas p�blicas para o ensino b�sico, donde se incluem educa��o integral, alfabetiza��o, moderniza��o das escolas etc., com o governo federal liderando e controlando o processo, a partir de metas previamente pactuadas com estados e munic�pios.
N�o ser� a primeira vez que se vislumbram redesenhos e avan�os, mas certamente � a vez em que as perdas acumuladas atingem seu cume. Enfim, h� d�cadas, o Brasil revive seus problemas educacionais, tratados “aos trancos e barrancos”, como bem escrito por Darcy Ribeiro em seu livro com o mesmo nome.
Poderia me estender aqui e falar do Sistema �nico de Sa�de (SUS) e suas quest�es correlatas de abrang�ncia, alcance, atendimento e disponibilidade dos servi�os, que t�m sido intensamente tratadas pela dem�grafa M�rcia Castro em seus artigos semanais na Folha de S�o Paulo.
Tamb�m poderia falar das quest�es clim�ticas e de sustentabilidade, em que o Brasil teve papel protagonista, em 1992, com a ECO-92, na cidade do Rio de Janeiro. Mais uma vez, volto a falar de 3 d�cadas atr�s, em um horizonte de tempo em que o combate a problemas estruturais n�o avan�ou e, em alguns casos, at� retrocedeu.
No entanto, deixo para o ChatGPT a participa��o do ex-presidente de Cuba Fidel Castro na ECO-92. O ChatGPT soube vestir melhor roupagem que o Google e criar “narrativas rasas mais completas”, por�m suficientes para uma sociedade que vem perdendo a criatividade e a capacidade de se construir com cr�tica, preparo e educa��o em todos os sentidos. Minha curiosidade sobre esse “instrumento tecnol�gico” se deu ap�s receber, pelo WhatsApp, um v�deo com parte do discurso de Castro na ECO-92.
Eis aqui parte da tradu��o do texto gerado pelo ChatGPT, que veio originariamente do ingl�s: “Fidel Castro destacou a necessidade urgente de um esfor�o coletivo para direcionar a mudan�a clim�tica e outros problemas ambientais. Enfatizou a responsabilidade das na��es desenvolvidas em tomar iniciativas, dados seus hist�ricos de contribui��o para a emiss�o de g�s e a distribui��o desigual da riqueza e dos recursos ao redor do mundo”.
O mundo virtual do ChatGPT gera narrativas simples e objetivas, n�o pretende despertar capacidade cr�tica, mas sim “facilitar as respostas a d�vidas e interesses”. � mais um instrumento e talvez o mais poderoso, at� o momento, para simplificar o pensamento e refor�ar a incapacidade de se ter criatividade em uma sociedade cada vez mais em busca de respostas autom�ticas e certezas.
O tempo dir� qu�o o chatGPT, aliado ao desinteresse dos jovens pelos estudos e pela pol�tica, pode se tornar uma tempestade perfeita para a aliena��o geral da Na��o e do mundo. A ci�ncia, a pesquisa e o interesse de pessoas pela constru��o de um Pa�s com condi��es dignas para todos ainda permanece, h� pelos menos 3 d�cadas, um sonho a ser perseguido.