Documentário "Apocalipse nos trópicos", de Petra Costa, chega à Netflix
Filme que entra no catálogo do serviço nesta segunda (14/7) aborda a crescente influência dos evangélicos na política, com ênfase na figura de Silas Malafaia
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Siga noUma semana atrás (7/7) o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, saiu em defesa de Jair Bolsonaro. “O grande povo do Brasil não vai tolerar o que estão fazendo com seu ex-presidente. Vou acompanhar muito de perto essa caça às bruxas (em letras maiúsculas)”, publicou nas redes sociais. Dois dias depois (9/7), Trump anunciou o tarifaço sobre as exportações brasileiras.
O momento não poderia ser mais oportuno para o lançamento de “Apocalipse nos trópicos”, documentário de Petra Costa que chega nesta segunda-feira (14/7) à Netflix.
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O filme acompanha a ascensão e queda de Bolsonaro e a volta de Lula ao poder, ou seja, o cenário político nacional de 2016 para cá, até o famigerado 8 de janeiro de 2023. É uma continuação da narrativa do longa anterior da diretora, “Democracia em vertigem” (2019, também disponível na Netflix).
Mas o recorte escolhido por Petra agora é outro: a influência das igrejas neopentecostais na política brasileira. Quarenta anos atrás, 5% da população do Brasil (historicamente apontada como a maior nação católica do mundo) era evangélica. Hoje, essa porcentagem é de 30%. O índice é ressaltado no documentário, em especial por seu protagonista, o pastor Silas Malafaia.
O televangelista carioca de 66 anos, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que fez de grosseria, grito e estridência (em especial contra gays e “esquerdopatas”, termo utilizado correntemente por ele) seu modo natural de comunicação, emerge como figura central da política brasileira. Petra e sua equipe o acompanharam durante quatro anos, tanto que vemos Malafaia tão natural para a câmera dela quanto Lula.
Manipulador
O pastor é filmado em seu jato de US$ 1,4 milhão – diz, com ironia, o valor porque está cansado de ouvir na imprensa que ele pagara US$ 12 milhões –; dirigindo sua BMW e dizendo impropérios sobre um motociclista que estava em seu caminho; em casa com a mulher, Elizete, e uma das netas; e ao lado de Bolsonaro. Petra mostra Malafaia como um manipulador. Bolsonaro, seu soldado.
Para contar essa história, a espinha dorsal do filme usa um evento do passado: a criação de Brasília. Com imagens de arquivo, apresenta a capital do Brasil como um lugar de um futuro utópico. A arquitetura simbolizaria esse espaço em que Executivo, Legislativo e Judiciário teriam pesos iguais. Revela que o projeto original tinha uma igreja no centro. Mas a iniciativa não foi a cabo para demonstrar a ideia de um estado laico.
Outra relação com o passado para mostrar o presente é o incentivo que o governo dos EUA fez para que o líder cristão evangélico Billy Graham viesse ao Brasil em 1974. Em plena ditadura militar, Graham, pioneiro no televangelismo, teve no país um de seus maiores públicos. A diretora mostra, assim, que a influência de Malafaia e congêneres não é nova.
“Duas das cenas seminais do filme foram capturadas durante as filmagens de ‘Democracia em vertigem’, incluindo a de abertura, que mostra um grupo de evangelistas abençoando o Congresso e falando em línguas antes da votação do impeachment de Dilma Rousseff em 2016”, disse a diretora à “Variety”.
Este grupo foi capitaneado pelo Cabo Daciolo (“Glória a Deux”, como esquecer o meme do bombeiro militar, pastor e ex-deputado federal que se candidatou à presidência em 2018), que presenteia a equipe do filme com uma Bíblia quando explica que a “guerra não é contra os homens, a guerra é espiritual”.
Assim como em seu longa anterior, Petra mantém o tom personalista. Com a já característica narração monocórdica, a diretora explica que foi ler a Bíblia, em especial o “Livro do Apocalipse”, para tentar entender os eventos na política brasileira.
Capítulos
Dividiu o longa em seis capítulos. O primeiro, “O influenciador”, é o que apresenta Silas Malafaia, “um pinguinho d’água no oceano que foi a eleição do Bolsonaro”, ele diz sobre si mesmo, com absoluta falsa modéstia. O seguinte, “Deus nos tempos do cólera” é uma crítica ao descaso bolsonarista na gestão da pandemia. “Domínio” mostra a ascensão dos evangélicos na gestão federal; enquanto “Gênesis” contextualiza a relação religião e poder no país.
“Guerra santa” é o capítulo em que Lula mais aparece, mostrando o enfrentamento dele e de Bolsonaro nas eleições de 2022. “Vou na igreja para rezar”, afirma ele para a câmera, dizendo que não tem que misturar religião e política. Pouco depois, em plena campanha para o segundo turno, surge uma grande sequência com o então candidato petista à Presidência sendo abençoado em um culto evangélico.
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“Revelação”, o epílogo, acompanha, a partir da vitória de Lula em 2022, a revolta bolsonarista, a evasão do ex-presidente para os EUA pouco antes da posse de seu sucessor, e os ataques de 8 de janeiro. Essa história, como ocorreu “Democracia em vertigem”, pede uma sequência. Neste momento, não há como prever o rumo que ela terá.
EM CARTAZ NO CINEMA
“Apocalipse nos trópicos” estreou discretamente nos cinemas, há 10 dias. Em BH, está em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Rua Gonçalves Dias, 1.581 - Lourdes), com sessões às 18h20 e 20h20. Nesta terça (15/7), porém, haverá apenas uma sessão, às 20h30. O cinema não funciona às segundas-feiras.