Capas dos jogos: carros e um homem segurando uma arma

Os dois t�tulos s�o alguns dos jogos exclusivos da plataforma Xbox 360, que fechar� a sua loja online em julho de 2024

Divulga��o/ Microsoft Studios
A Microsoft divulgou que a loja virtual do console Xbox 360 encerrar� seus servi�os em julho de 2024 e isso significa que todos os consoles da 7ª gera��o ter�o suas vendas digitais fechadas. Exclusivos est�o em risco de desaparecer, consoles da 8ª gera��o est�o no mesmo caminho e, no Brasil, o cen�rio serve como exemplo de um problema mais amplo da conserva��o digital.

N�o existe uma biblioteca unificada para jogos. O an�ncio da Microsoft na quinta-feira (17/08) coloca uma data limite para a aquisi��o de jogos digitais exclusivos da plataforma para entretenimento e estudos. Jogos como ‘Forza Horizon’ (2012), ‘Gears of War 2’ (2008) e ‘Kinect Adventures!’ (2010) n�o podem ser jogados em qualquer outro console e, mesmo em m�dia digital, os jogos t�m o risco, como muitos, de sumir.

O estudo 'Survey of the Video Game Reissue Market in the United States' de julho de 2023, impulsionado pelo fechamento das lojas virtuais do WIIU e do 3D, em maio, estimou que 13% dos jogos lan�ados antes de 2010 nos EUA n�o podem ser mais comprados ou n�o s�o relan�ados com. Os dois consoles da Nintendo com as lojas fechadas este ano s�o da 8ª gera��o, indicando que o t�rmino dos servi�os digitais j� est� chegando nela. Para a 7ª, as lojas do Playstation 3 foram fechadas em 2020 e as do WII seguiram o destino do 3DS na mesma data do port�til.Phil Salvador, autor da pesquisa de julho, indica que para o Playstation 2, console da 6ª gera��o com grande valor hist�rico e de mercado, o n�mero aproximado de jogos ainda � venda � de 12%. Para jogos lan�ados antes de 1985, a estimativa cai para menos de 3%. Salvador considera a situa��o dos games como um problema sist�mico. “Isso � uma crise para todo o meio dos videogames”, diz Phil, em tradu��o literal.

Para Lucas Lucas Criscoullo (@lucascnerd), influencer e ex-professor no curso de jogos digitais Plugminas, associado � PUC, “jogos s�o como obras de arte e � muito triste n�o estarem dispon�veis, quando  milhares de pessoas j� puderam jogar, puderam ver, e agora [os jogos] est�o perdidos e n�o h� um trabalho para mant�-los no ar. Ficamos � merc� de grandes empresas”.

Nas aulas que Lucas lecionou, os jogos antigos serviam como exemplos do que funciona e do que n�o funciona em decis�es de desenvolvimento e das escolhas, por exemplo do motivo do cogumelo do ‘M�rio’ andar no sentido que anda. “A base de jogos novos s�o os antigos. As l�gicas de ‘Pac-Man’ (1980) e ‘GTA’ (2004) s�o as mesmas: um labirinto onde amigos te perseguem e quando voc� pega um item conseguem venc�-los”, conta o criador de conte�do.

A chefe do Departamento de Organiza��o e Tratamento da Informa��o da ECI, Elis�ngela Cristina Aganette, professora adjunta da UFMG, participou de 1 tese e 7 artigos relacionados � preserva��o de documentos digitais. Em conversa com o Estado de Minas, ela aponta que a falta de preserva��o de qualquer registro informacional digital, incluindo jogos e outros tipos de conte�do, pode trazer consequ�ncias quanto a obsolesc�ncia tecnol�gica, acesso aos conte�dos, preserva��o cultural e hist�rica e a desorganiza��o dos registros.

Para Elis�ngela, a falta de compatibilidade entre acervos antigos e sistemas modernos, com a obsolesc�ncia, dificulta o acesso e a utiliza��o dos arquivos. Isso “pode resultar na perda permanente de registros informacionais digitais, devido a falhas em m�dias f�sicas, danos causados pelo tempo ou a falta de migra��o para novos formatos. Trata-se de fontes cruciais de informa��o em diversas �reas, como pesquisa acad�mica, educa��o e ou entretenimento”, afirma a chefe de departamento.

Os registros informacionais digitais cont�m conte�dos importantes sobre a cultura, hist�ria e eventos de determinado contexto em um per�odo espec�fico. “A aus�ncia de preserva��o pode levar � perda dessas informa��es, prejudicando a compreens�o das gera��es futuras”, explica Elis�ngela.

Lucas tamb�m conta um exemplo pr�tico das quest�es levantadas por Elis�ngela com os advergames. S�o jogos feitos para divulgar produtos e marcas, como por exemplo o “Pepsiman” (1999) para Playstation 1, sobre a marca de refrigerante. “Me lembro do ‘McDonald’ (1993) para Mega Drive. Por que ele era t�o bom? E quais as diferen�as entre a vers�o americana dele para outras?” indaga o jogador. 
 
Ronald escorregando em uma tirolesa com frutas em mãos

O jogo � um advergame influente do Megadrive (tamb�m chamado de Genesis), onde o jogador controlava o personagem da franquia de lanches em uma aventura de plataforma

Divulga��o/Sega
 
  
Phil Salvador aponta na pesquisa que outro grande problema da �rea da preserva��o de jogos s�o as m�ltiplas quest�es legais que abrangem alguns t�tulos. Exemplos de jogos relan�ados sobre grandes divis�es de licen�a s�o raros. Mesmo o GoldenEye 007 (1997), um jogo de tiro influente e que pincelou primeiro muitos tra�os do g�nero, tem direitos detidos entre Microsoft, Nintendo, Rare Limited, Metro-Goldwyn-Mayer, Eon Productions e Danjaq LLC que, somente em 2023, chegaram a um acordo de lan�arem o jogo para plataformas atuais. O mesmo acontece para jogos licenciados, segundo o pesquisador.

Para Elis�ngela, Lucas e Salvador, a preserva��o deve partir das grandes desenvolvedoras e companhias que det�m os direitos dos produtos. Salvador demonstra que os jogos devem ser feitos j� levando em conta o seu armazenamento futuro, Lucas diz que iniciativas privadas e p�blicas s�o necess�rias para manter acervos e Aganette aponta que pol�ticas de conserva��o devem ser aplicadas a partir de negocia��es com os l�deres de produ��o.

Na aus�ncia de uma a��o de grandes empresas, f�s buscam maneiras de manter os jogos na mem�ria, com bibliotecas p�blicas como a Archive.org. Na falta de acervos oficiais, muitos pesquisadores tamb�m s�o obrigados a recorrer a m�todos de pirataria para estudar um jogo antigo. Quando o an�ncio do fechamento das E-shops foi divulgado, jogadores correram para comprar o m�ximo deles o poss�vel e exportar o que puderem para plataformas de preserva��o.

O cen�rio foi documentado no v�deo “I bought EVERY Nintendo Wii U & 3DS game before the Nintendo eShop closes”, do Youtuber estrangeiro ‘The Completionist’, publicado em mar�o de 2023. Com a data do encerramento do servi�o chegando, v�rias empresas cancelaram a parceria com a distribuidora, retirando os t�tulos antes do t�rmino da loja. Os f�s corriam contra essa derrubada massiva para assegurar os jogos.

“A preserva��o de usu�rios � parabenizada mas nem sempre consideram as diretrizes e leis, o melhor m�todo ou n�o s�o amparadas por leis. Ser� que essas medidas levam em considera��o um plano e t�cnicas ideais para m�dio a longo prazo ou s�o m�todos paliativos necess�rios para o momento?", aponta Elis�ngela. No momento, as a��es dos f�s contribu�ram para a causa, mas n�o existe garantia sobre o tempo de disponibilidade dos arquivos e a garantia de localiza��o e acesso, por conta da organiza��o dos documentos.

“A inexist�ncia de pr�ticas de preserva��o pode resultar na fragmenta��o dos conte�dos, com c�pias dispersas em v�rias localiza��es e formatos, dificultando a gest�o e recupera��o eficaz desses recursos” explica Elis�ngela.

Esse �ltimo ponto tamb�m � levantado em rela��o a arquivos de universidades, pela tese de doutorado “Preserva��o digital em Institui��es de Ensino Superior: instrumentos para a oficializa��o e operacionaliza��o da preserva��o de documentos arquiv�sticos digitais", orientada em 2020, por Aganette. 

No estudo, a autora Luciana Gon�alves Silva Souza defende que a preserva��o digital em Institui��es de Ensino Superior deve explorar a utiliza��o de instrumentos para formalizar e implementar a preserva��o de documentos digitais. Na �poca, nenhuma Institui��o de Ensino Superior pesquisada possu�a um plano de preserva��o digital publicado. 

O conhecimento acad�mico sobre jogos enfrenta dificuldades, ent�o, parecidas com a da distribui��o dos games. “Dentro da faculdade tem-se bibliotecas, a PUC documenta todos os conte�dos desenvolvidos pelos alunos. Mas boa parte do desenvolvimento [ de jogos ] nacionais est� perdida”, aponta Lucas.  

*Estagi�rio com informa��es do subeditor Diogo Finelli.