Festival de Cinema Quilombola chega à Serra do Cipó neste fim de semana
Programação gratuita ocupa o Quilombo do Açude no sábado e domingo, com filmes, música, oficinas e feira de moda artesanato
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Pela primeira vez, a Mostra de Cinema dos Quilombos, que já teve seis edições em Belo Horizonte, será realizada dentro de um território quilombola. O feito ampliou a programação e transformou o evento em um festival, que, além das exibições de filmes, vai reunir música, gastronomia, oficinas e expositores de artesanato e moda africana neste sábado e domingo (11 e 12/10), no Quilombo do Açude, na Serra do Cipó.
O projeto Cinema dos Quilombos surgiu em 2019, a partir de uma oficina de vídeo inspirada no Vídeo nas Aldeias – iniciativa criada em 1986, ainda em atividade, que ensina audiovisual a povos indígenas. Adaptando esse modelo, o projeto passou a oferecer oficinas de cinema em comunidades quilombolas, ensinando direção, operação de câmera e captação de som.
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Cada turma finalizava o curso com a produção de um curta-metragem, feito pelos próprios quilombolas sobre suas realidades. A partir dessas experiências, nasceu a mostra, que agora se transforma em festival e reúne produções de diversos territórios. Antes disso, em 2004, o idealizador Danilo Candombe já havia se destacado como o primeiro quilombola a realizar um vídeo de ficção, “Sonhos de um negro”, feito com uma câmera emprestada da escola, sobre o samba de roda do Quilombo do Açude.
“Cresci sendo objeto de estudo, com universidades e pessoas de fora vindo aqui pesquisar nossa cultura. Muitas vezes, somos colocados dentro de uma caixinha, como se o quilombola fosse só tambor, capoeira e culinária. Quando a gente tem acesso à ferramenta do audiovisual, quando tem uma câmera na mão, podemos registrar nosso cotidiano, mostrar nosso olhar, nosso caminhar”, diz Danilo.
Nesta edição, serão exibidos nove filmes produzidos em Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo. “Pensei que valia a pena começar de casa”, comenta Danilo, referindo-se ao território do Açude, eternizado na canção “Casa aberta”, de Flávio Henrique e Chico Amaral, conhecida na voz de Milton Nascimento.
As sessões começam às 17h, e as atividades do festival a partir das 12h. No sábado, a programação traz “Meada cor kalunga”, que retrata o preparo artesanal de meadas e tingimentos no Quilombo Vão de Almas; “Tita – 100 anos de luta e fé”, sobre a trajetória de Maria Gregório Ventura, liderança do Quilombo Morro do Santo Antônio, em Itabira; e “Nove águas”, ficção que narra a jornada de descendentes de escravizados em busca de água e terra entre os vales do Jequitinhonha e do Mucuri.
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“São filmes incríveis, com cineastas de grande representatividade em seus quilombos. Muitos deles são presidentes de associações e lideranças locais”, destaca Danilo. Para ele, o festival tem papel formador. “O cinema acaba se tornando um registro para as futuras gerações. E, mesmo sendo um meio caro e elitizado, também abre caminhos profissionais para nós e forma novos públicos.”
DIA DAS CRIANÇAS
No domingo (12/10), Dia das Crianças, a programação será voltada especialmente ao público infantil, com brinquedos e uma seleção de filmes de temática quilombola. Entre eles, o documentário “Kutala”, de Fábio Martins, quilombola da comunidade do Campinho, em Paraty. “Minha infância foi dentro desse território. Fui aprender cinema muito tarde, só entrei em uma sala de projeção três meses depois de começar o curso”, conta ele. Fábio iniciou sua formação na Escola de Cinema Darcy Ribeiro e depois se especializou em documentário em Cuba.
O filme que será exibido no festival foi produzido no Quilombo Manzo, localizado no Bairro Santa Efigênia, a partir de uma oficina de audiovisual. Para ele, “Kutala” é um grande exemplo do que acontece dentro dos territórios quilombolas. “A tradição é passada pela convivência com os mais velhos. Enquanto os pais saem para trabalhar, as crianças ficam com os avós, que transmitem a cultura pela oralidade. É um filme que fala da geração neta cuidando da geração avó, e da geração avó cuidando da geração neta”, explica.
Após as exibições, o festival recebe apresentações de Ifátókí, Sérgio Pererê, Grupo Cultural Ponto BR, Adriana Araújo e Trio Gandaieira.
Danilo explica que a proposta do festival também é provocar uma reflexão sobre o próprio conceito de “cinema brasileiro”. Para ele, muitas produções nacionais ainda seguem referências estrangeiras, especialmente do cinema norte-americano. “A gente fala tanto do cinema brasileiro, mas será que esse cinema que a gente tá gostando tanto não tem um pé e meio no cinema americano? O cinema quilombola e o cinema indígena trazem a origem do que pode ser e do que é o cinema brasileiro real. Tem muitos filmes incríveis assim, com equipamentos simples, e que você vê na tela uma sensibilidade, um Brasil que às vezes é escondido”, afirma.
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“Existe essa necessidade de ter outros olhares, não só o nosso enquanto quilombolas, mas também dos povos originários. O cinema que a gente tem como referência nem sempre retrata nossa história. O cinema quilombola e o cinema indígena, de repente, sejam os cinemas que mais podem representar o Brasil na sua raiz. Por isso, é essencial a gente fazer os nossos filmes, não só fazer o filme, mas escrever os nossos livros, colocar as nossas músicas para o mundo”, completa o documentarista Fábio Martins.
“FESTIVAL CINEMA DOS QUILOMBOS”
Sábado e domingo (11 e 12/10), das 12h às 00h, no Quilombo do Açude, na Serra do Cipó. Programação gratuita.