Por que as pessoas procuram o analista em tempos de terapias cognitivas? Essas são mais pontuais e rápidas, atendendo aos anseios de bem-estar do paciente, com uma interação maior entre terapeuta e paciente.
Visam a adaptação comportamental aos ideais da cultura, são educativas e afins do contemporâneo mercadológico, pulverizando as grandes estruturas clínicas tradicionais em múltiplos transtornos.
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Acredito que buscar uma análise representa um desejo de saber mais sobre o que não se sabe que sabe. Uma vez que somos dotados de um inconsciente que nunca será totalmente elucidado ou interpretado, lidar com esse funcionamento desconhecido e vivo é algo que requer mais do que adaptação, ao contrário, requer subversão.
Devemos entender o inconsciente não como um baú de conteúdos guardados a serem recuperados. O inconsciente é atemporal, não discerne antigo e atual. Através do simbólico, da linguagem, o imaginário aí se infiltra. A linguagem é prenhe do imaginário que cria sentido àquilo que, sendo da ordem do real, não se traduz, nem se reduz ou se evita.
Mas a gente tenta, com o pensamento, racionalizar coisas insuportáveis e traumáticas porque estão acima do que podemos suportar. E, para tranquilizar nossos corações, preferimos suposições e antecipações que nos tragam um ajustamento aos fatos. E não raro nos enganamos. Mas encontrar explicações acalma, por isso as religiões triunfam.
Entretanto, o real é o que retorna sempre ao mesmo lugar. Repetimos experiências que detestamos e só depois nos damos conta. Outra vez errei, dizemos silenciosamente a nós mesmos. Porque somos errantes, quando falamos nos equivocamos e esse equívoco é prenhe de pulsão e outros dizeres...
Lacan escreve: “Nada funciona, portanto, senão pelo equívoco”. Se o paciente traz sua repetição, na escuta dos equívocos que ele produz quando fala, surge um dizer ao qual o analista se atém. Ele diz mais do que fala. Quando escutamos isso que poderia passar batido, ali esse dizer oculto na fala se revela, e eis o fator surpresa. O corte da linha do pensamento que redireciona o sentido, e o efeito é que o real não retorne ao mesmo lugar. À repetição que o trouxe.
Quando essa escuta se abre para algo novo, algo do real, que cessa de não se escrever, e assim a repetição pode deixar de insistir, na tentativa de fazer essa escrita que identifica a pessoa ao seu nome próprio. Ao sintoma e à verdade dela.
E, especialmente, por entender que o real nunca pode ser dominado ou excluído e o paciente terá de inventar um novo modo de lidar com seu sintoma, porque seu sintoma é parte dele e não é curado, como no tratamento médico, por se tratar de um sofrimento psíquico. E, mais, sempre haverá restos intraduzíveis. Saber disso acalma a alma.
Vemos aqui a grande diferença que nos traz a psicanálise em direção do desejo do sujeito, do qual ele não tem ciência, e, para além do que supõe que esperam dele. Ele supõe que deve sempre atender à expectativa dos grandes ideais que sustenta com seu imaginário. Motivo de sofrimento constante é ser escravo do imaginário.
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Surpresa e alívio são resultantes dessa escuta do mais íntimo do ser, pois cessa o se escrever e repetir aquilo que seria infinito. Porque o pensamento é infinitizante e, segundo Lacan, cretinizante. Circular e angustiante e não resolve questões de natureza psíquica, girando no mais do mesmo. É como um raio, que, ao bater na água de um lago, faz uma refração, alterando sua direção, causada pelo corte feito na superfície.