Jaboticatubas-Serra do Cipó – "O senhor me dá licença, me dá licença. Pra cantar nessa baixada, nessa baixada". Foi com a frase de um tradicional canto do Candombe, a religião local, que os anfitriões do Açude receberam o público, que participou da 6ª edição do Festival Cinema dos Quilombos, realizado neste sábado (11/10) e domingo.
Com programação inteiramente gratuita, o evento marcou a primeira vez que um festival de cinema foi realizado em solo quilombola – em Jaboticatubas, na Serra do Cipó, região Central de Minas, a 90 quilômetros de Belo Horizonte - e tendo essa temática como destaque.
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"Foi a primeira vez também que um ministro de Estado esteve no nosso solo", afirmou Danilo Candombe, idealizador do festival, referindo-se à presença da ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo. Ela esteve na abertura do festival, marcada também pela participação de cineastas, lideranças comunitárias, músicos, turistas, moradores e outros políticos.
Ao todo, nove filmes produzidos em Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo foram exibidos em um cinema montado no Terreiro de Dona Maria das Mercês, a matriarca do lugar, unindo o respeito aos mais velhos, na prática e na tela, ao trazer histórias de resistência e ancestralidade no cotidiano quilombola.
O ator e escritor Lázaro Ramos, o cineasta mineiro Gabriel Martins ("Marte Um") e o multiartista Maurício Tizumba foram homenageados com o troféu Cinema dos Quilombos.
"Nosso tapete vermelho é natural e fica sempre estendido", brincou Danilo, sobre a terra vermelha que envolve todo o território do Açude.
'Cuidado é também uma reza'
Ao passar pela porteira da mostra, totens com algumas mensagens já preparavam o espírito de quem nunca foi ao local. "No quilombo, cada gesto de cuidado é também uma reza e cada encontro é chance de semear amor. Este lugar é sagrado. Cuide dos bichos, das crianças e dos mais velhos. Toda forma de amor floresce aqui, traga respeito, deixe o preconceito do lado de fora", recomendava o texto.
Além da mostra de filmes, a programação contou com palestras, shows e feira de artesanato quilombola, montada com diversos parceiros. "Só temos a agradecer que tantos bons companheiros atenderam ao nosso chamado e vieram montar seus estandes. Não esperávamos tanta gente boa", afirmou Danilo.
Ao Estado de Minas a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, ressaltou a importância e a capacidade de organização coletiva do evento: "A cultura é parte essencial da efetivação dessa articulação comunitária. (O festival) É um exemplo para várias comunidades do nosso país”.
Para ela, "fortalecer a cultura é fortalecer também os direitos humanos". "A gente tem atuado muito com a ministra Margareth (Menezes, titular da Cultura) numa articulação de Pontos de Cultura em direitos humanos, porque, normalmente, os Pontos de Cultura têm um olhar específico e sensível para as infâncias, para o envelhecimento, para as comunidades", afirmou.
"Aqui, a gente aprende também sobre sociabilidade. Precisamos de um mundo que acredite mais numa cultura de paz. Temos que saudar essas iniciativas de congraçamento e de muita produção cultural", acrescentou a ministra.
No sábado foram exibidos os filmes “Meada cor kalunga”, de Marta Kalunga, Alcileia Torres e Ana Luíza de Sá Reis, que retrata o preparo artesanal de meadas e tingimentos no Quilombo Vão de Almas; “Tita – 100 anos de luta e fé”, de Danilo Candombe, sobre a trajetória de Maria Gregório Ventura, liderança do Quilombo Morro do Santo Antônio, em Itabira; e “Nove águas”, ficção de Gabriel Martins, que narra a jornada de descendentes de escravizados em busca de água e terra entre os vales do Jequitinhonha e do Mucuri.
No domingo, Dia das Crianças, a programação foi voltada ao público infantil, com brinquedos e uma seleção de filmes de temática quilombola. Entre eles, o curta de ficção “A mãe do meu amigo”, de Anderson Lima. Ambientado no Quilombo do Manzo, em Belo Horizonte, o filme mostra como uma conversa entre mães durante uma noite do pijama pode abalar uma amizade infantil diante de preconceitos religiosos.
Na sequência, o documentário “Kutala”, dirigido por Fabio Martins, quilombola da comunidade do Campinho em Paraty, em parceria com o Quilombo Manzo. A produção registra as brincadeiras de crianças de terreiro e revela a transmissão do saber ancestral às novas gerações.
A ficção “Voa Arturos”, curta de Othon de Saboia, realizado com moradores do Quilombo dos Arturos, em Contagem, que aborda, de forma lúdica, disputas nos céus da comunidade, encerrou a programação de cinema.
O público ainda conferiu uma vigorosa apresentação de afro jazz de lfátókí, filha de Martinho da Vila – ela tem a habilidade de conversar enquanto toca piano. lfátókí convidou Sérgio Pererê e MaurícioTizumba, que se sentiram em casa. O Grupo Cultural PontoBR, formado por mestres consagrados da cultura popular, também mostrou o seu som.
No último dia do festival, o samba de Adriana Araújo e o forró do Trio Gandaiera, outro grupo nascido e criado no Açude, fecharam a programação.
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